Para Maria Lopes, a história repete-se – pela terceira vez. Em 2015, começou a trabalhar na Dielmar, empresa de confeção sediada em Alcains, Castelo Branco, depois de ter passado por duas empresas de confeção, também da região, que entraram em insolvência. Apesar de o trabalho na secção de mangas de casacos ser pesado, passar o dia em pé, julgou que tinha sorte em conseguir um novo trabalho, devido à sua idade: 56 anos. Os 50 “são uma faixa etária crítica, para depois tornar a voltar a trabalhar, arranjar emprego”, diz.
No passado dia 30 de julho, uma sexta-feira, Maria Lopes, hoje com 62 anos, recebeu a notícia que estava, mais uma vez, prestes a ficar sem emprego. “Uma colega minha ligou-me a perguntar se já sabia da notícia. Eu ainda não sabia de nada. Tinham-lhe passado a palavra que possivelmente a Dielmar ia entrar em insolvência”, conta.
A notícia era verdadeira. E se caiu como uma bomba na região de Castelo Branco, ao nível nacional foi lida como uma das primeiras baixas da hecatombe de falências que se temem, devido ao impacto da pandemia. Ao fim de 56 anos de atividade, a Dielmar – uma das maiores entidades empregadoras da região centro – entrou em insolvência, deixando mais de 300 trabalhadores à beira do desemprego.
“Esta crise atacou, globalmente, o que de melhor sustentava a sua atividade: o convívio social, os eventos e casamentos, com a elegância, o glamour da alfaiataria por medida e a personalização em que nos especializamos, e o trabalho profissional no escritório, que eram a base fundamental do negócio da Dielmar”, justificou a administração liderada por Ana Paula Rafael, CEO desde 2008, em comunicado.
Durante o último ano e meio, Maria Lopes passou um longo período em regime de layoff; em 2020, esteve cerca de seis meses em casa. “Já havia rumores que, como não havia encomendas, já não estava assim tão bem, mas esperar que aquilo fechasse, não”, diz.
Precisamente por causa do apoio à manutenção do emprego criado pelo Estado, para suprir o impacto da pandemia, Maria da Luz Esteves, 52 anos, também não pensava que a insolvência da Dielmar chegasse tão cedo. Melhor: pensava que ia chegar mais para a altura do Natal. “Sempre esperamos que ela [a administradora Ana Paula Rafael] aceitasse os apoios e no Natal acontecesse isso”, diz a dirigente da comissão sindical da empresa.
Os prenúncios de uma tragédia laboral estavam à vista. “A pandemia foi uma desculpa, mas não foi a pandemia que agravou a situação da Dielmar, porque isto já se arrasta desde 2015, 2014”, lembra. (Na realidade, a empresa já registava prejuízos, segundo contas do Ministério da Economia, há mais de uma década.)
Maria da Luz Esteves, que trabalha na Dielmar há 33 anos, recorda com saudosismo a administração anterior à de Ana Paula Rafael, um tempo em que os lucros da empresa eram distribuídos pelos trabalhadores. “Agora, foram-nos despindo, só não nos tiraram a roupa do corpo porque não puderam. Há uns anos, tiveram uma reunião connosco, a dizer que iam suspender o prémio de produção. O suspender foi tirar. Até à data nunca mais houve”, acusa.
Após a chegada da pandemia, a administração retirou também o prémio de assiduidade. E começou a falhar no pagamento nos serviços de saúde obrigatórios para os trabalhadores. “Tiraram-nos a [seguro de saúde] Multicare. Houve pessoas que foram a consultas com o cartão da Multicare, o cartão não dava. Não avisaram as pessoas. As pessoas iam de surpresa ao médico, fazer o pagamento através do cartão e o cartão não dava. Nós questionamos a empresa, e eles responderam com desculpas, com atrasos”, denuncia Maria da Luz.
A administração da Dielmar deixou ainda expirar o contrato com as clínicas Interprev, que assegurava os serviços de medicina no trabalho aos 300 funcionários. A sindicalista não fez queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) porque já eram “tantas multas que a empresa tinha de pagar, porque ainda era mais uma”, explica Maria da Luz.
A afeição que tem para com a empresa, ainda assim, não apaga a mágoa do momento presente. “Eles foram-nos tirando tudo, não foram sinceros connosco, não nos deram a cara. É beijinhos e abraços, é tudo muito bonito. Antes da pandemia, aquilo era tipo Marcelo: era selfies e beijinhos. E que eramos uma família, e que eramos umas mãos de fada. E agora eu pergunto: onde é que está a família?”, atira.
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