Começou com elogios de todas as partes. Na última sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), os deputados quiseram reconhecer o trabalho “bom, factual e justo”, nas palavras de Mariana Mortágua, do deputado do CDS João Almeida, que redigiu a versão preliminar do relatório que conta a história de meses de audições no Parlamento.
Apesar do consenso em torno da maior parte do conteúdo do documento, que foi aprovado por unanimidade, os partidos reuniram-se esta quarta-feira para debater e votar as alterações propostas por cada um. O resultado foi um relatório “ainda mais abrangente do que a sua versão inicial”, sublinhou João Almeida.
Pelo caminho ficou a proposta do PSD que pretendia incluir no documento a expressão “gestão danosa”, para definir o que se passou na Caixa entre os anos 2000 e 2015. Este foi, aliás, um dos momentos mais “quentes” da tarde, marcado por uma troca de galhardetes mais acesa entre Duarte Pacheco, que defendia a proposta, Mariana Mortágua e Fernando Rocha Andrade, que rejeitaram a intenção do PSD. A proposta acabou por não integrar o documento final.
“Insinuações” sobre Berardo
Outro dos protagonistas da sessão foi Joe Berardo. Os deputados aprovaram uma proposta, também do PSD, para incluir no documento a existência de uma “coincidência temporal” entre os empréstimos da Caixa a Berardo e o acordo que o empresário assinou com o Governo para que as obras da sua coleção fossem expostas no CCB.
O PS não concordou com a formulação sugerida pelo PSD, com o deputado João Paulo Correia a considerar que a proposta não estava assente em factos mas em “insinuações”.
O nome de Joe Berardo voltaria à baila quando os deputados debateram outra proposta do PSD, alternativa à do relator. O relatório de João Almeida conclui que “ficou esclarecido” que foi Berardo a procurar a CGD para lhe conceder crédito, e não o contrário, como tinha afirmado o empresário na sua audição no parlamento.
Para o PSD, “não ficou provado” no parlamento que Berardo mentiu, e “não ficou claro que não tenham havido conversas exploratórias” com a CGD antes de o pedido de crédito para a compra de ações do BCP ter sido formalizado.
A proposta acabou chumbada pelos restantes grupos parlamentares, por considerarem a versão do PSD como “especulativa”.
Perdas na CGD coincidiram com a crise
Os dois maiores partidos voltaram a entrar em colisão quando foi votada a proposta do PS que pretendia incluiu no relatório final uma referência à crise financeira.
Na versão preliminar do relatório, uma das conclusões sublinhava que “a maioria das perdas” da CGD “teve origem nos anos do mandato da administração liderada por Carlos Santos Ferreira”, entre 2005 e 2007. O PS quis acrescentar que “esse mandato coincide com a eclosão da crise financeira iniciada em 2007”.
A proposta foi aprovada com o voto contra dos deputados do PSD. Para Duarte Pacheco, a adenda “dá ideia de que o que aconteceu na CGD deveu-se à crise e que a gestão foi perfeita”.
“Não podemos branquear o que aconteceu na Caixa com a crise internacional. Querer desculpar o que aconteceu com a crise é inaceitável”, acrescentou o deputado.
Caiu, no entanto, a segunda parte da mesma proposta do PS, que queria incluir na mesma conclusão os nomes de Celeste Cardona, Norberto Rosa e Vítor Fernandes, administradores da CGD na mesma altura de Santos Ferreira. A proposta do relator inclui apenas os nomes de Maldonado Gonelha, Armando Vara e Francisco Bandeira como tendo tido intervenção nos créditos “mais problemáticos”.
Durante a discussão, os deputados foram cedendo e aceitado mudanças à formulação das respetivas propostas. Assim, o PCP viu aprovada uma proposta segundo a qual o “afastamento do banco público da sua missão” é da responsabilidade “dos Conselhos de Administração da CGD e também dos sucessivos governos”.
Mortágua pede desculpa
Outra proposta do PSD gerou muitas críticas por parte dos restantes grupos parlamentares, mas acabou aprovada, com Mariana Mortágua a pedir desculpa ao relator João Almeida.
A proposta assume que ficou provado existir um grupo de pessoas que tem tratamento privilegiado na economia portuguesa, e que existe uma “porta giratória” em cargos de poder.
O PS rejeitou a proposta, com Rocha Andrade a classificá-la como algo “perecido com coisas que vemos no Facebook ou em caixas de comentários dos jornais”.
Mariana Mortágua votou a favor, apesar de assumir que a formulação não é “factual nem concreta”. “Voto a favor porque acho que há um problema muito grande de porta giratória na economia portuguesa. Peço desculpa se esta proposta vier a ser integrada no relatório”. E foi. O PCP admitiu que a proposta “podia estar escrita de outra forma” mas também aprovou.
Também com alterações na formulação, o PCP viu aprovada uma proposta relativa ao “assalto ao BCP”, nomeadamente de como a guerra de acionistas no BCP foi “um exemplo de como a CGD foi afastada dos critérios de gestão baseados no interesse público”.
Incluindo a parte informal da reunião, que durante alguns minutos foi transmitida por engano no canal online da Assembleia da República, a discussão sobre o relatório final da Comissão de Inquérito à gestão da CGD durou mais de sete horas. Na sexta-feira o relatório será debatido e votado em plenário.
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