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Quando estava a desenhar a proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024), apresentada esta terça-feira, dentro do governo houve poucas ou nenhumas dúvidas em escolher uma de duas medidas.
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Entre avançar com uma o alívio fiscal em sede de IRS de modo a contemplar as classes médias do País (algo que pode abranger seis milhões de famílias) ou devolver a cerca de cem mil professores mais ao resto dos funcionários públicos com carreiras definidas os seis anos e seis meses de contagem do tempo de serviço que reclamam há já imensos anos (uma penalidade que vem do tempo da austeridade e da troika), o governo quase não hesitou: escolheu a redução mais abrangente do IRS, explica uma fonte das Finanças que esteve envolvida na realização da proposta de OE 2024 ouvida pelo Dinheiro Vivo.
Segundo a mesma fonte, ganhou facilmente a opção orçamental que visa melhorar o rendimento disponível porque abrange seis milhões de trabalhadores ou famílias em Portugal, grupo onde até estão incluídos também as várias dezenas de milhares de professores e, na verdade, os outros funcionários públicos.
Recorde-se que, no início deste ano, o primeiro-ministro António Costa, contabilizou que “se quiséssemos dar a todas as outras carreiras o equivalente aos seis anos, seis meses e 24 dias que os professores reivindicam, isso tinha um custo para o país de 1,3 mil milhões de euros milhões de euros de despesa permanente”.
Dentro do governo defende-se a ideia de que esta discussão onde se contrapõe o problema dos professores (que continua por resolver, em todo o caso) com outras medidas de alto calibre porque o grupo profissional dos docentes tem muito poder em Portugal.
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É uma referência indireta ao poder dos sindicatos dos docentes do básico e do secundário, que mantém uma luta aparentemente sem fim com as sucessivas tutelas no Ministério da Educação.
Recorde-se que, em 2019, os professores conseguiram parcialmente uma parte da reclamada reposição de contagem de tempo (que conduz a subidas de níveis nas carreiras e a aumentos salariais). Foram acertados dois anos e nove meses, com um custo total de 244 milhões de euros.
Mas, ao todo reivindicam o descongelamento integral de nove anos, quatro meses e dois dias. Em 2019, o governo PS (onde as Finanças eram tuteladas por Mário Centeno) cedeu ligeiramente, desbloqueando essa fração. Falta o resto e, pelos vistos, assim continuará a faltar.
Como referido, o governo quase não pestanejou e avançou com uma medida que, no fundo, também é muito mais popular pois afeta (positivamente) o rendimento disponível de seis milhões de famílias.
Se descongelar o que falta nas carreiras dos funcionários públicos custava, segundo Costa, os tais 1,3 mil milhões de euros, o ministro das Finanças, Fernando Medina, também chegou à conclusão que descer o IRS das “classes média” custa quase o mesmo.
De acordo com o novo OE 2024, a “redução transversal do IRS”, que passa por três eixos (atualização dos limites dos escalões a 3%, que é a inflação esperada; redução das taxas marginais até ao 5º escalão de rendimento; e reforço do mínimo de existência), pode gerar uma despesa fiscal (menos IRS a ser cobrado no exercício de 2024) na ordem dos 1,327 mil milhões de euros, revelou Medina na apresentação pública do OE.
O esforço com uma (IRS) e outra medida (tempo de serviço dos funcionários públicos) é muito parecido e foi por isso que o debate continua aceso.
À medida que se foram limando as arestas da nova proposta de OE, tornou-se cada vez mais claro para o governo que, nesta crise inflacionista, faltava contemplar com um sinal mais positivo as classes médias.
Muitas das medidas de 2022 e 2023 estiveram mais viradas para os cidadãos com rendimentos abaixo da média e para os mais pobres e, por último, mas não menos importante, é preciso manter a cadência nos gastos privados e na cobrança de outros impostos (os do consumo, como o gigantesco IVA e ISP).
Aliado a isso, vamos entrar em anos eleitorais, a primeira ronda já em 2024 (Europeias).
Proporcionar mais rendimento disponível a milhões de famílias via IRS, sobretudo as de classe média, que têm maior propensão a consumir mais, significa outro trunfo orçamental. Já se falou dele: os impostos indiretos, a que ninguém consegue fugir.
Quem paga IRS ou tem emprego ou está reformado e ganha para isso. Quanto mais impostos diretos, maior o impulso na receita e mais fácil fica o caminho para o excedente orçamental.
Esse é o plano paralelo do governo e das Finanças nisto tudo: depois de entregar, em 2023, o maior excedente da democracia este ano (mais 2,1 mil milhões de euros ou 0,8% do PIB – Produto Interno Bruto), o novo OE quer repetir o excedente e entregar um saldo positivo de 664 milhões de euros (0,2% do PIB) e em que a economia trava para um crescimento de apenas 1,5% e uma quase estagnação do emprego (0,4% em 2024).
Excedentes para amealhar
Pode-se dizer que o excedente deste ano de 2,1 mil milhões de euros chegava e sobrava para, mesmo com alívio do IRS, começar a responder ao que reivindicam há anos os professores e tantos outros milhares de funcionários públicos.
Não foi esse o entendimento do governo. Segundo Medina, uma das traves mestras do novo OE é “proteger o futuro das atuais e novas gerações” e aqui uma das ideias novas e mais fortes que surgiram passa por criar um fundo para “investimentos estruturantes”, canalizando para aqui os sucessivos excedentes orçamentais anuais que venham a existir para investir mais tarde, depois de acabar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em 2026.
Este Plano consiste num envelope de três anos que pode superar os 22 mil milhões de euros.
Problema: a execução do PRR tem de ser muito veloz já que este está desenhado para ser executado até 2026, inclusive. Sem mais dinheiro do PRR no horizonte, Portugal pode ressentir-se.
A ideia de haver um fundo que dê continuidade ao impulso do PRR está assim a ganhar muita tração.
Alargamento da UE pode desclassificar Portugal
E, segundo explica um responsável da Fazenda, há até um sentimento de urgência neste projeto do novo fundo para os investimentos pós-2026 já que esse período por vir a ser marcado por um novo alargamento da União Europeia a mais países.
Problema: vão ser países muito mais pobres e atrasados, o que pode afastar Portugal de muitos fundos europeus já que o País deixa de cumprir os critérios mínimos das políticas da convergência.
Com a entrada de países menos desenvolvidos, Portugal pode tornar-se estatistica e automaticamente mais rico em termos relativos e de um dia para o outro.
Estamos a falar de candidatos como Montenegro, Sérvia, Turquia, Macedónia do Norte, Albânia, Moldávia, Bósnia-Herzegovina, Geórgia ou até Ucrânia.
Segundo apurou o Dinheiro Vivo junto das Finanças, a ideia é pegar o quanto antes no excedente de 2,1 mil milhões deste ano e aplicá-lo em “títulos da dívida pública”.
Mais tarde, essas verbas vão ao saldo orçamental (podem gerar défice), serão usadas para fazer despesa pública (os tais investimentos prioritários) em áreas como combate às alterações climáticas , habitação e coesão do território, inovação e digital, saúde e educação, enumera o governo.
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