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Antigo banqueiro, professor, atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos, é economista, doutorado em estudos estratégicos pela Universidade de Lisboa e autor de vários livros sobre economia portuguesa e europeia, às quais faz uma análise.
É autor do novo livro Strategic Autonomy and Economy Power, que examina os efeitos do poder económico na autonomia estratégica dos Estados. Depois dessa análise, que nota dá Portugal?
Uma nota média. Portugal é uma economia avançada e está inserida no quadro europeu e isso à partida dá-lhe imensas vantagens, o facto de ser parte da UE. Mas É um país de média dimensão e tem limitações naturais decorrentes da dimensão, tem vindo a perder importância relativa e não me refiro apenas às comparações que habitualmente são feitas dentro do PIB per capita na UE. A comparação que faço é com países de dimensão semelhante, dentro e fora da UE, e a constatação é que ao longo dos últimos 20 ou 30 anos Portugal desceu posições relativas nesse conjunto de indicadores. Por um lado, tem a ver com a dimensão da economia, que há uma parte que é natural, que é a população, mas depois há outra que decorre das capacidades que o próprio país tem para se descolar dessa limitação, que decorre da capacidade de investimento e tudo mais, que se reflete, em última instância, no PIB per capita, na autonomia financeira, que são instrumentos da autonomia estratégica. E, depois, isso dá a capacidade de influenciar as relações com os demais países.
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Na pandemia ouvimos líderes europeus falar na necessidade de a Europa aumentar essa autonomia estratégica. Nada foi feito, estamos a fazer, estamos atrasados?
Há um capítulo que é dedicado à definição do conceito da autonomia estratégica, porque nunca foi muito claro o que é o entendimento da autonomia estratégica dentro da linguagem europeia. Uma das coisas que era importante perceber é o que se entende por autonomia estratégica e daquilo que estudei, a autonomia estratégica depende muito daquilo que se consegue fazer com os meios que se tem. Se quiser, numa linguagem um bocadinho mais sofisticada, o conjunto de objetivos realizáveis com os instrumentos de que se dispõe, o que significa que os instrumentos de que se dispõe são a variável fundamental para definir a autonomia estratégica, ou os que se dispõe ou os que se podem mobilizar, e aí a Europa tem vindo a ter limitações de várias naturezas. A Europa é um país rico, mas depois, como se viu, ainda agora com as questões de segurança e questões militares que estão novamente em cima da mesa, a principal defesa da Europa são os EUA e, portanto, essa é a grande vulnerabilidade estratégica que a Europa tem. O que depois também decorre do facto de a Europa não ser um ator estratégico propriamente dito. A Europa é um conjunto de atores estratégicos, articulados, mas cada Estado que compõe a União Europeia é um ator estratégico em si mesmo.
Mas com a pandemia e a guerra não aprendemos a lição, é isso?
É o que estou a dizer, o esforço de conjugação e de articulação tem vindo a melhorar significativamente e hoje há muito mais articulação dentro das instâncias da UE, e que se viram na pandemia, viram-se no PRR. Portanto, pela primeira vez houve um plano financeiro global para a UE e vê-se agora na articulação que é feita dentro das questões mais militares, no apoio que tem sido feito à Ucrânia, onde de facto há um envolvimento muito mais integrado e, portanto, desse ponto de vista, embora os atores continuem a ter uma base individual muito grande, há uma articulação dos processos de decisão e, em última instância, há uma atuação estratégica muito maior.
A mudança de paradigma de defesa da Alemanha é, na sua opinião, importante para a estratégia europeia de segurança económica anunciada esta semana, esta terça-feira pela União Europeia?
Sim, em qualquer das formas, obviamente hoje vivemos dentro do quadro do conflito na Ucrânia e obviamente pela sua proximidade marca-nos muito, mas convém termos presente que apesar de tudo a conflitualidade militar é hoje muito menor do que foi até meados do século passado. E o próprio impacto humano da conflitualidade militar é hoje menor. Provavelmente estamos a ter um reacendimento do potencial de conflitualidade militar que poderá perdurar. Neste momento há uma tensão grande, não apenas no conflito associado à Ucrânia, mas também relativamente à China, quer pela emergência da China como uma potência militar, e aqui aproveito para sublinhar que a emergência da China como potência militar é alicerçada no poder económico que acumulou e, portanto, a fonte de poder da China foi económico e, no caso paradigmático, de ter passado de um país em estado de subdesenvolvimento para o principal desafiador da principal potência mundial no espaço de uma ou duas gerações, o que é um facto inédito. Portanto, hoje é a segunda economia mundial e a diferença fundamental que a separa dos Estados Unidos, isto é, que dá supremacia aos Estados Unidos, é a eficiência económica. Ou seja, os Estados Unidos têm uma população que é, grosso modo, um quarto ou um quinto da população chinesa, o que significa, sendo a dimensão económica mais ou menos paralela, significa que a eficiência económica dos Estados Unidos é quatro a cinco vezes maior que a eficiência económica da China. Se a China conseguir reduzir este gap, ganha um poder absoluto em termos económicos, portanto, tornar-se-á a principal economia e, tornando-se a principal economia, se quiser ser uma potência militar, tem à partida uma base de saque de direitos de investimento que lhe permitem colmatar também o gap que ainda hoje tem, desfavorável, em termos de capacidade militar, mas que tem vindo também a encurtar. Portanto, isto para dizer, que era o ponto do livro, que o poder económico é, de facto, um poder determinante para a autonomia dos Estados e recordo, aliás faço essa menção no livro, que a guerra fria não foi ganha no campo militar. Aliás, no campo militar, os recursos eram mais ou menos empatados, aliás, até havia superioridade da União Soviética, pelo menos em termos de ogivas nucleares, que é isso que dá hoje também esse poder à Rússia. A União Soviética tinha mais ogivas nucleares, portanto, a parte militar era mais ou menos equilibrada. Aquilo que fez soçobrar o lado soviético e o império foi a incapacidade económica de competir, portanto, a economia sucumbiu, e a economia tornou-se incapaz de sustentar o poder militar necessário para ser equiparado à parte ocidental, nomeadamente, na altura, a NATO, que era o seu principal opositor. Portanto, havia o poder económico dos países da NATO e o esforço que a economia soviética teve de fazer levou-a a um colapso económico e, a partir daí, perdeu toda a força que tinha e perdeu a guerra fria. Mas foi uma guerra fria, não foi uma guerra quente.
No livro dá os exemplos distintos da Alemanha e da China. Que caminho deve seguir Portugal?
Portugal está claramente num outro campeonato, portanto, uma coisa que eu refiro é que há determinadas ambições que são acessíveis aos países com dimensão para ser grandes potências e, obviamente, quer a Europa e quer a Alemanha, quer a China têm a dimensão de ser grandes potências, Portugal é uma média potência e, desse ponto de vista, Portugal inseriu o seu desenvolvimento estratégico dentro de um conjunto de alianças, que é a NATO e a UE, que lhe permitem alavancar – que é um termo que eu sei que muita gente não gosta, mas, apesar de tudo, é um termo que dá para perceber -, permite alavancar as suas próprias capacidades e, desse ponto de vista, é o adequado. O problema que Portugal tem é que não tem uma estratégia, portanto, é aquilo que costumo dizer, é um navegador de circunstâncias, enfim, com mais ou menos habilidade, mas navega as circunstâncias, não tem propriamente uma estratégia nacional. Para ter uma estratégia nacional não é apenas ter objetivos, porque essa é a parte fácil do enunciado, para ter uma estratégia é preciso ter objetivos realizáveis e edificar os instrumentos necessários para concretizar esses objetivos e, para isso, é necessário ter uma capacidade de governance e nós não temos uma governance estratégica.
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Vítor Bento entrevistado por DN e TSF
© Leonardo Negrão / Global Imagens
E porque é que não tem essa estratégia nacional?
A parte do Estado que em tempos tinha uma componente de planeamento e de pensar estrategicamente tem vindo a ser desmantelada e, portanto, hoje vive-se tudo em função do curto prazo, praticamente todas as grandes decisões, todas as grandes opções são feitas em função do curto prazo. E, portanto, é o tal navegar de circunstâncias, portanto, há uma altura que se vai mais para um lado, há uma altura que vai-se mais para o outro, em função das circunstâncias e o curto prazo acaba por ser muito condicionado pelas circunstâncias políticas e pelas circunstâncias políticas até mais domésticas do que internacionais. Vamos navegando as circunstâncias que vão surgindo desses desafios.
Mas tem sido desmantelada porquê, na sua opinião?
Por opções. Por um lado, obviamente, o Estado tem vindo a crescer em muitos outros campos e, obviamente, isso cria um problema quer de pressão de despesa, quer de pressão de recursos humanos e isso levou a cortar naquilo que os decisores políticos que foram comandantes das opções consideraram que era menos importante. Por outro lado, em termos de próprio modelo socioeconómico, de se ter entendido que o Estado se devia concentrar em determinadas funções e outras poderiam ser mais bem desempenhadas pelo setor privado. Admito que seja isso, mas o Estado tem de ter sempre uma capacidade importante de liderar a nação, sei que isto também são termos que atualmente estão um pouco em desuso, de liderar os interesses da nação se quiser e, portanto, tem de ter capacidades de planear, de antecipar e isso, de facto, tem vindo a ser perdido.
Como é que perspetiva a futura relação China-EUA e como poderá afetar a análise de risco?
A China teve um salto muito grande e, obviamente, a partir do momento em que atingiu uma determinada dimensão, isso também alterou as suas ambições ou, pelo menos, a assertividade das suas ambições. Se calhar as ambições sempre as teve, só que, seguindo a estratégia recomendada por Deng Xiaoping, quando se tem pouco poder deve-se manter com o perfil baixo para não dar nas vistas e para se poder acumular o poder sem que haja reações prematuras das outras partes. E, portanto, a China acumulou essa capacidade e hoje tornou-se um challenger e, obviamente, isso criou um problema para as potências que foram até aqui dominantes. Mas, muito daquilo que definimos como guerra comercial com a China não é mais nem menos do que a tentativa de limitação da parte dominante, de tentar limitar a capacidade de emulação do challenger, do desafiador mais bem posicionado e, portanto, não ter de dividir poder de gestão internacional com essa potência. Por outro lado, a China vai querer afirmar-se e a Ásia tem sido a parte geográfica com maior desenvolvimento, maior crescimento económico, maior desenvolvimento e, portanto, é mais a zona do futuro e temos visto também o desvio das preocupações estratégicas dos Estados Unidos do Atlântico para o Pacífico. Agora há uma inflamação mais forte no espaço do Atlântico, mas não tenho dúvidas de que para os Estados Unidos aquilo que é o challenger verdadeiro é, de facto, a Ásia, está na zona do Pacífico e é aí que tem de concentrar os seus esforços. Obviamente, não quer deixar que uma outra potência, embora de menor dimensão, embora militarmente seja muito poderosa, mas no resto ser de pequena dimensão, não nos esqueçamos, a Rússia é uma economia ao nível entre a Espanha e a Itália. Aliás, a Rússia não tem sequer capacidades para ter muitas das ambições que lhe atribuem, tirando as armas nucleares. Na Rússia a parte industrial é basicamente militar, fora disso, tem um poder económico muito limitado e as armas nucleares não servem para conquistar, servem para destruir, servem para defender, mas ninguém conquista através de armas nucleares. Mas isto para dizer que, de facto, o challenger é a China e os EUA têm essa ideia muito clara e é aí que se estão a posicionar. Do ponto de vista de riscos, estamos a assistir em função disso a uma redução do nível de globalização que existiu em determinada altura e que permitiu que o mundo se desenvolvesse para níveis sem paralelo, portanto, quer desde a redução da pobreza, ao aumento do nível de vida generalizado.
Como é que se reduz a dependência sucessiva face à China, sem alienar completamente este gigante com que a Europa tem uma relação que é demasiado importante?
Pois, é por isso que a Europa está a tentar gerir esse realinhamento com cuidados, porque percebe que, sobretudo tendo sido uma potência civil, que é o caso da Alemanha, que se empenhou sobretudo no desenvolvimento económico, o seu desenvolvimento económico depende muito da integração nas grandes cadeias económicas internacionais, portanto, da globalização, e tem a consciência que grande parte do seu poder resultou dessa integração e, portanto, não pode fazer essa descolagem rapidamente e desejavelmente não o faria.
Vamos falar de inflação e juros. Muitos portugueses têm dificuldades em cumprir com a prestação do crédito à habitação. Pode a banca ajudar as famílias em dificuldade?
A banca tem estado a ajudar as famílias em dificuldade e isso é uma coisa que é importante ter presente, portanto, dentro dos programas que têm vindo a ser postos em prática, quer o PARI, quer o PERSI, quer agora, esta é uma ajuda do Estado que vou mencionar, que é a bonificação de juros, é uma ajuda do Estado, mas quem a põe em prática é a banca. Mas mesmo aquilo que são instrumentos específicos da banca, da renegociação com os clientes mais vulneráveis, isso tem vindo a ser feito e os bancos têm relatado. Estão a renegociar com os seus clientes, já apresentaram estatísticas de quantos contratos renegociaram. E aquilo também que tenho ouvido dizer é que há hoje muito menos situações, por exemplo, de devolução de casas do que havia antes desta situação presente, portanto, o que dá também um sinal de tranquilidade e de que o sistema tem mecanismos de ajustamento próprios. E, por outro lado, tenho dito isto muitas vezes e vou reiterar, é do interesse dos bancos que as pessoas tenham possibilidades de pagar os seus empréstimos. Os bancos não querem ficar com casas, não faz parte do seu negócio ficarem com casas, portanto, querem que as famílias e as empresas tenham capacidade de pagar os seus empréstimos, ajudando sempre que tenham de atravessar períodos transitórios, obviamente, se os clientes passarem para situações de incapacidade permanente, isso tem de se passar para um outro canal, mas têm interesse em facilitar e têm interesse em que os clientes continuem clientes.
E acha que vão facilitar mais? Ou seja, os bancos podem ajudar mais as famílias com dificuldades a pagar as prestações das casas?
Isso é uma pergunta que tem de ser feita a cada um dos bancos. Aquilo que lhe posso dizer é que é do interesse geral dos bancos fazerem isso. Como, aliás, mostraram há muito pouco tempo, quando foi a pandemia, onde a participação dos bancos foi um amortecedor fundamental dos impactos sociais, quer para as empresas, quer para as famílias, da crise económica que a pandemia trouxe e que, na altura, ninguém sabia onde é que ia acabar. Sabia-se o que estava a durar, hoje parece que aquilo foi fácil, mas convém lembrar que, nessa altura, vivíamos um nevoeiro intenso sobre o que ia ser o futuro. Portanto, é do interesse dos bancos, de facto, facilitarem a vida aos seus clientes e estão a fazê-lo e, tanto quanto me é dado saber, não há situações críticas.
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