//“Há uma dependência excessiva dos apoios públicos” à indústria, diz SEDES

“Há uma dependência excessiva dos apoios públicos” à indústria, diz SEDES

“Há uma dependência excessiva dos apoios públicos” às empresas, mas isso acontece porque “não há, muitas vezes, alternativas”. Quem o defende é o vice-presidente da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) que participou, esta segunda-feira, num painel sobre o papel das políticas públicas para a indústria e os desafios da industrialização, na conferência “A Reindustrialização de Portugal”, promovida pela Renascença com o apoio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.

Carlos Alves lamenta o facto de, na Europa, o “sistema financeiro ser muito baseado nos bancos” pois, defende, o “mercado de capitais é absolutamente crucial para a reindustrialização”.

Carlos Alves defende, por isso, a criação de mecanismos de financiamento alternativos das empresas para além dos públicos. O vice-presidente da SEDES aponta como exemplo a subversão por parte dos bancos da figura das empresas de responsabilidade limitada (que permite separação da esfera da propriedade do empreendedor e do seu negócio).

Banco de Fomento não está a funcionar “com olhos que se vejam”

“Precisamos na Europa de criar instrumentos que permitam aos empreendedores obterem financiamentos. Também há espaço para os apoios públicos, mas tem de haver um financiamento de mercado”, defende o especialista, criticando o Banco do Fomento, criado para “resolver falhas de mercado” mas que, para quem, “não é patente que esse papel esteja a ser devidamente cumprido”.

Quem também criticou a atuação do Banco de Fomento foi António Miguel Castro, presidente da InovaGaia, para quem este organismo deveria ajudar a melhorar a “falta de maturidade” existente em Portugal sobre “o que é capital de risco”, mas que “não está a funcionar com olhos que se vejam”, levando as empresas a “procurarem investimento noutros sítios”.

Mesmo assim, o responsável gaiense acredita que “estamos muito melhores” a perceber que, apesar da tradução de “venture capitalism” para “capital de risco”, o nome não é para assustar. “Há uma consciencialização, uma capacitação e uma liderança cada vez melhores das nossas empresas para o fazer. Está cada vez melhor”, celebra.

É necessário um “mercado único de energia” na Europa

No campo do que não funciona a favor da reindustrialização, o vice-presidente da SEDES aponta o dedo ao facto de ainda não termos um “mercado único de energia” na Europa. “Causa-me um bocadinho de confusão termos sido capazes de comprar vacinas em conjunto [na pandemia] e continuarmos a não comprar gás ou petróleo em conjunto. Se queremos ter indústria temos de ter energia barata”, declara.

Tal é, sobretudo, necessário num país “com a energia elétrica mais cara da Europa”, fruto de um “défice tarifário” causado pela aposta precoce na energia eólica, “um custo colocado às costas do país”.

Para não cometermos o mesmo erro com o investimento na energia marítima, defende o especialista, é necessário estratégia. “Não faz sentido nenhum estarmos a investir numa capacidade de produção que supera em três vezes as necessidades do país se não tivermos onde armazenar essa energia e como a escoarmos para o resto da Europa”, declara.

Palavra-chave: produtividade

Para além disso, Portugal precisa de “apostar na economia do conhecimento” para fazer frente a um problema que é, para Carlos Alves, uma palavra-chave: a produtividade. “Se queremos viver melhor temos de vender uma hora de trabalho mais cara”, diz, acreditando que, para isso acontecer, temos de apostar nos segmentos onde “possamos criar maior valor acrescentado”, o que “implica apostar em produtos mais complexos para serem vendidos mais caros”.

Opinião similar tem o professor José Reis, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que também participou nesta reflexão. Para o especialista, o problema não é tanto termos uma economia onde predominam os serviços, mas sim a baixa produtividade. “Temos três quartos da nossa população empregada em setores cuja produtividade é inferior à média”, lamenta, pedindo, igualmente, especialização e atenção às “cadeias de valor”. “Por cada euro que exportamos só acrescentamos a esse euro valor em 55 cêntimos. Os outros 45 são resultado de importações prévias”, explica.´

“A ecologia económica só é ecologia se for diversa”

O turismo – vilanizado por alguns – não precisa de o ser, mas “não pode ser, com certeza, a prioridade”, diz José Reis. “Partilho da convicção de que uma economia é forte na medida em que é diversificada. Não se trata de priorizar isto ou aquilo. A ecologia económica só é ecologia se for diversa”, entende.

Também o presidente da InovaGaia acredita que, no futuro, todos os setores vão ser precisos no “canivete suíço” da indústria portuguesa, que deve apostar onde o país “está melhor colocado”, aproveitando as “gerações mais qualificadas que apostam valor”. “O ecossistema não pode estar assente num único ‘cluster'”, admite.

Por isso mesmo, e antes de olharmos para a indústria, admite António Miguel Castro, temos de investir “nas crianças”, porque os estudos provam que “se investirmos um euro” nelas”, “esse euro vai-se traduzir em sete ou oito euros no futuro”. “É preciso olharmos para a indústria, mas também para antes da indústria. Temos muito a ganhar em conjunto”, defende, otimista quando ao “caminho acelerado” que o país está a fazer, mas admitindo que há “potencial para muito mais”.

Precisaremos de mais burocracia?

Pelo caminho, defende por sua vez Carlos Alves, também é preciso que quem contribui para a economia tenha “segurança na relação com o Estado”, num país onde “temos muitos incentivos fiscais e alguns contradizem-se uns aos outros”. Paradoxalmente, podemos precisar de mais burocracia, mas não para travar, mas sim para dar “mais estabilidade e segurança aos agentes económicos”. “Definam-se as regras do jogo, tornem-se as regras claras e deixem os agentes económicos fazerem a sua parte”, pede.

Já para o professor José Reis as questões fiscais não serão o fator mais importante, pelo menos no que diz respeito ao investimento estrangeiro. Mais importante é como isso acontece: por exemplo, agora o investimento é imobiliário, o que não ajuda a resolver a “crise gravíssima da habitação” e nos deve “fazer refletir”.

Reindustrialização como ferramenta para a coesão social e territorial do país

Outro motivo de reflexão, concordam José Reis e Carlos Alves, deve ser a reorganização da economia em paralelo da reorganização do país. Nesse capítulo, o professor de economia pede que se falem “em todas as cidades do país”. “Olhemos para o país no seu conjunto”, pede, por sua vez, Carlos Alves, para quem a reindustrialização deve acontecer de uma forma que possa “aproveitar todo o país”. Até porque, como defende o vice-presidente da SEDES, o crescimento económico “tem de originar inclusão social”.

“Que a reindustrialização seja um motivo e uma oportunidade para colocar vida no interior”, remata Carlos Alves.

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