//Guerra do Fisco à fraude vira-se do imobiliário para os negócios online

Guerra do Fisco à fraude vira-se do imobiliário para os negócios online

A lista de setores que evidenciam maior risco de fraude fiscal é anualmente afinada pela Autoridade Tributária (AT) em função da evolução da economia e do que vai sendo detetado pela máquina fiscal. Não é, por isso, de estranhar que, no início da década, as atenções se focassem em empresas na área da construção civil, sucatas ou o controlo de negócios com imóveis e que agora as prioridades se centrem nas operações intracomunitárias ou no comércio online.

Mas nem sempre o setor de atividade explica tudo. Uma empresa que operava no comércio de azeite ficou na mira dos inspetores da AT. Motivo? O facto de fazer aquisições intracomunitárias – um tipo de operação habitualmente considerada prioritária em termos inspetivos. O “feeling” do Fisco acabou por revelar-se certeiro e a empresa foi condenada a pagar quatro milhões de euros de IVA.

Este é apenas um exemplo dos muitos processos de inspeção que são levados a cabo pela administração fiscal e que resultam do facto de se enquadrarem nos setores ou operações consideradas de risco e alvo de atenção especial.

Ao controlo direto aos setores que indiciam maior risco soma-se cada vez mais o controlo de determinadas operações. Isso explica que todos os anos haja ações inspetivas direcionadas para a emissão de faturas, os reembolsos do IVA, a entrega das retenções na fonte pelas empresas ou a verificação de stocks e inventários.

“Esta ação resulta da atividade económica e muito da experiência que a AT vai tendo do terreno”, nomeadamente do “resultado de ações inspetivas”, observa ao Dinheiro Vivo Nuno Barroso, presidente da Associação dos Profissionais de Inspeção Tributária (APIT). Exemplo dessa evolução foi o foco dirigido pelo Fisco ao comércio de ouro, quando os estabelecimentos se multiplicaram, e que agora não figura.

Mas se o controlo dos metais preciosos quase saiu de cena, o mesmo não se passa quanto às operações relacionadas com imobiliário (controlo de mais-valias, arrendamento ou alojamento de turistas), comércio de automóveis usados ou controlo dos sistemas de faturação.

Luís Lima, presidente da Associação das Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) não estranha a presença assídua do imobiliário na lista de setores de risco. “É injusta toda esta atenção, mas não podemos fazer nada. Percebemos que as inspeções sejam direcionadas para os setores que revelam mais dinamismo económico”, refere. Esta é também a leitura que o presidente da Associação Portuguesa de Alojamento Local, Eduardo Miranda, faz do facto de o AL estar habitualmente entre as áreas de atenção prioritárias.

Recursos são limitados
Pedro Marinho Falcão, advogado, percebe a preocupação em afinar prioridades “porque os recursos não são ilimitados”. Mas ainda que reconheça o esforço e resultados obtidos pela AT, lamenta que, por vezes, insista em ações que sabe à partida “que não vão ter resultados” porque visam empresas insolventes.

Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), considera que há uma tendência para concentrar a luta contra a fraude e evasão no que é mais fácil, no pequeno contribuinte, quando o foco devia estar nos grandes contribuintes.

Raides inspetivos visaram 10 mil restaurantes
A perceção de fenómenos de subfaturação na restauração foi um dos motivos que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a incluir este setor entre os que concedem benefício fiscal em IRS aos contribuintes que pedem fatura, quando pagam o que consumiram.

Este trabalho de procurar minimizar eventuais casos de evasão fiscal começou antes, com a obrigatoriedade de os estabelecimentos comercias (incluindo restaurantes com maior volume de negócios) passarem a ter de usar programas de faturação suportados em softwares certificados. Em 2012, deu-se mais um passo ao tornar-se obrigatória a emissão de faturas e o seu envio para a AT.

A isto somou-se a concessão de um incentivo fiscal (uma dedução de parte do IVA no IRS) aos consumidores que associam o seu NIF às faturas. Em paralelo com todos estes passos têm-se registado ações de fiscalização. Uma delas, apelidada de “Ação produto fresco”, foi para o terreno no verão do ano passado e levou os inspetores da AT a mais de três mil estabelecimentos de restauração.

Na mira desta megaoperação estavam obrigações de faturação relacionadas com a aquisição de produtos perecíveis, tendo-se registado a instauração de 600 processo de contraordenação.

Já este ano, no âmbito da operação “Esplanada aberta”, o Fisco visitou mais de ste mil estabelecimentos de restauração e similares. Entre as infrações detetadas estavam a não emissão de faturas, a utilização de programas de faturação não certificados e inobservância dos requisitos formais dos documentos emitidos.

Além dos 250 autos de notícia então instaurados, a AT decidiu que os estabelecimentos em causa seriam objeto de um “rigoroso acompanhamento” do seu comportamento declarativo, estando previstas ações de inspeção posteriores.

AT põe no terreno “Jante usada” e “Revisão geral”
O comércio de automóveis, sobretudo importados e usados, é uma das áreas de atividade que têm estado no centro das atenções da administração fiscal. Prova disso é a presença assídua nos planos e relatórios anuais de Combate à Fraude e Evasão Tributária e Aduaneira.

A tipologia de fraudes fiscais é extensa e a AT tem feito várias ações inspetivas para detetar eventuais esquemas fraudulentas no IVA e IRC. Uma das mais recentes foi a operação “Jante usada”, em 2017.

Na mira da operação estiveram stands de automóveis e o objetivo dos 500 inspetores destacados foi recolher informação sobre a comercialização desses veículos. A operação abrangeu 1900 stands.

A ação do Fisco relacionada com automóveis estende-se ao controlo através das faturas. Tal como sucedeu com os salões de beleza e os restaurantes, também as oficinas de reparação de carros e de motos foram um dos setores escolhidos para dar benefício fiscal aos contribuintes que pedem fatura e lhe associam o seu NIF.

A ação “Revisão geral” deu mais um passo nessa fiscalização, ao envolver cerca de 570 inspetores, que tiveram por missão visitar mais de 3600 oficinas de manutenção e reparação de veículos automóveis e motas. O número de estabelecimentos onde foram detetadas irregularidade ascendeu a uma centena e meia.

Também em 2017, a AT colocou no terreno a operação “Carro de praça”, desta vez para fiscalizar táxis e controlar as suas obrigações de faturação. A iniciativa permitiu verificar 2350 veículos e levou à instauração de 150 autos de notícia.

A AT assegura que a visibilidade deste tipo de operações dissuade comportamentos irregulares.

“Desemprego e carga fiscal potenciam evasão”

Para o presidente do Observatório de Economia e Gestão da Fraude (OBEGEF), Óscar Afonso, a definição de perfis e de setores de risco é importante mas não chega.

A definição de comportamentos e setores de risco por parte da AT é fundamental para o combate à economia paralela?
No Observatório não conseguimos perceber o impacto efetivo das ações que a Autoridade Tributária e Aduaneira leva a cabo, mas em termos gerais, a perceção que temos é que, olhando para os números, percebemos que nos anos da crise, com carga fiscal e desemprego elevados, a economia não registada, a informalidade, tendem a aumentar.

Uma carga fiscal alta e desemprego elevado acabam por ter mais impacto no combate a estes fenómenos que a ação da AT?
No OBEGEF analisamos estas questões tendo em conta cinco realidades: economia informal, economia subterrânea, autoconsumo, economia ilegal e não registada. A AT foca-se sobretudo na economia informal (biscates), mas a carga fiscal e o desemprego são causas maiores da informalidade. O mais relevante é combater a corrupção e fraude, no seu sentido mais lato e não apenas na vertente fiscal. Muitas vezes as administrações fiscais focam-se no biscate, na oficina da rua que não passa fatura, mas não é aí que está a grande corrupção ou fraude.

Há vários organismos que tentam “medir” a economia paralela, mas os resultados não são semelhantes. Como se justifica isso?
A diferença começa logo pelos conceitos usados. No OBEGEF medimos tudo e alguns organismos apenas tentam medir a economia subterrânea. Para algumas entidades, apenas a droga que é detetada e apreendida é considerada nestes cálculos, mas sabemos que o tráfico vai muito além disso.

Apesar dos meios para definir perfis de risco, considera que neste campeonato do combate à infernalidade há um gato e um rato?
Sim. No fundo o legislador acaba por andar a reboque do que acontece.

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