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A inflação quando nasce é para todos e os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), ontem divulgados, mostram que é mesmo assim. Mas há nuances, claro. Há quem esteja a perder mais com uma inflação elevadíssima (8%, em média, no segundo trimestre de 2022).
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Por exemplo, o poder de compra salarial de grupos profissionais onde se incluem médicos, professores, empregados de escritório e trabalhadores não qualificados (do privado ou do público) sofreu uma autêntica razia no período de abril a junho, mostram cálculos do Dinheiro Vivo (DV) a partir das estatísticas oficiais agora atualizadas.
Outros grupos profissionais parecem estar, até agora, mais resguardados face à escalada dos preços. É o caso dos políticos, dirigentes e gestores de topo (privado e público), do pessoal da construção e da agricultura, indicam as mesmas contas a partir dos números do novo inquérito ao emprego.
Os salários médios líquidos de todas as profissões (classificação do INE) aumentaram no segundo trimestre face a igual período de 2021.
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Mas, como referido, muitos milhares já estão a perder bastante capacidade aquisitiva porque o custo do cabaz de compras (que serve para calcular a inflação no consumidor) subiu muito mais.
Sendo certo que os salários mais elevados sentem menos a corrosão da inflação, pois nestes grupos de maior rendimento estão trabalhadores que dedicam uma menor proporção do ordenado à compra dos bens mais afetados pelo clima inflacionista (combustíveis, energia, alimentação), é na mesma evidente que o embate da inflação chegou com toda a força para milhões de empregados por conta de outrem.
Ficar para trás no desemprego e o advento do teletrabalho
O segundo trimestre surge marcado por vários sinais, uns bons, outros nem tanto. A criação de emprego continua (mais 1,9% face ao ano passado), a taxa de desemprego total caiu para 5,7% da população ativa, a taxa de desemprego jovem afundou de forma evidente para 16,7%.
Mas há quem esteja a ficar claramente para trás. O desemprego de muito longa duração (pessoas que estão ativamente à procura de emprego há mais de dois anos e não têm sucesso nas diligências e a encontrar ofertas) disparou mais de 30%, estando nesta situação 105 mil indivíduos.
Ou seja, mais de um terço da população desempregada (total de quase 300 mil casos) está nessa situação há mais de dois anos.
O teletrabalho também parece ter vindo para ficar. Quase um milhão de pessoas esteve nessa posição no segundo trimestre.
“A proporção da população empregada em teletrabalho, isto é, que trabalhou a partir de casa com recurso a tecnologias de informação e comunicação, foi 19,6% (958,6 mil pessoas), da qual 59,9% pertencia ao grupo profissional dos especialistas das atividades intelectuais e científicas e 75,1% tinha ensino superior”, observa o INE.
O grupo profissional dos “especialistas das atividades intelectuais e científicas”, onde está o pessoal clínico, professores e investigadores, tem salários relativamente mais elevados, pode beneficiar de algumas poupanças que o teletrabalho pode proporcionar, mas, segundo o INE, foi o que mais perdeu poder de compra salarial no segundo trimestre.
O aumento médio do salário líquido desta classe profissional foi de apenas 0,6%, o que face a uma inflação média de 8% desde que começou a guerra (de abril a junho) dá uma razia no poder de compra de 7,4%, a maior de todas as profissões. Aqui o salário médio líquido (já depois de impostos e descontos) ficou-se nos 1067 euros.
O aumento nominal neste grupo de profissionais foi altamente condicionado pela atualização de 0,9% dos salários públicos em sede de Orçamento do Estado para 2022.
Este valor, sabe-se hoje, não tem qualquer aderência à realidade de evolução dos preços trazida pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
O “pessoal administrativo” também sai a perder e bem. A erosão do poder de compra é de quase 5% com a agravante de estamos a falar em salários muito mais baixos. A média estimada pelo INE ronda os 460 euros líquidos mensais por trabalhador dos escritórios e afins.
A inflação também já deve doer bastante no grupo dos “trabalhadores não qualificados”. Com um salário médio de 334 euros, esses profissionais estão a lidar com uma redução de quase 4% no seu poder de compra.
Os menos afetados
Outras classes parecem ter, para já, evitado este tipo de cenários.
Os chamados “representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos”, políticos e chefes de topo do público e do privado terão perdido apenas 0,8% do seu poder de compra no segundo trimestre graças a uma atualização média salarial que ultrapassou os 7,2% neste período.
Na construção, um setor que continua muito vibrante com o arranque de várias obras e projetos financiados por fundos europeus, os seus profissionais ainda surgem como que isolados face ao embate efetivo da inflação.
Houve inclusive um ganho médio de poder de compra (ainda que marginal) de 0,5%. O ordenado líquido desses profissionais avançou 8,5% no segundo trimestre.
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