Os deputados do CDS-PP perguntaram e a Autoridade da Concorrência (AdC) respondeu: a descida do IVA de 23% para 6% no termo fixo da fatura de gás natural, introduzida no Orçamento do Estado para 2019 e autorizada por Bruxelas, prejudica quem vende e distribui, mas sobretudo quem compra, gás de garrafa em Portugal. Ou seja, a grande maioria dos consumidores.
De acordo com a Associação de Defesa do Consumidor (Deco), o gás engarrafado ainda é usado por 70% das famílias portuguesas, excluídas desta redução do IVA. “Dois em cada três portugueses não vão beneficiar de qualquer descida desse imposto (e do preço) no gás de garrafa”, acusa a Deco.
Apesar de confirmar “o impacto da medida [que entrou em vigor a 1 de julho] em termos de fluxo de clientes e concorrência”, a AdC não consegue, para já, quantificar o valor do prejuízo provocado.
Na sequência da luta que tem vindo a ser travada pela Deco, a AdC vem agora confirmar que “não é possível excluir a possibilidade de o decreto-lei n.o 60/2019 ter efeito na competitividade das diferentes atividades de distribuição de gás, por introduzir níveis de tributação diferentes consoante o produto em causa”. A resposta, assinada por Nuno Rocha de Carvalho, membro do conselho de administração da Autoridade da Concorrência e à qual o Dinheiro Vivo teve acesso, surgiu na sequência da pergunta do CDS-PP: “Está a Autoridade da Concorrência em condições de afirmar que [a descida do IVA] não representa qualquer risco de distorção de concorrência?” A AdC não só respondeu sim como pede que as “medidas públicas, em matéria de IVA, se pautem pelo princípio da neutralidade concorrencial”. Diz ainda que se opõe a que prestações de serviços que estejam em concorrência sejam tratadas de maneira diferente relativamente ao IVA.
Na prática, o governo baixou o IVA da energia, mas com muitas limitações, já que a redução do imposto incide apenas sobre uma pequena parte da fatura de eletricidade e de gás natural – as tarifas de acesso nos termos fixos. A Deco acusou o governo de publicidade enganosa sobre a descida do IVA na energia, provocando às famílias uma perda de poupança de 4,26 euros no gás natural, já que do corte prometido de 8,20 euros os consumidores só viram reduzidos 3,94 euros. O governo vê a questão por outro prisma e diz que a descida do IVA “vai beneficiar mais de 1,4 milhões de contratos (92%) no gás natural”.
“Vamos continuar a lutar pela reposição do IVA em todas as energias domésticas, em todos os componentes da fatura e para todos os consumidores”, prometeu a Deco. Em Portugal, os preços de uma garrafa de gás butano de 13 kg variam, em média, entre 25 e 27 euros, de acordo com a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE). Em média, cada família gasta, pelo menos, duas garrafas por mês, ou seja, quase 60 euros. Já um consumidor de gás natural dá conta de uma fatura média muito mais barata, entre os 15 e os 30 euros.
Os números mais recentes da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) mostram que os preços médios de venda ao público das garrafas de gás butano desceram 11,2 cêntimos por quilo, para os 1,840 euros/kg (-5,7%) no primeiro trimestre de 2019. Ainda assim, há vários elementos que retiram competitividade ao gás engarrafado, como a cobertura geográfica da rede de gás natural, os custos de mudança de um gás para outro e o preço das diferentes opções para fornecimento de gás.
Além da questão do CDS-PP, a AdC foi também interpelada pela Associação de Distribuidores de Propano Canalizado (ADPC), que acusa o governo de discriminação “por via legislativa, através da introdução de taxas de IVA diversas”, beneficiando quem distribui gás natural e prejudicando os distribuidores de gás de petróleo liquefeito (GPL) canalizado e engarrafado. A ADPC remata dizendo que a descida do IVA “põe em causa o princípio da igualdade”, violando a livre concorrência entre agentes económicos e prejudicando os consumidores mais desfavorecidos, que dependem do gás de garrafa e do propano canalizado, sobretudo no interior e no sul do país. A AdC concorda e fala em “consequências negativas na concorrência”.
Portugal é um dos países da UE com o IVA mais elevado no gás natural e no GPL – canalizado ou engarrafado (23%) -, ultrapassado apenas por Dinamarca, Croácia (25%) e Hungria (27%). No extremo oposto está o Luxemburgo, com uma taxa de IVA para ambas as fontes de energia de 8%.
– com Paulo Ribeiro Pinto
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