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O excedente orçamental deste ano, que deverá a ascender a quase 2,2 mil milhões de euros (0,8% do Produto Interno Bruto ou PIB), vai ser “canalizado” para um fundo de “investimentos estruturantes” que o Governo quer começar a usar após 2026, o ano das próximas eleições legislativas, revelou ontem o ministro das Finanças, Fernando Medina, na apresentação da nova proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024).
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E disse mais: a ideia é ir poupando sempre, “canalizando” para esse fundo os futuros excedentes orçamentais que ocorram e “novos fluxos financeiros” para financiar grandes projetos de investimento no pós Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que termina, justamente, em 2026. As eleições acontecem em outubro desse ano.
Ou seja, o Governo também já reservou para esse fim o excedente que prevê em 2024. Segundo a nova proposta, o plano é chegar ao final do ano que vem com uma margem positiva de 664 milhões de euros, o equivalente a 0,2% do PIB, relevou ontem o ministro.
Além dos excedentes, o governante sinalizou que há outras fontes de receita que é preciso começar a por de lado para mais tarde gastar em grandes investimentos. Deu o exemplo das Parcerias Público-Privadas (PPP).
Até agora, estas têm dado prejuízos muito elevados ao Estado e aos contribuintes, mas Fernando Medina está confiante de que vai haver um momento em que as PPP vão começar a dar lucro.
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De acordo com o novo OE, isso é verdade, mas só daqui a 12 anos, em 2036, e começa com apenas 33 milhões de euros de excedente vindo das PPP. Para já, o défice das parcerias, onde o grosso são estradas e autoestradas (as antigas SCUT que hoje se pagam), é enorme e até aumentou face ao previsto.
Segundo as Finanças, “face à previsão constante do Relatório do Orçamento do Estado para 2023, verifica-se um aumento dos encargos líquidos estimados, o qual resulta de um aumento dos encargos brutos, parcialmente mitigado por um aumento das receitas”.
Este ano, o governo prevê que o prejuízo do Estado com as PPP ascenda a 1,3 mil milhões de euros. No ano que vem, repete a dose.
O aumento dos encargos face ao OE 2023 é explicado pelos “pagamentos por disponibilidade e por serviço – tendo contribuído para este aumento o crescimento das taxas de inflação consideradas e do tráfego rodoviário”, pelos “encargos com grandes reparações – estimando-se um investimento plurianual superior ao considerado no ano anterior” e pelos “custos com serviço de cobrança de taxas de portagem – consequência do aumento da inflação e do tráfego considerados, bem como de renegociações ocorridas nas concessões do Algarve e do Norte Litoral, que tiveram como objetivo diminuir o risco de operação por parte da Infraestruturas de Portugal”, refere o relatório do OE.
Seja como for, Medina está convencido de que as PPP vão ajudar no novo fundo. Este visa “responder à dupla necessidade que é ter mais investimento estruturante no pós-2026”, vai ser “dirigido a investimentos públicos privados”, “financiado com verbas de saldos orçamentais positivos e outras fontes, como, por exemplo, as concessões [PPP]” e “arranca já em 2023 com dois mil milhões de euros”, disse.
“Defendemos que se mantenha a nível europeu um instrumento permanente e definitivo que suceda ao PRR, mas temos de mobilizar já os recursos para podermos assegurar que, passados estes anos de forte disponibilidade, continuamos a dispor de verbas para o futuro”, declarou o responsável pelas Finanças.
2024 e depois
Na apresentação do novo OE, o ministro explicou que o plano do Governo tem três grandes pilares em 2024. Pretende reforçar os rendimentos de modo a contrariar o efeito de alta erosão da inflação e da subida das taxas de juro sobre a classe média (via IRS) e sobre os mais pobres e “vulneráveis”, através de um reforço anunciado nos apoios sociais e nas pensões.
Há ainda um segundo pilar que é o investimento com vista a modernizar o país e a aumentar a produtividade e as exportações.
E um terceiro eixo que é “proteger o sistema público de pensões” e dar o tal impulso necessário aos referidos grandes investimentos estruturantes, muitos deles a ser lançados agora.
Neste OE, não há referências ao novo aeroporto, talvez porque a TAP ainda tem de ser vendida (reprivatizada).
Seja como for, antes das eleições de 2026, Portugal terá cerca de três anos muito desafiantes. No ano que vem, o Governo promete um aumento do “ganho médio” dos funcionários públicos em cerca de 5,4%, um valor que compara com uma inflação que este ano terá rondado esse valor, mas que em 2024 atenua até cerca de 3%, segundo o novo OE. As Finanças dizem que se vai gastar nisto 1,5 mil milhões de euros, mais do que um ano de prejuízos nas PPP.
Medina também acenou com uma “atualização histórica das pensões” que significará um incremento médio de 6,2%. Mais 2,2 mil milhões de euros em despesa.
A “redução transversal do IRS”, que passa por atualização dos escalões em 3% (a inflação esperada), o corte de taxas até ao quinto escalão de rendimento e o reforço do mínimo de existência (para que quem ganhe o salário mínimo não pague imposto) podem dar algum oxigénio a cerca de seis milhões de contribuintes, espera o Governo.
No IRS Jovem, o custo orçamental da medida deve rondar os 200 milhões. A isto acresce os passes gratuitos até aos 23 anos, que Medina estima valer cerca de 126 milhões.
Na habitação, o destaque vai para a bonificação dos juros dos empréstimos. Aqui, cada pessoa pode ter um benefício anual máximo de 800 euros. Há ainda a possibilidade de adiar por dois anos o pagamento da prestação, mas não é um apoio permanente, pois a dívida vai ter de ser toda paga na mesma, só que mais tarde.
O reforço do abono de família, que pode chegar a 30%, deve custar ao OE cerca de 320 milhões de euros. O alargamento das creches gratuitas a mais crianças pode implicar despesa adicional de 100 milhões, indicou Medina.
Todos estes grandes números cabem no referido excedente orçamental de 0,2% em 2024, o que leva já alguns observadores, como os partidos da Oposição ao PS, a dizer que é possível um orçamento mais generoso para quem vive em Portugal, famílias e empresas.
No ano que vem, o cinto das Finanças aperta menos, mas segue com “prudência”, como pediu o governador do Banco de Portugal e defende o próprio governo.
Será, assim, o segundo maior saldo positivo da história democrática (o maior é o deste ano, os tais 0,8%), mesmo a contar com as referidas medidas de alívio no IRS, nos impostos incidentes sobre os combustíveis e os aumentos direcionados em certos apoios sociais.
Um cenário apertado
O embate da crise inflacionista e da subida agressiva das taxas de juro vai provocar uma travagem a fundo no ritmo da economia portuguesa e na criação de emprego. Segundo a nova proposta de Orçamento, o crescimento real baixa para 2,2% este ano e 1,5% em 2024.
O emprego também enfraquece e muito. Segundo o novo OE 2024, a criação líquida de postos de trabalho na economia foi de 1,5% em 2022, mas abranda para 1,1% este ano e 0,4% no próximo (menos de metade, portanto).
A inflação alta, a raiz disto tudo, vai continuar, embora comece a ceder, fruto da subida muito severa das taxas de juro. A inflação que compara com os pares da Zona Euro (medida harmonizada, IHPC) deve chegar a 5,3% este ano, acima da estimativa de há seis meses (5,1%). A previsão para 2024 foi revista em alta de 2,9% para 3,3% neste novo OE.
O peso do desemprego, que até à crise que começou no início de 2022 se manteve baixo e perto dos 6% da população ativa ou até menos, está novamente a subir. Este ano, a taxa de desemprego deverá chegar a 6,7% da população ativa e manter-se assim no ano que vem, espera o Governo no novo OE.
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