A “excessiva” existência de lojas de “souvenirs” na cidade de Lisboa foi uma das preocupações levantadas num debate sobre a política de gestão municipal do comércio e do turismo, com a câmara a defender um reforço da fiscalização.
“Temos um mercado nas lojas de “souvenirs” que, provavelmente, não será muito regular, não do ponto de vista daquilo que é a competência e fiscalização municipal, portanto há cumprimento de horários, há cumprimento de deposição de resíduos sólidos e urbanos, mas depois há outras matérias que têm a ver não com o planeamento da cidade, mas tem a ver com a matéria de legislação e de outras forças e entidades que devem atuar nesta matéria”, afirmou o vereador da Economia na Câmara de Lisboa, Diogo Moura (CDS-PP).
O autarca falava no âmbito da 1.ª sessão (de três) de um debate temático sobre “a política de gestão municipal do setor do comércio e do turismo em Lisboa e o estado atual destas áreas de atividade na cidade”, que ocorreu na Assembleia Municipal de Lisboa, por proposta do Partido da Terra — MPT.
Entre o painel de convidados estava o geógrafo Pedro Guimarães, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa, que disse que “o comércio de hoje do centro da cidade obedece às leis do mercado e está orientado para o consumidor que lhe traz mais rendimento: o turista”.
“A autenticidade, qualidade reconhecida como mais-valia do comércio, é hoje fabricada. Uma parte substancial do comércio daquela área é, de facto, uma cópia de uma realidade que já não existe”, apontou o geógrafo, referindo que existe uma taxa de rotação de lojas muito elevada, reflexo da sua falta de viabilidade económica, numa equação em que o elevado valor das rendas terá um papel muito relevante.
Defendendo uma visão do comércio articulada com o ordenamento urbano, Pedro Guimarães destacou a falta de poder do município de regular o tipo de comércio que se instala em qualquer artéria da cidade, o que, no seu entender “provoca disrupções”, indicando que “a mais visível” é hoje a “excessiva existência de lojas de “souvenirs””.
“Muitas vezes temos algum receio em falar nesta matéria”, disse o vereador Diogo Moura, referindo-se às lojas de “souvenirs” e ressalvando que não é preciso ter “nenhum tipo de postura negativa” contra estas lojas, porque “como qualquer loja pode ter produtos de qualidade ou de menos qualidade, não é o município, não é o Estado que tem de definir isso, é o consumidor é que tem de decidir”.
O autarca afirmou que esta questão das lojas de “souvenirs” deve ter “um olhar cuidado, sem qualquer tipo de outras discriminações, que não parecem muito positivas ter”, referindo que a câmara tem apelado nesse sentido, inclusive junto das entidades governamentais, após alertas da UACS – União de Associações do Comércio e Serviços e da AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal.
A lei do licenciamento zero, que facilita a abertura de estabelecimentos comerciais, foi apontada como responsável por esta situação das lojas de “souvenirs”, assim como a abertura de bares e espaços de diversão noturna em zonas onde não é permitido.
O vereador Diogo Moura defendeu “um reforço da fiscalização, para se verificar se os estabelecimentos estão a cumprir ou não com aquilo que são as regras”.
A presidente da UACS, Carla Salsinha, disse que a descaracterização do comércio na cidade de Lisboa é fruto da falta de política de ordenamento comercial e afirmou que o problema “não tem a ver só com as lojas “souvenirs””.
“Se contarmos o número de lojas de frutarias e “kebabs” e barbeiros que existem no eixo da Almirante Reis e da Morais Soares, percebem claramente que aquelas atividades económicas que ali estão e que geram a especulação imobiliária, em termos do arrendamento comercial, nada tem a ver ou com o turismo ou com a falta de visão. Tem a ver com outras atividades económicas paralelas que o Governo, o Estado, penso que está a tratar do assunto, mas tem de o resolver”, referiu.
Considerando que estes negócios “prejudicam os que lá trabalham, porque são pessoas que vêm para tentar sobreviver, mas que é claramente outra coisa que não o comércio”, Carla Salsinha reforçou o apelo: “Não podemos ter uma frutaria numa Morais Soares, que abre às 07:00 e que vende 3 quilos de banana a 50 cêntimos”.
A responsável da UACS recusou tratar-se de um discurso contra a imigração e afirmou que “o comércio dá “muito bem-vindo” aos imigrantes”, inclusive está a fechar um protocolo com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para receber imigrantes, dar-lhes formação e ajudá-los a integrarem-se no país.
Para falar da relação entre moradores e comércio, Fabiana Pavel, do movimento Morar em Lisboa, disse que é “urgente” repensar a abordagem e a gestão do comércio e do turismo, considerando que as duas atividades e as problemáticas que delas surgem estão “intrinsecamente ligadas”.
Apontando a gentrificação dos bairros, com a expulsão de moradores, seja pelo aumento das rendas seja pela perda de qualidade de vida, Fabiana Pavel lamentou a falta de comércio proximidade no centro da cidade, que está hoje “saturado por um certo nicho de comércio”, em particular restauração, bebidas e lojas de conveniência: “Os moradores das freguesias centrais não têm onde comprar um sabonete que não seja “gourmet””.
“A monocultura turística, com excesso de bares e restaurantes para turistas, está a trazer enorme desconforto a nível de higiene e ruído”, apontou.
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