Neste momento, consegue já apontar algumas prioridades?
Só tenho que mapear. Por exemplo, estou muito envolvida numa questão que é semelhante na Europa, mas eu tenho de mapear as necessidades nacionais, americanas, com o mesmo conceito. O que pode mudar é a área. Por exemplo, se na Europa é mais a questão da energia, a questão do ambiente, aqui [EUA] talvez não seja. Aqui provavelmente, até podem ser outras. Até pode ser a área bancária, provavelmente.
Como bom país liberal.
Exatamente. Temos de ver quais são as áreas de grande impacto, em que valha a pena investir e recomendar ao congresso. Isto são recomendações para haver realmente programas de financiamento, para disponibilizar dados e para que as empresas trabalhem em cima deles, estruturem, criem aplicações. Vai ser muito interessante, mas é uma grande responsabilidade. Há muito para fazer aqui.
Historicamente, os presidentes norte-americanos têm o hábito de chamar os melhores especialistas dos seus campos, sempre que precisam de aconselhamento, independentemente do setor em trabalham – um pouco como vemos no cinema, na verdade. Se o Governo português também começasse a investir e preocupar-se seriamente com a IA, imagina que também teria sido chamada?
Espero que sim. Já estou a dar as minhas recomendações antes sequer de o Governo português ter criado uma iniciativa. O Governo português ainda está na questão da digitalização, ainda não está na IA. Está uns passos atrás. Tudo bem, é preciso fazer o caminho.
Mas é verdade que já fui consultada pelo Presidente da República, por exemplo, para dar ‘input’ sobre o PRR. E isso não foi na parte da IA necessariamente, mas foi na parte de investimento nacional. Acho que já estamos a ir no bom caminho.
Portugal pode realmente montar uma área e fazer um ‘spearheading’, criar uma iniciativa de IA à escala europeia e estar na vanguarda. Acho que tem todas as condições para o fazer. Nós temos empresas cada vez com mais nome ao nível mundial e unicórnios que poderão não ser de IA, mas são ‘powered by’ IA. Não há nenhum setor na próxima década que não vá estar ‘powered’ por IA.
Gostava de saber uma das recomendações que deu ao Presidente da República.
Em vez de pulverizar os investimentos como tradicionalmente a Europa faz – não é só Portugal – por 200 iniciativas, temos de escolher umas dez e realmente apostar bem, apostar mais forte e em muito menos iniciativas. É verdade que com este sistema há microempresas não vão sobreviver, vão perder o seu balão de oxigénio, mas não sobreviveriam em qualquer mercado.
Falemos um pouco sobre a sua empresa. Quando é que a DefinedCrowd vai à bolsa?
Ainda não. Neste momento, estou muito ocupada. Lá chegaremos.
Ainda é vantajoso para a DefinedCrowd ter uma parte significativa da sua equipa em Portugal? Ou é uma questão afetiva?
É claro que é uma questão afetiva. Foi uma questão inicial. Foi sempre. O meu coração está em Portugal, é difícil não ter uma base em Portugal. Mas também quero muito que Portugal atraia talento estrangeiro. Aliás, nós temos 36 nacionalidades na empresa. Portugal é um ótimo polo de atração também pela qualidade de vida, pela segurança.
Portugal faz um bom trabalho de vistos tecnológicos, para atrair pessoas de fora com uma isençãozinha… não é uma isenção fiscal, é um abate fiscal, um abate fiscal mais atrativo. Ainda há vantagens económicas em ter empregados em Portugal, mas depois existe outra desvantagem: ser muito difícil contratar. Em empresas tecnológicas como a nossa, é muito normal haver rotação de talento. Por variadíssimas razões.
A DefinedCrowd recolhe, estrutura e enriquece bases de dados para inteligência artificial e serve alguns dos gigantes tecnológicos – Microsoft, Google, Amazon, Sony, IBM, Mastercard. Com tantos casos de violações de privacidade noticiados nos últimos anos, não têm receio que os produtos e serviços que a DefinedCrowd oferece possam ser utilizados para fins menos lícitos?
Morro de medo disso. Todos os dias. [Risos.] Sobretudo porque eu não sou uma ‘hacker’, não sei bem o que é que pode acontecer. Eu confio na nossa equipa. Acho que estamos bem entregues. Por acaso, não sei muito bem como é que estamos a trabalhar na parte da segurança – mas usamos serviços bem credibilizados de segurança. Temos que comprar serviços para nos manter protegidos.
Temos um diretor de segurança com um ‘track record’ muito bom e estamos em boas mãos. Mesmo assim, morro de medo todos os dias.
Consegue imaginar como iria reagir com um caso negativo?
Eu já vivi isso, na minha carreira, para começar. É a coisa mais assustadora do mundo. Noutra empresa vivi isso, não foi um ataque cibernético, mas foi um leak (fuga) – porque os dados tiveram que ser tratados em ‘crowdsourcing’, que é também um pouco o que nós fazemos. O me aconteceu no passado não nos acontece na DefinedCrowd, porque temos toda uma maneira de anonimizar os dados antes de irem para a ‘cloud’. E se forem ‘client data’ nem sequer vão para a ‘cloud’.
É absolutamente horrível ter que explicar ao cliente como é que de repente está nos media um ‘leak’ dos dados deles. No caso, não se conseguia perceber a fonte. Então, houve confusão se eram dados da Apple ou dados da Google – era para a Samsung que estávamos a trabalhar –, mas seja como for, os media não perceberam, porque imediatamente foram atacar o gigante maior na corrida.
Estamos a pagar certamente a muitos serviços de cibersegurança, é uma coisa que não está nas minhas mãos. Se acontecesse, meu Deus, era uma situação muito difícil de recuperar. Muito difícil.
Em 2019, disse numa entrevista que um dos seus objetivos é que, no prazo de cinco anos, “possamos falar e ser compreendidos por qualquer máquina, tal como se estivéssemos a conversar com outro ser humano”.
E acho que isso é possível.
Mas deixou uma ressalva nessa conversa: este tipo de funcionalidade ia criar “algumas questões éticas”. Já pensou que questões são essas?
A questão da desumanização da interação. Se nós já temos as nossas crianças a substituírem as relações físicas pelas relações virtuais nas redes sociais, o próximo passo é quando nós humanos começarmos a ganhar uma relação afetiva com uma máquina. Porque a máquina é quase tão parecida, é tão indistinguível de um ser humano, que vamos chegar aí, que é possível quase simular emoções e sentimentos. A pessoa, a certa altura, começa a escolher o mundo virtual, o que é mais frequente que se imagina.
Tudo que é ‘gaming’, as gerações mais novas… começo a estar muito preocupada com crianças e IA e esse tipo de coisas. É preocupante. Quando as relações se desumanizam de tal forma que são substituíveis por relações artificiais com máquinas.
Como no filme Her.
Exatamente. Agora, também uma outra linha [de pensamento] em que a máquina começa a tornar-se senciente. Isso não é daqui a quatro anos. Mas tornar-se senciente é a máquina começar a desenvolver sentimentos e a certa altura começamos a ter de colocar a questão: vamos elevar a máquina a um estatuto de quase cidadania ou não?
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