As gerações mais jovens não estão automaticamente preparadas para responder à procura de habilidades digitais e tecnológicas só porque passam a maior parte do tempo ligadas à internet.
O alerta é feito à Renascença por Thomas Roca, cientista de dados que trabalha para a Microsoft e, em particular, para o LinkedIn, uma rede social de negócios vocacionada para o recrutamento.
Quais são os currículos mais procurados hoje pelas empresas?
Neste momento há uma enorme necessidade de habilidades digitais, portanto há muita procura por funções como arquitetos da cloud, engenheiros de “machine learning” [aprendizagem automatizada], etc. Esses trabalhos são os mais procurados, publicámos há algumas semanas 20 relatórios sobre pedidos urgentes onde mostramos que as tecnologias de informação são a área mais requisitada.
No entanto, as “soft skills” [competências interpessoais] são também muito importantes. No futuro, aprender a aprender será extremamente importante. É bom ter habilidades técnicas, mas sem habilidades pessoais não se vai longe.
É a tecnologia que está mais na moda hoje em dia na hora de escolher formação e procurar emprego?
Os dados do LinkedIn mostram que a ciência de dados e funções relacionadas são realmente muito procuradas. Eu adoro esta profissão, divirto-me todos os dias e incentivo as pessoas a fazerem o mesmo, mas há espaço para outras atividades.
Há muitos jovens online, mas estarem ligados ou usarem a internet não lhes dá as competências digitais necessárias para um emprego. Não é verdade que a nova geração já está tecnologicamente preparada só porque sabe usar a internet. Ainda precisam de formação em programação, desenvolvimento de aplicações, etc.
“Não queremos que as universidades fiquem presas ao mercado, porque estas tendências são muito voláteis”
“Não queremos que as universidades fiquem presas ao mercado, porque estas tendências são muito voláteis”
Ser YouTuber é uma profissão?
Sou um pouco mais velho, para mim não é uma profissão, mas parece que hoje já é visto como uma profissão. Quem sabe qual será a próxima!
Numa entrevista de emprego, está atento à formação académica ou ao que fizeram fora das salas de aula? O que pesa mais?
Depende do momento em que se entra no mercado de trabalho. Quando se entra num nível superior, então o currículo académico é mais importante do que a restante experiência, mas numa posição sénior é um misto entre o nível académico e os conhecimentos obtidos ao longo da carreira.
Estamos a assistir a uma tendência, especialmente na tecnologia e na indústria, em que os conhecimentos adquiridos no trabalho são cada vez mais importantes. Hoje a formação ao longo da vida ganhou um peso tremendo. Encorajamos as pessoas a usarem as plataformas online para aprenderem novas competências.
Às vezes é mais fácil para uma empresa treinar ou dar formação a um funcionário do que procurar um substituto no mercado.
As escolas e universidades estão preparadas para as necessidades futuras das empresas?
É uma pergunta difícil. Ainda estamos a tentar perceber a articulação entre a educação inicial e primária, e educação vocacional e a formação ao longo da vida. O que estamos a perceber é que existem competências muito específicas que não se adquirem na universidade. Segundo a minha pesquisa, as competências fundamentais são muito importantes e devem ser ensinadas na universidade: matemática, algumas línguas estrangeiras, alguma programação. Já áreas específicas são aprendidas nos locais de trabalho, na empresa, onde as ferramentas necessárias estão acessíveis.
No LinkedIn estamos a tentar medir as lacunas do mercado de trabalho, cruzando as necessidades com o perfil dos candidatos, com ajuda da Inteligência Artificial. Podemos sugerir mais currículos com determinadas competências, mas não queremos que as universidades fiquem presas ao mercado, porque estas tendências são muito voláteis. São tendências de curto prazo.
Se os trabalhos repetitivos tendencialmente vão passar a ser feitos por máquinas, o que vai fazer a população com menor capacidade de aprendizagem?
Tomo isso como uma boa notícia, porque o trabalho repetitivo não capacita ninguém. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), 14% do trabalho pode estar em risco com a automação. O que observamos é que, em muitas das regiões, há mais empregos a serem criados do que os que são destruídos.
Eu não tenho nenhuma bola de cristal, mas acho que há uma oportunidade aqui, porque passar 40 anos em trabalhos repetitivos não faz com que as pessoas se esforcem. Mas há muitas áreas em que a automação nunca irá substituir o Homem, como a interação entre pessoas, os cuidados de saúde… são campos em que há muita procura e dificuldade em contratar.
“Hoje há uma enorme procura por competências que podem ser adquiridas por qualquer um”
“Hoje há uma enorme procura por competências que podem ser adquiridas por qualquer um”
Não estou preocupado. Estamos a assistir a um desemprego histórico a nível mundial e a uma enorme procura por competências que podem ser adquiridas por qualquer um.
Aponta vantagens na integração da tecnologia no mercado de trabalho, mas a curto/médio prazo essa adaptação terá custos. Quão suave pode ser essa transição?
A transição será suave se a rutura não for muito súbita. Há muitas pessoas a preverem o juízo final, mas o que eu observo, enquanto cientista de dados que utiliza “machine learning”, é que o sistema de que as pessoas tanto falam ainda não está pronto da forma que está a ser “vendido”. Não será amanhã que as máquinas vão substituir os trabalhos cognitivos; quando vemos a forma como algumas máquinas trabalham, os assistentes de tradução por exemplo, é bastante dececionante. Ainda não estamos lá, por isso acredito que teremos uma transição suficientemente suave.
Serão precisos cinco a 10 anos para criar a prova de conceito e o desenvolvimento no mercado. Entretanto o mercado adapta-se, os mais jovens formam-se e os mais velhos vão para a reforma.
Uma última questão: estamos a criar um Big Brother mundial? Como podemos garantir a nossa privacidade?
Na Microsoft estamos muito atentos a esta discussão. Defendemos, por exemplo, o uso responsável da tecnologia de reconhecimento facial.
Penso que temos uma legislação forte na Europa, protetora da privacidade, que é por princípio proibitiva e, depois, cria exceções. Não é como nos Estados Unidos ou na China, onde por defeito não há regulação. Na Europa temos uma regulação forte, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). Mas temos de ser vigilantes, temos de garantir que não há nenhuma recolha massiva de dados, especialmente quando se trata de dados biométricos e da identidade das pessoas.
Na Europa estas matérias estão salvaguardadas. Estou mais preocupado com outros países, onde o Estado de Direito atualmente não é tão forte.
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