Isso implica mais pobreza?
Não necessariamente. O que temos assistido na economia global, desde 1980, é um período de crescimento massivo, quase mil por cento, em termos de valor total. No entanto, praticamente todo esse crescimento foi acumulado por 1% ou 2% das pessoas que trabalham, em vez de chegar a todos. Isto porque são aqueles que detém os ativos, que acumulam o valor do crescimento.
Assistimos a esse processo desde 1980, em que a ligação entre o crescimento dos salários e o crescimento económico se quebrou. Tivemos um crescimento incrível da economia, baseado na produtividade, como resultado da tecnologia, mas os rendimentos médios reais, em lugares como os Estados Unidos, permaneceram praticamente inalterados nos últimos 40 anos. Já o rendimento de topo, o 1% mais alto, furou o telhado. Isto produz desigualdade e é um problema.
Atualmente temos novas prioridades, como as alterações climáticas, que já apontou. Como vão afetar a forma como trabalhamos e vivemos?
Não sei como vão afetar o trabalho, mas sei o que precisamos de fazer. Precisamos de começar a pensar em como a forma como trabalhamos afeta e impacta o clima. De uma forma muito fundamental, o trabalho é uma transação de energia, num certo sentido, as nossas moedas representam o uso e consumo de energia. Em sociedades baseadas no crescimento perpétuo, é sempre sobre exceder continuamente a produção de energia e trabalhar arduamente.
De certa forma, a quantidade de trabalho que fazemos é um bom indicador das emissões de gases com efeito de estufa. É também um indicador dos danos que conseguimos fazer ao ambiente. O nosso desafio é reorganizar a forma como trabalhamos e a maneira como organizamos as nossas economias, de forma a reduzir esse impacto. Uma das maneiras de o fazer é trabalhar menos, viajar menos, consumir menos.
Este é um ponto crítico, requer reimaginar a nossa economia de forma fundamental. Para ser honesto, a maior parte do que fazemos não é particularmente útil e, em muitos sentidos, muito disso é simplesmente contraproducente, ameaça canibalizar o nosso futuro.
Com a pandemia, começamos a ouvir muito sobre a necessidade de regressar à economia local, à pequena produção, de reduzir a escala. Vê aqui uma inversão ou é apenas a última tendência?
Eu acho que a pandemia e o facto de muitas pessoas terem ido trabalhar para casa e terem regressado às comunidades locais, inspirou-nos a pensar e fez-nos perceber que algumas dessas coisas que dissemos a nós mesmos sobre a importância do trabalho no passado, não são particularmente importantes, mas que todos temos que estar no escritório todos os dias para sermos super produtivos, sabemos agora que são mitos. As pessoas questionam-se, e com razão, se isto é um mito, então talvez outras coisas também sejam!
Esta pausa deu-nos motivos para ponderar e refletir. Já não sei se será suficiente para nos inspirar a avançar com o tipo de mudanças generalizadas que eu acho que são necessárias, em última análise, para nos adaptarmos aos requisitos impostos pelas alterações climáticas.
Ainda temos algum caminho a percorrer, mas a Covid-19 ajudou-nos, estamos mais abertos a outras formas de organização e é importante começarmos a pensar nestes aspetos e anteciparmo-nos o mais possível.
O trabalho colonizou todos os aspetos de nossas vidas e torna-se muito difícil gerir qualquer outra coisa.
Muitas pessoas começam a deixar as cidades, à procura de modos de vida alternativos. Alguns chamam-lhes “nómadas digitais”. Estes são os trabalhadores do futuro?
Penso que é melhor pensar neles como os trabalhadores do presente.
As pessoas estão a tomar consciência que a vida urbana, para muitos de nós, nos últimos cinquenta anos se tem baseado em torno do trabalho, as deslocações para o escritório. Para muitos de nós, as nossas comunidades são os colegas de trabalho, passamos mais tempo com eles do que com as nossas famílias, nem conhecemos os nossos vizinhos na cidade!
As pessoas começaram a perceber, e a covid ajudou nisto, que há um certo valor no envolvimento com as comunidades locais. Por mais de uma década, tivemos a tecnologia disponível para possibilitar que trabalhássemos remotamente, para ser um nómada digital, mas não a usámos. É como ter um carro de luxo e estar preso no trânsito de Lisboa, e não poder passar dos 20 quilómetros por hora.
Começamos agora a perceber o potencial que esta tecnologia nos oferece, a possibilidade de recalibrar as nossas vidas em torno da comunidade, ao não limitar a comunidade ao local de trabalho. Isso só trará vantagens às localidades, vai quebrar a hegemonia e o controle dos grandes centros urbanos e, esperamos, que possa capacitar, inspirar e reanimar as áreas rurais. Ao longo dos últimos 50 anos, temos assistido a um forte êxodo, das áreas rurais para as cidades, agora talvez se inverta esta tendência. Confesso que sou uma dessas pessoas, que mudou para o campo para fugir da vida da cidade.
Li uma descrição que fez da sociedade, como trabalhadores workaholics. Não é demasiado generalista?
Não são todos, muitos de nós nem somos nada workaholics, porque os nossos empregos são demasiado aborrecidos. Fazemos o nosso trabalho e vamos para casa, onde passamos o tempo com o trabalho sem impacto, mas que nos dá satisfação: cozinhar. olhar pelas crianças ou até um hobby. As pessoas fazem muito trabalho depois de deixarem o emprego.
No entanto, há uma percentagem para quem o trabalho é absolutamente tudo. É um efeito potencialmente disruptivo nas nossas vidas, porque o trabalho colonizou todos os aspetos de nossas vidas e torna-se muito difícil gerir qualquer outra coisa.
Curiosamente, tendem a ser as pessoas nos sectores de negócios mais ricos que trabalham mais horas, 60 a 70 horas, em parte porque é assim que organizam as vidas e não conseguem imaginar viver de outra forma, vivemos numa sociedade que dificulta a ascensão. Mas, em última instância, não é saudável.
Falámos da diferença entre o capital e o valor do trabalho, as pessoas terem de trabalhar cada vez mais para alcançarem qualquer tipo de sonho, por vezes significa que trabalham muitas horas e acabam por sofrer, como resultado.
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