A taxa de desemprego em 2020 foi de 6,8%, de acordo com os dados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), um aumento de 0,3 pontos percentuais em relação ao verificado em 2019. Ainda assim, no ano passado, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) ficou com 10.655 ofertas de emprego por preencher. A situação não é nova e repete-se há, pelo menos, três anos.
Segundo os dados enviados à Renascença por aquele instituto, em 2018 as ofertas de emprego sem resposta foram 12.049, em 2019, um pouco menos 11.194. Os valores no ano de 2021 parecem revelar uma forte tendência de crescimento. Em maio, o número tinha crescido para mais de 20 mil. Quase o dobro de todo o ano passado.
Mas o que justificará que, tendo a população empregada diminuído, em 2020, em 99 mil pessoas, um decréscimo de 2%, e, adicionalmente, a população desempregada tenha crescido 3,4%, Portugal registe este nível de ofertas de emprego que ficam por satisfazer?
Carvalho da Silva, especialista na área do trabalho, não tem dúvidas sobre as razões do fenómeno. São variadas e estão enraizadas.
Na lista de causas põe uma no topo. “A principal é a baixa remuneração que é proposta. Era interessante que se fizesse um estudo fino sobre o problema identificando as condições das propostas de emprego que ficaram por preencher”, afirma o ex-líder da central sindical CGTP.
O mesmo lembra que, de vez em quando, há quem consulte as propostas que surgem no IEFP e constate que até há casos “com proposta de remuneração e de horário de trabalho que se situam à margem da lei”.
Construção é a atividade com mais problemas
Se olharmos para as áreas que têm mais dificuldade em conseguir atrair candidatos para as ofertas de emprego, constatamos que, no ano passado, o setor da construção lidera com 1.902 propostas sem candidato, seguem-se as atividades imobiliárias (área que se somarmos os três anos em análise é a que mais dificuldade tem em preencher as propostas de emprego) com 1.765 e o retalho com 1.312.
No polo oposto, a indústria do papel e a indústria extrativa são as atividades que menos ofertas por satisfazer têm, entre 2018 e 2020.
Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS), aventa outra explicação para o fenómeno.
“Na nossa opinião, trata-se de uma desadequação entre o perfil que os empregados de longa duração têm e a procura que o setor revela. Grande parte desses trabalhadores são pessoas com qualificações baixas, trabalhadores indiferenciados, ou com pouca qualificação para responder àquilo que agora é uma carência grande do setor em profissões de grau de especialidade mais elevados, como é o caso dos carpinteiros, os eletricistas, os montadores de equipamentos”, enumera.
O representante da construção assume ainda que este é um problema sério para as empresas. “A carência de pessoas na construção é bastante grande e a tendência é para que se torne ainda maior”, teme.
Lá fora trabalham nas obras
Carvalho da Silva põe a tónica noutras dinâmicas. À questão da remuneração junta a distância entre a residência do candidato e o local de trabalho da proposta de emprego. “Às vezes, é também o distanciamento, e não haver mobilidade que permita o acesso ao trabalho que é proposto. Temos muitos problemas de mobilidade. Há regiões em que até podem ser poucos quilómetros, mas a deslocação é muito difícil porque não há transportes públicos que passem nessa zona. Isto até acontece no espaço da Grande Lisboa”, identifica.
Por seu lado, o homem do setor da construção olha para o fenómeno como um problema para as empresas. “Começa a refletir-se nos custos de mão-de-obra, porque quando essas ofertas não são preenchidas, as empresas continuam a ter o problema, aumentam com certeza as condições que estão disponíveis para pagar, porque a verdade é que têm contratos para cumprir, e essa pressão é incontornável”, assume.
A precariedade de muitas destas ofertas de trabalho é, segundo Carvalho da Silva, uma das razões mais fortes para que não haja candidatos. “Foi-me dito, várias vezes ao longo dos anos, que ‘para trabalhar nestas condições não trabalho. Então vou para o estrangeiro, e não trabalho aqui’. E acabam por emigrar”, avança.
Está muitas vezes enraizado na sociedade o discurso de que os portugueses não querem trabalhar nestas áreas em Portugal, mas quando vão para fora acabam por aceitar esses trabalhos. “Pois sujeitam, porque lhes pagam muito mais”, reflete Carvalho da Silva.
“Se persistirmos nesta matriz de salários baixos, de atividades de pouco valor acrescentado, vamos continuar a exportar jovens qualificados”, acrescenta.
Como ajustar?
Já Pedrosa Gomes pede mudanças. “O que seria interessante é que esses trabalhadores, que são desempregados de longa duração, fossem enquadrados nesse período em que estão com apoio social em programas de formação que lhes complementassem as competências que têm, ou não têm, de forma a adaptá-los às necessidades do mercado”, defende.
“As empresas procuram algumas competências que não existiam no passado nos trabalhadores, devido a evolução das formas de execução modernizar competências”, sustenta.
Manuel Carvalho da Silva aponta para um problema estrutural do país, que cria um desencontro entre a oferta de mão-de-obra e a procura por parte do tecido empresarial. “Quanto mais qualificarmos as pessoas, como a matriz de desenvolvimento do país não tem evoluído, mais desajustamento teremos”, concretiza.
Em termos regionais, segundo os mesmos dados do IEFP, a região de Lisboa e Vale do Tejo é a que mais problemas tem com esta questão ao longo dos três anos em análise. O Centro está em segundo lugar e o Algarve é a região em que menos se identifica esta questão.
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