Em entrevista ao Dinheiro Vivo, o Haitong Bank defende que a economia global vai ter de se ajustar a uma nova realidade, fruto da pandemia de covid-19, e ter capacidade para suportar a fase de crise mas também a de recuperação que será preciso fazer depois – e custará muito. Acredita que a Europa e Portugal encontrarão instrumentos adequados para combater os efeitos das perdas. E assume “o compromisso de longo prazo de se afirmar como um banco de investimento a partir de Portugal”.
Como é que esta crise vai transformar a economia europeia e em particular a portuguesa?
Uma crise como esta jamais foi observada em períodos de pós-guerra. Aliás, o próprio FMI denominou o desafio de responder à pandemia com uma série de ações sob o título: “Economic Policies for the COVID-19 War”. Devemos estar preparados para o facto de não só a Europa e Portugal, mas todo o mundo, enfrentarem um choque económico e social, que terá inevitavelmente como resultado uma dívida avultada.
A economia global terá de se ajustar a uma nova realidade, em que uma parte da riqueza gerada ao longo da última década será gasta no combate à pandemia de Covid-19. Em muitos países essa riqueza não está disponível na forma de poupança (estado e famílias) e grande parte das empresas poderão não ter capacidade de balanço para suportar o período do estado de emergência. Neste sentido, um grande número de países, governos, empresas e famílias terão o desafio de suportar o custo do combate e da recuperação da economia no pós-pandemia.
E Portugal?
A economia europeia – e Portugal não será exceção – deverá passar por um período de reorganização, uma vez que a crise económica que emerge neste momento deverá atingir mais severamente os países com desequilíbrios estruturais. É preciso recordar que nunca tivemos na história da humanidade um período tão prolongado sem grandes guerras ou tragédias que em todos os séculos alastraram no mundo. A maioria das vacinas que são usadas em larga escala, como as do pólio e do sarampo, foram desenvolvidas no pós-2ª guerra, com o mundo ainda em reconstrução. A Humanidade sempre encontrou meios de se reerguer após o pior dos choques de cada geração. Certamente que de novo o saberemos fazer.
Os instrumentos europeus para combater os efeitos da pandemia são suficientes ou devíamos estar a optar por soluções à imagem das dos EUA?
A Europa conta com um sistema de segurança social que abrange a maioria de seus cidadãos, além de estender ajuda a diversos países próximos. No caso norte-americano, o Estado responde por uma parcela muito menor de estruturas de suporte social. Cada país e sua sociedade optaram ao longo dos anos por um estado social maior ou um estado que permite a cada cidadão ou empresa planear sua estrutura de saúde, educação e pensões.
No caso europeu, a “opção de investimento” foi por um modelo mais universal, direcionado para infraestrutura de saúde, educação e reformas (fundos de pensões), razão pela qual acreditamos que o impacto social da pandemia e da crise económica será menos dramático que nos EUA. Essa é a razão pela qual os EUA poderão ter de despender uma ajuda astronómica quando comparada com a Europa, de modo a evitar uma catástrofe humana e económica. Inevitavelmente, ambas as regiões sairão muito afetadas desta crise.
E as medidas que o governo português tem tomado, chegam?
É cedo para responder a essa questão. Os países estão estruturados para responder às necessidades da realidade em que vivem, não para dar resposta a um desafio desta natureza e dimensão, no qual as decisões vão sendo tomadas ao mesmo tempo que se vai conhecendo tudo o que está inerente ao comportamento do vírus e da pandemia. Neste sentido, tanto em Portugal como nos países com uma dimensão e condição semelhante, as medidas tomadas serão sempre insuficientes para atender completamente a uma situação tão inesperada, com magnitude global e consequências ainda incertas. Acreditamos que Portugal, juntamente com seus parceiros europeus, encontrarão forma de conter esta pandemia, reduzir ao máximo os seus impactos e procurar soluções para a retoma.
As linhas de crédito abertas e as moratórias concedidas são soluções que chegam a todas as empresas que possam delas precisar ou deixam uma fatia considerável de fora?
Numa situação extrema, com a economia global no fim de um dos seus ciclos mais longos de crescimento, será muito difícil suportar todas as empresas, tanto em Portugal como em qualquer outro país, por mais desenvolvido que seja. Infelizmente os recursos são muito escassos no caso de países endividados. Tanto na Grande Recessão Global (2008-2009) como na Crise da Dívida Soberana Europeia (2010-2014) as perdas foram inevitáveis, mesmo com diversos mecanismos de ajuda.
Acreditamos que as medidas anunciadas recentemente já refletem a experiência vivida nas crises recentes e já avançaram no sentido de abordarem temas que eram impensáveis naquele período, como sejam as garantias do Estado às empresas em larga escala e o uso do mecanismo de moratória. Como Portugal faz parte integrante da cadeia produtiva europeia, esperamos que as soluções a nível europeu sejam o menos oneroso possível ao Estado Português e à sociedade portuguesa no longo prazo.
A banca podia/devia ir mais longe, mesmo além do que o governo aprovou para salvar a economia – quer agora dos problemas de tesouraria quer mais tarde no relançamento?
A banca tem adotado rapidamente as orientações e medidas de suporte à economia, mas ainda assim deve fazê-lo de forma a não comprometer a solidez alcançada com os sacrifícios das duas grandes e recentes crises. Acreditamos que esta crise terá três fases. A fase atual é a de controlo de danos. Uma vez superado o pior momento deste primeiro choque (pandemia), teremos de seguida uma fase de ajustamento económico, na qual se perspetiva um período de reestruturações de dívidas e balanços. Por fim, haverá uma grande necessidade de financiamento pelos mercados de capitais para a reconstrução económica. Na nossa opinião, a banca terá de manter um mínimo de capacidade de solvência para suportar a economia nestas três fases, sem que seja necessária uma reestruturação do sistema bancário no final deste ciclo.
Como é que a pandemia está a afetar o investimento no país, nomeadamente o investimento estrangeiro?
Há neste momento uma mudança de foco em todas as economias. O investimento nesta primeira fase é na proteção da vida das pessoas e nos mecanismos e estruturas que permitam que as empresas e famílias superem o período de restrições à atividade. As empresas que trabalham nos setores essenciais tiveram de fazer investimento em inventários e infraestrutura para manterem a atividade. Enquanto isso, as famílias investiram em bens essenciais para suportar a fase de distanciamento social.
Todos os países terão de fazer investimentos para tentar recuperar o que for perdido nessa crise e procurar formas de evitar que uma situação como esta se repita. Entretanto, nesta fase, os investidores globais estão possivelmente focados no controlo de danos nas suas carteiras. Naturalmente muitas estratégias de investimento passarão por processos de reorganização durante os próximos anos, com maior incidência nos setores e países que necessitam de mais recursos. Tendencialmente, ainda que de forma limitada, os países que mantiverem a adoção de políticas económicas e financeiras responsáveis durante a crise serão os primeiros a receber de volta os fluxos de investimento estrangeiro, como sempre foi ao longo da história recente.
Os avanços de Portugal no sentido de aprimorar o ambiente de investimentos foram responsáveis pela grande entrada de recursos nos últimos anos. Nesse sentido, será importante assegurar que esse ambiente seja o menos prejudicado no momento da retoma.
Segundo o Banco Mundial, Portugal é o 39º país mais atraente para se fazer negócios entre 190 países (Doing Business 2020), enquanto o World Economic Forum classifica Portugal como o 34º mais competitivo entre 137 países (World Competitiveness Report 2019). A revista Forbes considera Portugal como o 25º melhor país entre 161 para se fazer negócios (Best Countries for Doing Business 2019) e o Global Innovation Index (organizado pelo INSEAD, WIPO e a Univ. Cornell) classifica Portugal como o 32º país mais inovador do mundo entre 129 nações. São dados que revelam uma confiança importante em Portugal e nos seus ativos.
Este poderá ser um bom momento para investir? Em que áreas?
Acreditamos que um bom investimento tem de ser feito com uma avaliação de critérios sustentáveis. É muito difícil fazer recomendações num momento em que os indicadores de sustentabilidade económica e financeira estão sujeitos a fatores tão exógenos como a pandemia. Como em todas as crises, podemos esperar que os setores que suportam a economia mesmo em situação de calamidade e aqueles que geram soluções criativas poderão registar uma performance mais positiva no momento da retoma.
De que forma esta crise afetou o negócio da Haitong?
Ainda é prematuro tentar antecipar os possíveis impactos desta pandemia na operação do Banco já que ainda não se sabe por quanto tempo esta situação se irá manter. O nosso modelo de negócio assenta em três grandes pilares: as transações com clientes chineses, as transações cross-border e o negócio local. O facto de a China estar já na fase final de controlo do vírus poderá significar que mais rapidamente iniciará a tomada de medidas para recuperar a sua economia, o que poderá ajudar à recuperação do Haitong Bank. A nível doméstico, a sólida posição de capital e liquidez do Banco permitir-lhe-á ajudar os clientes nacionais a recuperar desta crise. É neste sentido que o nosso acionista mantém o compromisso de longo prazo de se afirmar como um banco de investimento a partir de Portugal.
Como prevê que 2020 termine, em termos económicos, em Portugal, na Europa e no mundo?
Esperamos que o ano termine com o menor número de perdas humanas possível, com a expectativa de que a ciência consiga iniciar uma fase de tratamento com medicamentos eficazes aos afetados pelo COVID-19 e uma vacina que possa impedir o avanço do vírus em novas ondas. Em termos económicos, temos muitas limitações para fazer prognósticos dada a falta de referências económicas que se assemelham ao contexto tecnológico atual e ao estado de globalização.
Nos estudos relativos à grande recessão de 2008-2009, iniciada pela falência da Lehman Brothers nos EUA, observamos que o setor industrial na Zona Euro levou 7 meses (setembro de 2008 a abril de 2009) até atingir o pior momento com perdas homólogas que chegaram a 20,3%. Portanto, esse exemplo traz consigo a perspetiva de que poderemos ter o pior final do ano em pelo menos 70 anos. Por outro lado, a mesma história recomenda que temos de trabalhar como nas crises anteriores para que os primeiros greenshoots (rebentos) da retoma económica apareçam ainda em 2021.
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