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A invasão da Ucrânia pela Rússia toldou a vista dos agentes económicos. Ao perto, e também ao longe, o horizonte é incerto, com a reavaliação das condições dentro da Europa a ditar desde já uma pausa do Banco Central Europeu (BCE) para reponderar o rumo a tomar a 10 e 11 de março, datas da próxima reunião de política monetária do conselho de governadores da instituição, da qual muitos esperavam anúncios quanto ao calendário para uma primeira subida de juros no espaço do euro frente a um cenário de recuperação da covid-19.
Os impactos da guerra no leste europeu, num acontecimento em constante desenvolvimento, vão ser integrados em novas projeções de crescimento e de inflação dentro de 13 dias, avisou ontem Christine Lagarde, a presidente do BCE, juntando que qualquer número é neste momento prematuro. A subida na inflação da energia e matérias-primas tenderá a ser mais prolongada e as expectativas de crescimento sairão moderadas. Por quanto, ainda não se sabe.
“Na inflação, vamos avaliar o impacto da subida dos preços da energia, que no curto prazo deverão aumentar os números da inflação. A incerteza persistente, contudo, irá provavelmente pesar sobre o consumo e o investimento e irá limitar o crescimento”, sinalizou a presidente do BCE após reunião informal do Ecofin, que, em Paris, discutiu a situação em desenvolvimento na Ucrânia.
A dependência do gás da Rússia em mais de um quinto das necessidades europeias, mesmo sem sanções ou retaliações que interrompam fornecimentos, deverá arrastar a tendência de subida de preços, já seis vezes acima do nível de há um ano, com a cotação do petróleo também a avançar para lá dos 100 dólares por barril, com alguns analistas a admitirem que possa chegar aos 130 dólares. Os produtos agrícolas e alguns minerais também têm tido revisões em alta de preços nesta que é a primeira onda imediata de reação ao conflito. Em janeiro, a inflação anual da zona euro estava em 5,1%.
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Por outro lado, as projeções de crescimento serão revistas. Se da parte da Comissão Europeia, o vice-presidente Valdis Dombrovskis mostrou confiança de que não haja um grande abaixamento nos 4% de crescimento previstos para a União Europeia em 2022, a presidente do BCE avisou que “quaisquer números que estejam a ser avançados são prematuros”.
A garantia da instituição de Frankfurt, para já, é a de manter todos os instrumentos de política na mesa e flexibilidade para os gerir, inclusivamente, com “velocidade, em caso de emergência”. “Vamos orientar-nos pela necessidade de manter a confiança, não faltará liquidez, vamos assegurar-nos disso. Os sistemas de pagamentos vão funcionar devidamente e o dinheiro vai estar disponível”, assegurou. O BCE, disse, “está preparado para tomar qualquer ação que seja necessária, dentro das suas responsabilidades, para garantir a estabilidade de preços e a estabilidade financeira na zona euro”.
Em que sentido? Não é fácil dizer. Para o economista António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, a guerra “seguramente irá levar o BCE a ponderar mais as decisões” num quadro em que já não havia “muita vontade de subir as taxas de juro”.
Já o economista João Duque acredita que, pelo contrário, o BCE terá agora ainda mais razões para acelerar o processo de desmame, ou tapering, dos programas de compra de ativos e para subir juros. Com a escalada de preços que se antecipa agora mais prolongada – com alguns analistas a preverem até mais dois pontos percentuais de inflação em 2022 – e a continuação da reposição de inventários de empresas e países a manterem a procura elevada, “aquela ideia de “nós não mexemos” acabou”, entende.
Por outro lado, a possibilidade de haver uma procura aumentada por instrumentos de dívida na tomada de refúgio face aos mercados de ações não é afastada. “Tira stress ao Banco Central Europeu para ter de intervir nesta área”, entende João Duque. Mas, alerta, “não há só a questão da inflação”. “Há aqui um problema das tensões e da contração da procura interna, por via daquilo que são expectativas”.
Por isso, a revisão em baixa das projeções de crescimento pelas principais instituições internacionais é também “inevitável” para António Mendonça. “Ainda está no plano das décimas, mas ainda é cedo para dizer se não pode ir um pouco mais além”, refere, avisando que “a alteração do quadro da confiança pode ter efeitos recessivos muito fortes” num momento em que se aplicam sanções, com eventuais efeitos de feedback, se cancelam investimentos e se cortam relações entre agentes económicos. E quando ainda não se sabe até onde a guerra poderá escalar.
Mas, mais a longo prazo, diz, poderá ser o caso que nada fique como antes nas relações económicas mundiais. “As consequências económicas do conflito são imensas, não tanto no curto prazo, onde se pode traduzir numa aceleração ainda maior dos preços dos combustíveis, das matérias-primas. Julgo que isso é menor tendo em conta os impactos que vai ter sobre a própria estruturação da economia global, talvez com uma tendência para a polarização, para criar outras redes de comunicação. Corre-se o risco de se ter uma maior desglobalização, se assim se pode chamar”.
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