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O governo parte para a proposta de Orçamento do Estado de 2024 (a entregar daqui a uma semana), dando como perdidos mais de 20 mil milhões de euros em impostos e apoios concedidos aos bancos, estima o Tribunal de Contas (TdC) no parecer sobre a Conta Geral do Estado do ano passado (CGE 2022), ontem entregue ao Parlamento.
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Os valores em causa são de enorme magnitude e, embora não ponham para já as contas públicas em xeque, acabam por ser uma herança negativa que irá pesar no futuro próximo e obrigar a uma consolidação orçamental mais pesada e duradoura nos próximos anos, alerta o novo parecer sobre o fecho de contas do ano passado.
Por exemplo, o valor dos impostos incobráveis já ultrapassa os 13 mil milhões de euros (juros de mora e custas incluídos) e “tem vindo a aumentar, tendo mais do que duplicado face ao valor de 2016 (+170,5%), constituindo um fator de risco acrescido para a sustentabilidade das finanças públicas”, avisam os juízes, que fazem a sua análise em contabilidade pública (lógica de caixa).
Este ano, em contas nacionais (lógica do compromisso), o governo diz que voltará a entregar um excedente orçamental, revelou o primeiro-ministro, António Costa, numa entrevista à TVI/CNN Portugal, na segunda-feira.
No entanto, o legado das sucessivas crises, da incapacidade em cobrar dívidas fiscais (sobretudo as mais antigas e de grandes contribuintes) e dos maus negócios que afundaram a banca continua a pesar.
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Incobráveis do Fisco
De acordo com o novo parecer do TdC, que é presidido por José Tavares, a fatia de leão está nos impostos que estão perdidos para sempre por serem “incobráveis”. Alguns processos são tão antigos que remontam a 1974, revela.
O bolo global desta dívida que jamais será paga rondará os 13,2 mil milhões de euros, se juntarmos os juros de mora e as custas judiciais, segundo o coletivo de juízes.
O Tribunal de Contas explica que no final de 2022, a dívida em só em impostos propriamente dita “classificada como incobrável ascendia a 8.693 milhões de euros, resultante da tramitação de 7.271.745 processos de execução fiscal, referentes a dívidas desde 1974”.
Estão em causa processos que envolvem meio milhão de contribuintes.
A dívida inicial era um pouco superior (9,3 mil milhões de euros), indiciando que os devedores nunca tiveram realmente capacidade ou intenção de pagar impostos.
Em cima dos impostos propriamente ditos que nunca serão pagos, há ainda 4.123 milhões de euros em juros de mora e 370 milhões de euros em custas judiciais que nunca serão alvo de pagamento.
A situação dos incobráveis é grave e até tem efeito no valor das prescrições: estas têm vindo a cair porque simplesmente se assume que o processo de cobrança “falhou” de forma definitiva.
Há muitos casos em que já não se sabe que é o devedor porque se perdeu essa informação ao longo dos anos (no caso dos processos mais antigos, por exemplo).
“A dívida incobrável corresponde à declarada em falhas, o que sucede quando se demonstra a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários”, explica o Tribunal.
“São vários os fatores que têm contribuído para o aumento da dívida incobrável, como sejam as crises financeiras, a situação de pandemia de covid-19 e a crise energética recente”.
“A estes, acresce o impacto da alteração da jurisprudência quanto ao efeito duradouro da interrupção da prescrição, que tem conduzido a um aumento muito significativo do número de processos declarados em falhas e a uma redução das prescrições (que passaram de 236 milhões de euros em 2019, para 41 milhões em 2020 e 11 milhões em 2021 (quebra de 73,5%). Em 2022, no entanto, o valor subiu para 62 milhões de euros (+474,1%)”, diz o novo parecer.
Aquela dívida incobrável (8.693 milhões de euros) “representa mais de um terço da dívida por cobrar coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira (24.281 milhões de euros)”.
Segundo o Tribunal, “dois terços desta dívida respeitam a contribuintes com atividade cessada em IVA”.
Às escuras na Segurança Social
Na Segurança Social também parece haver um problema grave de contabilização do que pode ser o valor das dívidas incobráveis, mas aqui o Tribunal está mais às escuras pois a tutela (ministério de Ana Mendes Godinho) continua a permitir “erros e omissões” nos registos, assumindo como dívida normal dívidas “para as quais não há qualquer possibilidade de recuperação e que continuam relevadas nas demonstrações financeiras”.
O estudo não consegue chegar sequer a um valor aproximado dos incobráveis, mas deteta uma “subvalorização da dívida de contribuintes, uma vez que, em incumprimento do princípio da especialização do exercício, para 43,3% das dívidas, no valor de 6.022 milhões de euros, não são calculados juros vencidos e também pela existência de contas de juros de mora com saldos credores no montante de 41 milhões de euros”.
Em cima disto, o TdC nota uma “sobrevalorização da dívida de clientes por não registo da sua incobrabilidade, continuando relevadas nas demonstrações financeiras dívidas para as quais não há qualquer possibilidade de recuperação”.
“Recomenda-se à ministra da Segurança Social que providencie no sentido de que sejam implementados procedimentos que possibilitem o controlo das dívidas por devedor e que se proceda ao registo de dívidas incobráveis quando já não exista qualquer possibilidade de recuperação”, pedem os juízes.
O buraco dos bancos
Finalmente, outra parcela gigante: o buraco dos bancos que ficou para os contribuintes pagar.
Até final de 2022, os contribuintes arcaram, por causa dos apoios à banca, com quase 22 mil milhões de euros em prejuízos (foi para o défice e o saldo orçamental, e isto fora os contingentes que vão à dívida).
O Tribunal diz que metade disto já se perdeu irremediavelmente e que há ainda 10,4 mil milhões de euros em “ativos” que pouco ou nada valem já.
O TdC fala de “uma fraca expectativa de virem a ser recuperados”, somando: 5,3 mil milhões de euros em empréstimos mais 4,9 mil milhões de euros em ações/capital mais 195 milhões de euros em garantias. Estão prestes a evaporar porque ninguém deverá pagar ou comprar a um preço decente tais “ativos”.
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