Partilhareste artigo
Lei é lei e a Constituição é a lei suprema.” A frase não é do Presidente da República, mas antes serve de argumento a António Costa contra a decisão do chefe do Estado e constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa de dar luz verde ao alargamento dos apoios sociais.
Não há dúvidas de que os três projetos – que preveem mais ajudas para sócios-gerentes e trabalhadores independentes, além do apoio a 100% aos pais em teletrabalho com filhos em casa – aprovados pelo parlamento em peso, exceto PS, e promulgados pelo PR no domingo, violam a norma-travão. Mas Marcelo é o Presidente dos afetos – e dificilmente deixaria de mostrar que momentos especiais requerem decisões extraordinárias. E por isso, num despacho que Costa classificou de “rico, inovador e muito criativo”, o PR deixou passar.
A bola em chamas caiu assim nas mãos de Costa, deixando-o entre a espada de se resignar a acomodar cerca de 300 milhões de euros em despesa acrescida no Orçamento do Estado (OE 2021) e a parede de recorrer ao Constitucional e ser visto como o primeiro-ministro que negou toda a ajuda possível a quem a crise atirou ao chão. Escolheu a segunda. E se negou desde o primeiro momento que este episódio seria gerador de uma crise política – um extremo que todos os partidos e instituições sabem bem que não teria bom fim para quem o precipitasse -, é bem possível que tenha azedado o ambiente entre Belém e São Bento. Que já não viviam os seus melhores momentos, entre discórdias quanto ao ritmo do desconfinamento e a ignorância ostensiva do primeiro-ministro à insistência do PR na lei do ruído.
A corda torna-se mais fina do lado de António Costa, que dificilmente descolará da pele o ónus de ter recusado distribuir mais alguns euros por pessoas que a pandemia e os consequentes confinamentos deixou reduzidas a pouco mais de 200 euros mensais de rendimento.
Subscrever newsletter
A leitura que estes farão do que aconteceu nos últimos dias não podia ser mais simples: o parlamento todo esteve do lado deles, exceto o PS; Marcelo mostrou-se disposto a dobrar a Constituição por quem mais sofre; e o governo revelou-se intransigente. E isso será vincado agora e recordado mais tarde, com eco em toda a oposição quando chegar o tempo de voltar a agitar águas. Será arma de peso, como o foi a austeridade no governo de Passos Coelho.
Enquanto o Tribunal Constitucional decide – o que poderá levar umas semanas, ainda que o governo tenha pedido urgência -, sendo quase certo que dará razão a Costa, a lei vigora, pelo que àquelas famílias é garantido algum apoio adicional, ainda que a prazo. Graças a Marcelo.
“A nossa Constituição é muito clara na repartição de poderes. O parlamento é soberano na aprovação do Orçamento e o governo é totalmente responsável pela sua execução. Por isso, uma vez aprovado o Orçamento, a Assembleia não pode nem aumentar a despesa nem diminuir a receita previstas nesse Orçamento”, vincou ontem António Costa, explicando a essência da norma-travão e a razão de pedir a fiscalização do diploma ao Constitucional.
“Aquando do Orçamento suplementar, já houve uma situação em que os limites orçamentais não foram respeitados e tivemos de nos acomodar. Não podemos deixar que um precedente se torne num costume contra a Constituição”, disse António Costa, reforçando “o enorme esforço do governo e das bancadas parlamentares” para aprovar o OE 2021. “O governo não está habilitado a não cumprir leis”, afirmou, considerando que “é provável” que os juízes do Palácio Ratton acabem por dar razão ao governo, mas assumindo que, enquanto não decidirem, o reforço vai ser pago aos beneficiários.
Para acelerar o processo de decisão, o governo pediu ao Constitucional “urgência” na análise destas normas. Segundo vinca o chefe do governo, “só nos primeiros três meses deste ano os apoios extraordinários já representam 45% do valor gasto pela Segurança Social no conjunto de todo o ano passado”.
Deixe um comentário