//Há hospitais a contratar empresas de cobranças para recuperar taxas em atraso

Há hospitais a contratar empresas de cobranças para recuperar taxas em atraso

Há hospitais públicos a subcontratar empresas de recuperação de créditos para cobrar taxas moderadoras em dívida. Uma dessas empresas é a sueca Intrum Portugal.

“Também trabalhamos com hospitais. Taxas moderadoras, outro tipo de consultas, hospitais privados, também públicos, mas mais privados”, confirmou o diretor-Geral da Intrum, Luís Salvaterra. Mas a Renascença também encontrou, no Portal da Queixa, reclamações de utentes que foram alvo destas empresas, devido a taxas moderadoras que ficaram por pagar em hospitais do SNS.

Contactados pela Renascença, os serviços do Ministério da Saúde explicam que os hospitais têm autonomia de gestão e, por isso, não têm de dar explicações à tutela. Mas, segundo o reforço da autonomia dos hospitais, os planos de gestão têm de ser apresentados e aprovados pelo ministério. As contas continuam a ser centralizadas pela ACSS, órgão da tutela. Ainda assim, não foi dada informação sobre as taxas moderadoras prescritas, só foram disponibilizados números sobre as taxas cobradas a partir de 2012 e não há referência oficial às empresas de cobrança de dívidas, também conhecidas como “cobradores de fraque”.

A lei determina que as taxas devem ser cobradas quando os cuidados de saúde são prestados, mas nem sempre é assim. Pelos menos, desde 2012, desde que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) tem dados disponíveis, que ficam anualmente milhões por cobrar. Nos últimos sete anos as taxas moderadoras em dívida, no Serviço nacional de Saúde, ultrapassaram os 86 milhões. O pico foi registado em 2016, quando ultrapassou os 19 milhões – o único ano em que o fisco fez cobranças coercivas no país.

Cobrança coerciva pelo fisco cai

Para evitar perder as receitas das taxas moderadoras, em 2012 surgiu a lei que permite a cobrança coerciva pela Autoridade Tributária, mas só no final de 2014 estava pronto um projeto piloto para o Centro Hospitalar do Alto Ave, em Guimarães.

Três anos depois de entrar em vigor a lei, começaram finalmente a ser cobradas as taxas moderadoras em atraso, de forma sistemática, graças ao SITAM – um sistema informático criado para gerir o envio de cartas e notificações – primeiro no Centro Hospitalar do Alto Ave e depois alargado a outras unidades hospitalares. Porque, apesar de ser competência do fisco a instauração dos processos de contraordenação e a aplicação das coimas, este só pode atuar depois de receber informação sobre as taxas em falta e os utentes que não pagaram a conta, o que cabe à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

Só no final de 2015 é que estavam reunidas as condições para alargar o SITAM ao país, segundo os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Ou seja, foram precisos mais de três anos para que o fisco passasse e cobrar as taxas moderadoras em falta em todo o SNS, com multas que não podiam ultrapassar os 250 euros.

No entanto, mesmo antes de arrancar de forma massiva, esta cobrança coerciva já estava condenada. Além das queixas dos trabalhadores dos impostos, pela falta de meios, dois partidos já ameaçavam a medida – o PCP e o BE.

Em 2017, com o Orçamento do Estado, a cobrança coerciva pelo fisco acaba por cair de vez. À Renascença, as finanças adiantam que, a partir deste ano, não há qualquer envolvimento da Autoridade Tributária nesta cobrança. Apesar da insistência, não conseguimos informação sobre as taxas moderadoras que chegaram efetivamente a ser cobradas pela AT.

Contas feitas, apenas em 2016 estiveram reunidos os meios para a cobrança coerciva pelo fisco. Curiosamente, foi neste ano que foram cobradas menos taxas. Uma explicação possível é a divisão das receitas: a lei define que “o produto da coima cobrado no processo de contraordenação reverte para o Estado (40%), para a entidade que elabora o auto de notícia (35%) e para a AT (25%)”.

Quase 40 anos de dívidas e prescrições

A cobrança das taxas moderadoras é uma corrida contra o tempo, até porque passados três anos o utente já não é obrigado a pagar. O Governo não disponibiliza dados sobre o valor prescrito. Sabe-se que entre 2012 e 2018 ficaram por pagar mais de 86 milhões, mas a dívida será muito maior.

As taxas moderadoras foram introduzidas num despacho de 1980, que no fundo atualizou taxas que já eram pagas. Em 89, uma alteração à constituição inclui o conceito do Serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito, mas até hoje as taxas mantêm-se, segundo a lei, para “racionalizar” o acesso aos serviços ou como “princípio de justiça social”.

São quase 40 anos a acumular potenciais dívidas, às quais se somam as prescrições.

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