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Foi quase um presente de Natal antecipado para as cadeias internacionais com lojas em centros comerciais. A Lei das Rendas, com retroatividade até 13 de março, aprovada esta semana no Parlamento, eleva para 600 milhões de euros os descontos dados desde abril pelos operadores dos shoppings aos lojistas até ao final do ano. A maior fatia fica nas mãos das cadeias internacionais, apenas 36 milhões beneficiam os pequenos lojistas locais. Centros já estão a negociar com os fornecedores prazos de pagamento mais alargados, enquanto aguardam uma decisão do Tribunal Constitucional, sobre uma Lei que a Provedora de Justiça já considerou ser inconstitucional, e que motivou, em novembro, uma queixa em Bruxelas contra o Estado português.
Já era o maior pacote de ajuda aos lojistas em centros comerciais, dizem os donos dos shoppings, mas a aprovação da proposta do PAN de clarificação da Lei das Rendas elevou de 52% para 67% os descontos atribuídos de abril até final de dezembro pelos operadores dos centros aos 8600 lojistas instalados nos shoppings nacionais. Um valor de desconto – com a suspensão do pagamento da renda fixa de 13 de março até ao final do ano – que suplanta as perdas de vendas dos lojistas, que se estimam na ordem dos 35 a 40% para o mesmo período, sobretudo impactadas pelas perdas nas salas de cinema e setor da restauração.
Feitas as contas, “os descontos dados pelos proprietários aos lojistas correspondem a 600 milhões de euros”, adianta fonte oficial da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC).
Metade desse valor fica nas mãos das grandes cadeias internacionais, ou não representassem metade das mais de 8 mil lojas instaladas em shoppings em Portugal. Os grandes grupos nacionais, 27% das lojas, “encaixam” 162 milhões, com apenas 138 milhões a serem encaminhados para os pequenos e médios lojistas nacionais e, destes, apenas 36 milhões para os pequenos lojistas locais (apenas 6% das lojas em shopping). Com a diferença de apenas um voto, a Lei foi aprovada na última segunda-feira com 115 votos favoráveis do PAN, Bloco de Esquerda, PCP, do PSD e duas deputadas não inscritas. Com o PS, o CDS e a Iniciativa Liberal a somarem 114 votos contra. O Chega absteve-se. A proposta tinha sido aprovada pelo Parlamento na generalidade, depois rejeitada na especialidade, na Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, tendo sido avocada para votação em plenário, onde recebeu o OK dos deputados.
A Lei representa uma perda de receita significativa para os centros – que têm na renda fixa a sua principal fonte de rendimento – que está a desequilibrar o negócio, muito alavancado em financiamento bancário. Têm em mãos 8 mil milhões de euros de empréstimos na Banca, dos quais 75% em bancos nacionais. “Nenhum setor consegue passar incólume a uma perda de 600 milhões de euros. O impacto é significativo e só poderá ser resolvido com a colaboração do sistema bancário”, diz apenas fonte oficial da APCC quando questionada sobre o impacto da suspensão do pagamento das rendas fixas na capacidade dos centros em fazer face às suas responsabilidades bancárias.
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Rever prazos de pagamento
Há muito que a APCC tem vindo a alertar para impacto que esta medida – com os lojistas a pagar apenas a componente variável da renda sobre as vendas e custos comuns, como água, eletricidade ou limpeza dos espaços, até ao final do ano – poderia ter no emprego e no investimento. Nesta semana, a Multi Corporation, gestora de oito espaços como o Almada Fórum, Armazéns do Chiado ou o Braga Retail Center, confirmou estar a reduzir o número de colaboradores. “Está em curso um processo de consulta de despedimentos que afeta menos de 20 colaboradores em Portugal”, disse fonte oficial, citada pelo Eco. “Devido à covid-19 e aos ventos contrários a longo prazo que o setor do retalho enfrenta, estamos continuamente a avaliar a nossa estrutura e a maneira como trabalhamos, e isso pode ter consequências para alguns dos nossos funcionários”, justificou a empresa à publicação. Fontes ouvidas pelo Dinheiro Vivo admitem que poderá ser o primeiro de muitos a avançar pelo mesmo caminho. O setor, que representa 5% do PIB nacional, gera 300 mil empregos, diretos e indiretos.
E o investimento também está a ser ponderado. Na Sonae Sierra, a aprovação da Lei das Rendas, no Orçamento do Estado Suplementar, meteu em pausa decisões de investimento há muito planeadas para 2021. A expansão do NorteShopping ainda se conclui este ano, mas “os restantes investimentos, incluindo Colombo, estão em análise, em parte pelo impacto negativo que resultou da aprovação do Orçamento Suplementar”, admitia Cristina Santos, administradora da Sonae Sierra Portugal e Espanha, em setembro ao Dinheiro Vivo. Estava previsto um investimento de 151 milhões nesse projeto.
A situação está a fazer ainda os centros olhar com atenção para a sua estrutura de custos e a negociar com os fornecedores prazos de pagamentos mais alargados. “Todos estão a planear a gestão de caixa da melhor maneira possível, de forma a podermos acomodar este corte brutal em cash flow sem prejudicar ninguém, mas que exige a solidariedade e colaboração de todos os restantes membros da cadeia de valor”, adianta fonte oficial da APCC. “Tipicamente os pagamentos eram de 30/60 dias”, diz. A maior parte, diz, está a “tentar duplicar prazos”, levando para “30 a 70 dias”, embora “não se esteja a pedir descontos”.
“O nosso objetivo é continuar a honrar todos os compromissos como contratados, mas precisamos da solidariedade e colaboração de todos. O centro comercial não consegue suportar toda a cadeia de valor sozinho”, reforça fonte oficial da APCC.
Os centros aguardam ainda uma decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre um diploma que consideram inconstitucional. E o mesmo considerou a Provedora da Justiça. Em novembro, Maria Lúcia Amaral pediu a análise com caráter de urgência do TC, considerando que o n.º 5 do artigo 168.º – da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que aprovou o OE para 2020, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27 – A/2020, de 24 de julho, que aprovou o OE Suplementar – por entender que esta norma contém “restrições inconstitucionais do direito à propriedade privada e da liberdade de iniciativa económica privada”.
Esta medida, recorde-se, abrange apenas os lojistas dos centros comerciais, ficando de fora o retalho de rua. E “ao isentar os lojistas instalados em centros comerciais do pagamento da remuneração mínima que era devida aos proprietários ou gestores dos referidos centros nos termos dos contratos celebrados e já em execução, o legislador restringiu os direitos fundamentais à propriedade privada e à livre iniciativa de que são titulares aqueles proprietários e gestores”, lê-se no requerimento.
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