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A febre é, por norma, um episódio passageiro. Pode prolongar-se durante algum tempo, até causar alucinações, mas, salvo exceções, acaba por desaparecer sem deixar rasto. Ora, o que aconteceu com o hidrogénio verde (H2V) em Portugal, nos últimos cinco anos, obedece à mesma lógica.
A impulsionadora foi a Estratégia Comum para o Hidrogénio Limpo da União Europeia. Mas Portugal tem responsabilidades próprias. Houve “otimismo” e foram estabelecidas “metas muito ambiciosas”, diz a ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, à Renascença.
Entre 2020 e 2024, proliferaram projetos de produção de H2V em solo nacional. João Galamba, ex-secretário de Estado da Energia e então ministro do Ambiente, chegou a augurar: “Temos cerca de 70 projetos de hidrogénio verde, que, se forem todos realizados, representarão investimentos de 8 mil milhões de euros.”
No Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), foram alocados 185 milhões de euros – a ser distribuídos pelo Fundo Ambiental – para investimentos em hidrogénio e gases renováveis.
Uma parte significativa desta verba, perto de 20 milhões de euros, pelas contas da Renascença, contudo, não irá ser aplicada no fim que lhe era destinado.
O primeiro concurso de apoio a projetos de H2V (lançado em 2021) tinha para distribuir 102 milhões de euros, mas, após várias alterações (desistências, anulações, reforços e reduções de apoio), 804.370 euros “sobraram”.
“Eventuais novos valores libertados com alterações às operações, ficarão à disposição da tutela e da EMRP [Estrutura de Missão “Recuperar Portugal”] para outros investimentos no âmbito do PRR”, lê-se num comunicado do Fundo Ambiental, publicado a 28 de janeiro deste ano.
O segundo concurso (lançado em 2023), por sua vez, tinha 83 milhões de euros para entregar. Acontece que, dos 22 projetos selecionados, seis (cinco por desistência e um por anulação) caíram, noticiou o “Expresso” em dezembro. Ficaram, assim, a “sobrar” mais de 19 milhões de euros.
À Renascença, a ministra Maria da Graça Carvalho refere que não sabe as razões por detrás das desistências, mas nota que é facto conhecido entre os promotores de projetos de H2V, que há “uma grande dificuldade em obter eletrolisadores [dispositivo que permite produzir hidrogénio via eletrólise da água] no mercado”.
Os projetos de PRR relativos ao H2V têm de estar prontos até “junho, julho de 2026”, caso contrário, “existirão problemas no financiamento”. “Quando foi a reprogramação do PRR, houve uma reunião com todos os promotores e foi chamado à atenção que aqueles que não podiam, que não iam estar prontos, era melhor não continuarem. Também daí houve um repensar de cada um dos projetos”, diz Maria da Graça Carvalho.
A governante assume que foi feita uma “reprogramação em que baixámos um pouco a ambição do hidrogénio”. Parte dos milhões que “sobraram” do H2V reverteram, pois, “para outras áreas”.
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