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A alta inflação está a obrigar as famílias a recorrer à poupança efetuada durante a pandemia para fazer face aos aumentos da despesa que estão a sentir no dia-a-dia com as faturas de energia ou no supermercado. Depois dos máximos alcançados em 2021 (14,3%), no segundo trimestre deste ano, a taxa de poupança dos portugueses caiu para mínimos de 2017 (5,90%). Uma tendência que deverá manter-se nos próximos tempos, de acordo com os especialistas ouvidos pelo Dinheiro Vivo, que aconselham a diversificar os investimentos para mitigar a perda de poder de compra.
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O aumento do custo de vida e das prestações de crédito, devido à subida das taxas de juro, “estão a conduzir a uma inversão da tendência” de poupança, explicou a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco. Natália Nunes explicou que “as famílias estão agora a aumentar a despesa, facto que tem contribuído para uma redução da taxa de poupança”. Mais: “Estão mesmo a utilizar alguma da poupança efetuada durante a pandemia para fazer face aos aumentos da despesa”, lamentou.
Por sua vez, Sérgio Ruivinho, administrador da SGF-Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, comentou que a redução da poupança no período pós-pandemia já era “expectável”, tendo em conta que parte se deveu “a um mero adiar de consumos”. Não obstante, aponta que “o impacto do agravamento do custo de vida inevitavelmente obriga muitas famílias a poupar menos ou a recorrer às suas poupanças para manter o estilo de vida”.
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Uma opinião semelhante à de Filipe Garcia. O presidente e economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, lembra que, em primeiro lugar, houve uma normalização da situação: “Desapareceram alguns apoios, as famílias voltaram a poder consumir e até aproveitaram o “excesso” de poupança para aumentar a sua propensão a consumir. Portanto, a primeira fase da queda da taxa de poupança fez todo o sentido”. Já sobre a mais recente e contínua descida, aponta que está relacionada com a subida da inflação, que em outubro atingiu o máximo histórico de 10,2%, como divulgou o Instituto Nacional de Estatística na última sexta-feira.
O que fazer às poupanças?
Para quem consiga preservar alguma capacidade de poupança, a grande questão é como tentar rentabilizar esse dinheiro. Os depósitos continuam a ser a aplicação principal das poupanças dos portugueses, embora os Certificados de Aforro estejam a ter um aumento de subscrição à boleia da subida das taxas Euribor. Como Filipe Garcia sublinhou, “são o melhor produto de aplicação “sem risco” nesta fase”. O que explica a subida em 700 milhões de euros de novas subscrições no mês de setembro, indica o IGCP, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.
Já os depósitos bancários, pelo contrário, estão a começar a mostrar algum abrandamento desde julho, de acordo com o Banco de Portugal. Em setembro, totalizavam 181 mil milhões de euros, uma ligeira queda face ao mês anterior – que coincide com a época de férias onde por norma há maiores gastos – mas, mesmo assim, 7% superior face ao período homólogo de há um ano.
“Grande parte do dinheiro [das famílias] está depositado em contas à ordem, isto porque a remuneração dos depósitos a prazo é praticamente idêntica à taxa das contas à ordem”, reforçou Natália Nunes. Porquê?
Os investidores portugueses continuam a ser, por regra, demasiado conservadores, privilegiando ativos com capital (nominal) garantido, contextualiza o administrador da SGF. “Este tipo de aplicações está especialmente exposta e é negativamente sensível a um ambiente de elevadas taxas de inflação”, refere Sérgio Ruivinho.
Mas com a taxa de inflação a tornar muito difícil ter ganhos reais com aplicações financeiras, que instrumentos e estratégias as famílias podem utilizar para mitigar a perda do poder de compra? “É fundamental procurar aplicações com rendimento acima da taxa de inflação. Só dessa forma a família garante, no longo prazo, uma valorização das suas aplicações”, refere a responsável da Associação de Defesa do Consumidor.
Porém, deixa o alerta: “Antes de subscrever qualquer produto financeiro, deve fazer-se uma prospeção de mercado, verificando as várias ofertas das diversas instituições financeiras. Analisar as características das aplicações e solicitar toda a informação sobre as mesmas é fundamental.”
Diversificar as aplicações
Sérgio Ruivinho recomenda optar por estratégias diversificadas, suportadas em ativos que, no passado, “se revelaram resilientes e que até beneficiaram desses períodos de inflação elevada (como as décadas de 70 e 80 do século passado)”. E detalha: “Falamos, por exemplo, de mercadorias, metais preciosos, obrigações indexadas à inflação e ações de empresas que, fruto da sua posição no mercado, têm forte capacidade de passar o agravamento de custos para os seus clientes/consumidores (empresas com pricing power)”.
Já o economista da IMF considera que “cada caso é um caso”. Mas, na sua visão, “as alternativas mais eficientes têm sido a aplicação da poupança na amortização de dívida, aquisição de bens duradouros necessários que tendam a encarecer e investimentos que não em mercados financeiros, ainda que estes devam ser equacionados dadas as correções pronunciadas entretanto observadas”, concluiu.
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