//Lista de devedores de bancos resgatados fica no segredo da AR

Lista de devedores de bancos resgatados fica no segredo da AR

As informações sobre grandes devedores dos bancos que receberam ajudas públicas desde 2007, e sobre os decisores das instituições financeiras que atribuíram créditos que entraram em incumprimento, poderão chegar em meados deste ano ao parlamento. Mas, não serão públicas.

Caso receba aval final do parlamento, esta sexta-feira, o projeto que reuniu consenso dos partidos – com abstenção do PS – estende aos deputados dever de guardar segredo das informações que recebam do Banco de Portugal. A mesma obrigação vai recair sobre os funcionários do parlamento.

Três dos partidos – BE, PCP e CDS – pretendiam que os dados detalhados de incumprimento fossem também publicados na Internet pelo Banco de Portugal. Mas a proposta não vingou.

E, mesmo assim, há dúvidas sobre a capacidade de o banco central dar a conhecer informações como valores entregues, titulares dos créditos, e administradores que os concederam. São colocadas pela Associação Portuguesa de Bancos e foram refletidas na abstenção do PS, que manifestou receio de que a mudança na lei colida com o quadro europeu de supervisão, onde as competências são em última instância do Banco Central Europeu. Paulo Trigo Pereira, ex-deputado da bancada PS, chegou a sugerir colocar o Ministério das Finanças como intermediário dos dados, mas a alteração esteve entre os pontos rejeitados na última reunião de análise na especialidade ao projeto, ontem.

Os deputados dão ao Banco de Portugal 100 dias, após a publicação da lei, para entregar o primeiro relatório.

PSD e CDS ultrapassaram a questão com a atribuição – a nível nacional e fora do quadro de supervisão – de novas competências ao Banco de Portugal. A sugestão foi aceite na comissão, e é assim que o texto chega à votação final global do parlamento. Os deputados dizem que, quando a lei entrar em vigor, não querem ouvir desculpas da instituição liderada pelo governador Carlos Costa para não entregar os dados que passarão a ser exigidos.

Outro acrescento trazido pelos dois partidos e sustentado com o voto favorável da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa é a obrigação de o governo ordenar a realização de auditorias especiais independentes sempre que os bancos sejam capitalizados com dinheiros públicos. As auditorias vão visar a gestão dos bancos e incidir sobre decisões de crédito, de investimento, de compra e de venda de ativos.

O que propõe o projeto acordado pelos deputados?

O projeto para a transparência das ajudas públicas aos bancos exige que sejam reveladas as condições em foram atribuídos créditos que acabaram em incumprimento. Com mais de 30 mil milhões de euros de malparado no balanço dos bancos, e mais de 16,7 mil milhões de euros em apoios a bancos, os deputados querem ter em primeira mão, do Banco de Portugal, um conjunto de informação relevante para poder avaliar como funcionou a supervisão durante a crise dos bancos.

O texto que vai a votos inclui o parlamento na lista de exceções ao dever de sigilo do Banco de Portugal, e impõe a comunicação dos dados de incumprimento em bancos que tenham recebido fundos públicos. Primeiro, num relatório extraordinário que vai recuar 12 anos, e, depois, sempre que haja novos resgates. O Banco de Portugal também fica obrigado a divulgar no seu site montante, condições e prazo de reembolso das eventuais ajudas futuras a instituições.

Como chega a informação aos deputados?

A condição é que a informação seja entregue pelo Banco de Portugal a uma comissão parlamentar de inquérito que tenham por objeto a supervisão dos bancos. O texto atual propõe que o banco central recolha os dados junto dos bancos e os entregue ao presidente da Assembleia da República, que a passará às comissões envolvidas nesse trabalho. É referida comissão eventual de inquérito, mas também comissão permanente com a mesma atribuição – como a Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, que apreciou este projeto.

Que informação vão os deputados receber?

Naquela que é considerada informação relevante para efeitos de inquérito à supervisão dos bancos capitalizados pelo Estado, o Banco de Portugal fica obrigado a reunir e a comunicar aos deputados o valor de créditos em incumprimento iguais ou superiores a cinco milhões de euros (desde que representem, pelo menos, 1% do valor de apoios públicos cedidos à instituição de crédito que os aprovou) que tenham sido registados nos balanços dos bancos até cinco anos antes de ter havido resgate público.

O crédito em incumprimento considerado é aquele em que tenha havido mais de três prestações vencidas sem pagamento, reestruturação, ou ainda que tenha levado os bancos a registarem imparidades ou a reforçarem provisões.

Os dados a que os deputados vão ter acesso incluem valor dos créditos concedidos (mas também garantias e outros financiamentos, incluindo compra de participações); a data do financiamento; o valor que foi reembolsado; o valor das perdas sofridas e estimadas; a existência de garantias ou outro tipo de colateral dos créditos; a identificação do devedor (e sócios de empresas em dívida); identificação de administradores e dirigentes de bancos que deram os créditos; identificação das medidas tomadas para a recuperação dos créditos. O facto de o malparado ter entretanto saído do balanço dos bancos em resultado da resolução das instituições não exclui a obrigação de comunicação.

Que dados serão públicos?

As informações de crédito em incumprimento que poderão ser publicadas pelo Banco de Portugal não irão identificar devedores ou bancos. No projeto que os deputados vão votar, só a Assembleia da República poderá ter acesso à lista dos devedores.

De resto, os deputados e qualquer funcionário do parlamento ficarão sujeitos ao dever de segredo previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Cabe à mesa da Assembleia da República garantir que a obrigação é cumprida. O Banco de Portugal pode indicar, mas não é obrigado a isso, quais as informações que estão sujeitas a segredo. O tratamento dos dados também terá de obedecer às regras do Regulamento Geral de Proteção de Dados.

Aquilo que o Banco de Portugal ficará obrigado a publicar é, após a capitalização com dinheiros públicos de um banco, o montante e também as condições e o prazo de reembolso da ajuda. Além disso, a instituição vai publicar a informação agregada e anonimizada sobre os créditos em incumprimento.

Quando é que o Banco de Portugal terá de divulgar os dados?

No projeto de transparência, propõe-se um prazo de 20 dias para o Banco de Portugal divulgar os dados sobre ajudas públicas à capitalização dos bancos. O prazo é de 120 dias para que, após esse resgate, haja informação das posições em incumprimento do banco ou bancos apoiados. Esta deve ser atualizada ao final de um ano. O banco terá ainda 100 dias, a contar da publicação da lei (se aprovada e promulgada) para apresentar os dados do crédito em incumprimento relativos aos 12 anos anteriores à publicação da lei.

Que bancos serão abrangidos?

A proposta é que a lei faça recuar a obrigação de comunicação 12 anos, ficando assim abrangidos todos os bancos socorridos desde 2007 – a contar com a nacionalização do BPN, no ano seguinte. A conta não está fechada, e deverá superar os 16,7 mil milhões de euros em 2018, com novas injeções a apoiarem pagamentos do ex-BPN à Caixa Geral de Depósitos no ano passado. Inicialmente, PSD e CDS propunham a exclusão dos bancos que já tivessem saldado as dívidas ao fundo de resolução, mas a intenção não passou. As regras vão aplicar-se a todos, incluindo BPI e BCP, que devolveram as ajudas recebidas.

O que dizem os bancos?

A Associação Portuguesa de Bancos ainda não se pronunciou sobre o texto final a que chegaram os deputados ontem, mas enviou de véspera uma lista de preocupações, onde se incluem a possibilidade de quebra de sigilo bancário ou um possível desvio à supervisão do BCE. “No quadro atual, o Direito da União Europeia apenas permite ao Banco de Portugal divulgar as informações sigilosas (…) mediante prévia consulta ao Banco Central Europeu”, insiste. A APB defende também que “as Comissões Parlamentares de Inquérito dispõem já da possibilidade legal de acederem a informação protegida pelo segredo bancário, ainda que, e dentro dos parâmetros constitucionais que disciplinam esta matéria, apenas depois de um tribunal decidir”.

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