//KPMG “tinha plena consciência” em 2011 de falta de informação sobre BESA, diz Banco de Portugal

KPMG “tinha plena consciência” em 2011 de falta de informação sobre BESA, diz Banco de Portugal

O Banco de Portugal (BdP) considera que a auditora KPMG “tinha plena consciência” desde 2011 da pouca informação sobre o BESA, o que deveria levar a reservas nas contas consolidadas ao BES, segundo uma carta consultada pela Lusa.

De acordo com uma missiva enviada à Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução a que a Lusa teve acesso, o BdP advoga que “tanto a KPMG Angola como a KPMG Portugal tinham plena consciência, desde pelo menos 2011, da ausência de informação essencial para avaliar o risco associado à carteira de crédito do BESA (e, portanto, do impacto que a qualidade desta carteira de crédito tinha nas contas do BES)”.

Segundo o BdP, os auditores saberiam “que estavam perante factos suscetíveis de determinar a aposição de uma reserva de âmbito nas contas consolidadas do BES”.

“De facto, a falta de acesso a informação relevante sobre os ativos que constituíam a carteira do BESA impunha uma reserva às contas consolidadas do BES, sendo que a impossibilidade de a KPMG emitir um juízo consciente e fundado sobre a qualidade da carteira de crédito do BESA era ultrapassada apenas com base nas declarações de conforto emitidas pela própria comissão executiva do BESA”, releva o supervisor liderado por Mário Centeno.

Na carta, o supervisor dá conta de que “esta situação não era do conhecimento do Banco de Portugal, que apenas teve acesso aos documentos em causa após agosto de 2014”.

No dia 22 de abril, a Lusa noticiou que a KPMG Portugal desconhecia factos no BES Angola (BESA) que pudessem levar à emissão de uma opinião com reservas às contas consolidadas do BES, de acordo com uma carta enviada à comissão de inquérito ao Novo Banco.

“A KPMG Portugal nunca teve conhecimento de qualquer informação sobre a subsidiária BESA que pudesse constituir um facto suscetível de gerar emissão de uma reserva às contas consolidadas do BES”, pode ler-se numa carta enviada por Sikander Sattar, presidente da KPMG Portugal, à comissão de inquérito, a que a Lusa teve acesso.

Segundo o BdP, numa resposta enviada em 18 de julho de 2014, “a KPMG Portugal veio alegar que, nem ela nem a KPMG Angola, dispunham de informação sobre eventuais irregularidades de elevada gravidade na carteira de crédito do BESA”, estando a aguardar conclusões do diagnóstico da nova equipa do banco angolano.

“Ora a documentação referida na primeira parte desta carta [relativa ao conhecimento desde 2011] demonstra inequivocamente que a falta de acesso à informação necessária para auditar a carteira de crédito remontava a pelo menos 2011”, segundo o BdP.

Na carta enviada à comissão de inquérito, o BdP cita vários reportes da KPMG Angola sobre o BESA, em que a auditora transmitiu à KPMG Portugal, em 20 de outubro de 2011, a existência de uma “inadequada valorização da carteira de crédito (imparidade do crédito) tendo em consideração (ii) a complexidade associada e (iii) o elevado volume de transações”.

Um ano depois, a KPMG Angola transmitiu à portuguesa que continuava “a aguardar a informação necessária à execução” dos procedimentos “sobre a carteira de crédito, nomeadamente ao nível da razoabilidade das provisões”.

Em novembro de 2012, um outro documento intitulado “Banco Espírito Santo Angola – Assuntos Críticos” dava conta da mesma falta de acesso à informação, bem como da “elevada materialidade das perdas estimadas” na carteira de crédito do BESA, “situação que era do conhecimento da KPMG Portugal, apesar da certificação legal das contas consolidadas do BES ter sido emitida sem qualquer reserva”.

Assim, esse documento dava conta de “uma insuficiência ao nível das provisões para crédito vencido (carteira empresas) de cerca de 283,9 milhões de dólares (cerca de 219 milhões de euros)”, e de falta de informação acerca dos colaterais, às condições da concessão de crédito, situação atual dos mesmos e informação económico-financeira sobre os mutuários, o mesmo acontecendo quanto às carteiras “particulares” e “administração”.

Em 2013, quer em fevereiro quer em dezembro, foram novamente identificados os problemas relativos à inadequação da valorização da carteira de crédito, mesmo depois de ter tomado posse um novo governo societário.

A instituição liderada por Mário Centeno refere ainda, na carta enviada ao parlamento, que a partir de novembro de 2013 teve reuniões e contacto frequente com a KPMG Portugal, em que o auditor não identificava “algum facto novo relevante detetado no quadro das auditorias realizadas regularmente”.

Em 06 de junho de 2014 “a KPMG Portugal antecipou, pela primeira vez, que a eventual perda associada à carteira de crédito do BESA, abrangida pela garantia do Estado angolano, ascendia a cerca de 3,5 mil milhões de euros, estando em causa uma carteira de 5,5 mil milhões de euros, com colaterais de 2 mil milhões de euros”.

Segundo o BdP, a auditora “não referiu que existia a necessidade de reconhecer perdas para créditos não abrangidos pela garantia do Estado angolano, nem mencionou a existência de problemas graves ao nível do governo e controlo interno do BESA”.

“Apenas por carta a 19 de junho de 2014, a KPMG Portugal veio reconhecer (e informar pela primeira vez o Banco de Portugal) que desde finais de dezembro de 2013 a KPMG Angola tinha tomado conhecimento que havia identificado um conjunto de dossiers de créditos do BESA considerados incobráveis, de valor material, tendo tido acesso à respetiva informação em meados de janeiro de 2014”, segundo a carta, que mesmo assim o BdP considera ser “insuficiente”.

Já depois da resolução do BES, um relatório da KPMG Angola indica que “resulta inequívoco que 19,1% do crédito do BESA estava vencido há mais de três anos, ou seja, desde pelo menos agosto de 2011; e que, em 31 de dezembro de 2013, mesmo considerando a existência de uma garantia soberana, 9% da carteira do BESA se encontrava vencida”.

“Factos que a KPMG Portugal nunca comunicou ao Banco de Portugal”, conclui a carta do supervisor à comissão de inquérito.

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