À frente da Caixa Central de Crédito Agrícola desde 2013 e no banco há mais de 30 anos, Licínio Pina coordena as 80 Caixas e os 650 balcões do único grupo financeiro português cooperativo.
O sistema financeiro está a passar por um período de adaptação à concorrência das fintech. O Crédito Agrícola (CA) lançou um serviço desse género. Os bancos tradicionais estão a saber responder a este novo patamar de competição?
Os bancos portugueses têm sabido sempre responder e nesta questão das fintech também.
O CA lançou o Moey, um serviço de banca digital sem custos e que oferece operações básicas, à semelhança da Revolut, N26 e outros. É como diz o ditado popular, “se não os podes vencer, junta-te a eles”?
Não é essa a questão. O Moey é um produto que assenta numa app com funcionalidades como a abertura de contas à ordem. Temos 80 ZIB (zonas interbancárias), uma por Caixa, e o cliente abre conta na que deseja. Esse produto foi lançado para responder a desafios que tínhamos, designadamente demográficos. Somos um banco com penetração intensa nas zonas rurais e no interior e pouca nas áreas urbanas e notávamos que muitos dos nossos jovens que vêm para a universidade nos grandes centros desligavam-se da CA da sua terra. Agora podem abrir conta e fazer movimentos em todo o mundo. É um produto direcionado para quem tem apetite de tecnologia e para responder aos desafios das fintech, mas foi por isto que sentimos essa necessidade.
Mas sendo sem custos, a CA não perde no imediato – talvez com esperança de retorno depois?
Esses produtos têm várias ondas e no início, obviamente, o produto não tem cobrança de taxas, mas serão adicionados ao longo da sua vida outros produtos que vão capturar clientes e ter rentabilidade.
Uma versão premium paga?
Digamos que é produto similar a outros que há no mercado mas diferenciado porque é uma criação exclusivamente portuguesa – os técnicos que o desenvolveram fazem parte de uma direção da Caixa Central do CA em Lisboa e responde às necessidade dos jovens na economia global atual.
Mas é nova área de negócio. É esse o caminho, ir onde estão os clientes e não ter sede física?
Eu não acredito que o digital possa viver sozinho sem banca presencial. É necessário que exista uma rede que se possa contactar para resolver dificuldades. Portanto, vejo a banca no futuro muito assente em tecnologia mas com algumas unidades físicas.
Há o problema da regulação e supervisão. As fintechs não têm de responder às mesmas exigências que os bancos. Esse caminho de concorrer com as fintechs pode ajudar a atenuar esse desequilíbrio?
O regulador regula os bancos que operam no mercado português ou no europeu, no caso da Zona Euro. As fintechs não têm regulação igual, mas também não fazem o que fazem os bancos, não têm licença bancária.
Mas quando um banco tem uma fintech, prevalece o banco.
Exatamente. A fintech é um braço do banco que atua no mercado para satisfazer clientes mais digitais, mas o banco tem de ter licença para operar.
Mas as fintechs que não existem dentro de bancos não estão sujeitas às mesmas regras. Isso não cria desequilíbrios?
Pode criar, mas há outras concorrentes já no mercado com que nos confrontamos – as GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon) – que estão a fazer banca, digamos assim, e o regulador está muito atento à sua penetração e crescimento no mercado português.
Qual é a urgência dessa regulação?
Quanto mais rápido melhor, para termos todos as mesmas regras.
O Banco de Portugal tem sido suficientemente diligente?
Tem. Esses temas têm sido objeto de várias conferências, eles estão preocupados e querem ter a segurança de que as fintechs não vão criar problemas disruptivos.
Temos vindo a assistir a um aumento de comissões na banca tradicional. É uma inevitabilidade? Ou será um tiro no pé?
Com as políticas monetárias do BCE, a forma de fazer banca alterou-se profundamente. Assiste-se hoje a uma inversão da relação bancária em que quem deposita paga e quem tem crédito recebe.
Os bancos, para depositar dinheiro no BCE, têm de pagar.
É assim, embora Mario Draghi tenha criado uma relativa facilidade recente: os bancos pagam 0,5% por depósitos no BdP ou no BCE mas há um limite mínimo a partir do qual pagam, de sete vezes a reserva mínima de caixa. No caso do CA, são depósitos acima de mil milhões. Ainda assim, essa política trouxe um novo e grande desafio à banca e a quem a gere. O que tem acontecido é que os bancos, para sustentarem a sua rentabilidade e equilibrar balanços, e não sendo possível que haja margem financeira disponível para alimentar o negócio, foram criando comissões. Tem-se abusado um bocadinho, há comissões para tudo.
Mas acha que houve exagero?
Sim, algum. O CA é dos menos agressivos nessa questão: pela domiciliação de uma conta à ordem cobramos 15 euros por trimestre, mas excluímos jovens até 30 anos, reformados e associados das CA.
É difícil aceitar que se pague por operações aparentemente automáticas…
Lá está, a tendência é quem deposita paga. Se não, quem paga os custos do banco? Há notícias sobre o montante das comissões que os bancos receberam, mas esquecem que os bancos são muito importantes para a economia, a empregabilidade, a tecnologia e prestam um serviço ao país. Não havendo margem, não há forma de fazer as coisas senão cobrar comissões.
Vídeo. Serviços bancários básicos devem ser “tendencialmente gratuitos”
Acha que os serviços devem ser tendencialmente gratuitos?
Tendencialmente concordo.
Mas isso contradiz o que disse.
Por isso é que no CA temos esse sistema menos agressivo. Nós posicionamo-nos num segmento de mercado diferenciado, trabalhamos com pessoas com pequenas poupanças, pequenos depositantes, muitos reformados, pessoas mais rurais. Por eles que são a base do nosso banco temos em atenção a nossa responsabilidade social.
Vídeo. Fusão de Caixas “em dificuldades para cumprir critérios do Banco de Portugal”
O grupo vai reduzir o número de Caixas – hoje são 80. Em que ponto está esse projeto?
Temos um plano para fusão de algumas Caixas que estão em dificuldades para cumprir os critérios exigidos pelo regulador quanto à segregação de funções. Se uma Caixa com sete funcionários tiver todos os órgãos sociais – conselho fiscal e de administração, mesa, etc. – terá mais órgãos sociais do que empregados. Não é possível, nem permite segregar as funções de risco, compliance, auditoria……
Tem Caixas nessa situação?
Tenho algumas.
E qual é o ponto do processo?
Uma fusão conclui-se no final de outubro, com a integração de duas Caixas, uma mais pequena e uma maior – os critérios obrigam a que seja confinantes, não podemos fundir uma caixa de Trás os Montes com uma do Algarve. Temos mais quatro em aprovação no Bdp e outras em marcha. É um processo complexo e ainda mais em virtude do fit&proper (avaliação dos órgãos sociais), que exige grande esforço de análise e escrutínio.
E quando estará o processo terminado?
Conto que se conclua o movimento de fusões durante 2020, com 20 Caixas que resultarão em dez, ou seja, das 80 ficam 70.
Que implicação tem isso no número de trabalhadores?
O problema que enfrentamos nas fusões é outro, designadamente que os órgãos sociais e os associados entendam a razão da fusão e a aprovem na assembleia – sem isso não podem acontecer. Os empregados são realocados a outras funções quando longe da idade de reforma; e muitos dos que já não acompanham as novas tendências da banca e tecnologia preferem um acordo de pré-reforma.
Vídeo. Fusão não implica redução de quadros
No final de 2018 tinha cerca de 4 mil funcionários. Quando o processo acabar serão quantos?
Teremos ainda mais, porque as nossas necessidades prendem-se com funções de controlo e saindo alguns que toda a vida foram comerciais porque essa função deixa de existir, é preciso economistas para a auditoria interna, o compliance, serão necessárias outras competências. Não sei quantos serão a mais, mas dou uma ideia: a auditoria interna já tem centralmente 32 pessoas.
Em 2016, o grupo despediu três membros da equipa de auditoria, incluindo a coordenadora. O processo foi conduzido por um ex-responsável de uma Caixa que foi afastado pelo BdP. Como explica esta situação?
Em primeiro lugar, essas pessoas não pertencem à Caixa Central nem a nenhuma Caixa, pertencem à Federação Nacional de Caixas Agrícolas e a Federação é que decidiu afastá-las. A sua função terminou na Federação e não se poderiam auditar a si próprias… As pessoas que pertencem à Federação são presidentes de Caixas e não poderiam ter sobre eles a tutela da auditoria interna. São regras.
Então qual foi o problema?
Negociou-se com a maioria, eram uns 12 e quase todos foram realocados ou indemnizados. Essas pessoas entenderam que não e apesar de lhes ter sido oferecido trabalho na Caixa Central, recusaram.
Trabalho que implicava um recuo de anos na carreira e ficarem a ganhar uma fração do que recebiam…
Eram auditores, foi-lhes oferecida auditoria. Se reforçámos os quadros de auditoria interna, precisávamos de pessoas e essas já tinham experiência, podiam ter aceitado os lugares. A Caixa Central foi arrastada para este processo porque foi indicada por eles como testemunha ou como parte da contenda, mas o assunto é da Federação.
Vídeo. Melhoria de resultados nos primeiros nove meses de 2019
A CA teve no primeiro semestre um crescimento de 16% nos lucros, para 74 milhões. Como vai terminar os 9 meses?
Os resultados de setembro, que já posso revelar, estão bastante positivos, muito acima do ano passado: lucros de 104 milhões que comparam com 85 no homólogo.
Essa tendência de crescimento continuará até ao fim do ano?
Nos últimos três meses, normalmente há ajustes – como as provisões para os fundos de pensões dos funcionários, mas acreditamos que crescerá.
As mudanças de estatutos e regulamento dos últimos anos tiveram efeito na Caixa Central e sua liderança? Simplificou a gestão?
A gestão é cada vez mais complexa – e nós temos a dificuldade acrescida de gerir 80 bancos como se fosse um só. Houve grande união em volta do conselho de administração da Caixa Central e as pessoas entenderam que trabalhando em grupo é tudo mais fácil. E temos conseguido fazer crescer o grupo: mais 7% nos depósitos, mais 5% no crédito… Há alguma dinâmica económica, mas o grupo também tem sabido aproveitar a onda.
Passado o pico da crise e face ao momento económico atual, nota maior procura de crédito?
Não, eventualmente não estamos a aproveitar os bons ventos que têm vindo do BCE para baixar as taxas… A capacidade de poupança é superior à creditícia.
Como comenta que haja Caixas, como a do Baixo Mondego, sobre as quais recaem acusações de conflito de interesses e outras queixas.
Tenho de enquadrar essas questões. O fit&proper resulta numa grande transformação ao nível das administrações e gestão das Caixas e um conjunto de administradores não licenciados e sem noções de gestão tem de ser substituído por quem tenha esses conhecimentos. Quem sai, não gosta. Nós temos vindo a tentar arranjar soluções para essas pessoas, criando uns conselhos consultivos e superiores… para alocar essas pessoas, mas está em causa uma enorme variação de remuneração, além de que são pessoas que estiveram muitos anos ligadas às Caixas… e não gostam. Por causa disso, tem havido imensas denúncias, rececionadas por nós ou pelo BdP, que nos pede que investiguemos. E tem-nos dado imenso trabalho, porque haja veracidade ou não, é necessário verificar e fazer averiguação, muitas vezes auditorias forenses.
Chegam muitas vezes à conclusão de que é verdade?
Algumas situações confirmam-se, mas a maioria não.
Uma parceria com o Montepio está fora de causa?
É um tema que está morto e enterrado.
Não é ressuscitável?
Não. Houve tempos em que isso foi muito falado, dadas as características dos dois bancos, relacionados com a economia social, mas esse tema foi por mim afastado e nem as pessoas que lideram o Montepio o tem abordado.
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