Era na casa junto à praia em Albufeira que Nuno Carvalho passava as férias grandes. Em 2011, por decisão dos pais, o património algarvio da família, não uma mas duas moradias, passou para o nome do filho. A “prenda” saiu-lhe cara. Além das memórias de infância, Nuno acumulava agora um sem fim de contas para pagar. Quando se deparou com uma plataforma “engraçada” chamada Airbnb não pensou duas vezes. “Em 2011 só havia cerca de 30 casas registadas no Airbnb no Algarve”, lembra Nuno, em declarações ao Dinheiro Vivo.
A família continua a passar as férias em Albufeira, mas as casas deixaram de estar ocupadas apenas uma ou duas semanas por ano, para passarem a ter hóspedes todos os meses. Com o dinheiro que faz no alojamento local (AL), Nuno não paga só as despesas dos imóveis como ainda tira “um ordenado médio por mês”.
A história de Nuno Carvalho repete-se um pouco por todo o Algarve, a zona do país por excelência das segundas habitações dos portugueses. É também no sul do país que está concentrado 40% do alojamento local em Portugal. Coincidência? “Claro que não. Praticamente todo o alojamento local do Algarve é composto por segundas habitações”, afirma Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP).
Não só no Algarve. O mapeamento recente que a ALEP levou a cabo sobre o alojamento local em Portugal permite ir mais longe nas conclusões: “O alojamento local é um fenómeno essencialmente de segunda habitação. Se ao Algarve juntarmos o interior, as ilhas e as casas dos estrangeiros que as arrendam durante parte do ano, percebemos que mais de 80% do alojamento local em Portugal é feito de segundas habitações, ou seja, casas utilizadas pelos proprietários durante alguns dias e aproveitadas para rendimento nas alturas em que estão vagas”.
Só os grandes centros urbanos escapam à tendência. “Lisboa e Porto são um segmento específico do mercado. Nos centros históricos há de facto uma parcela de alojamento local de autoemprego, mas que não é a regra, é só a parte mais mediática”.
Lisboa e Porto concentram 29% do alojamento local em Portugal, segundo os dados da ALEP a que o Dinheiro Vivo teve acesso. Em números, significa que dos 75 500 AL registados no país, 21 900 estão nas duas maiores cidades.
Aqui, as segundas habitações pesam pouco, porque não existem. “Nas grandes cidades houve mais o aproveitamento de casas que estavam vagas”, explica Eduardo Miranda. A tese é corroborada pelas empresas especialistas na gestão de alojamento local.
“A maior parte dos AL em Lisboa pertencem a pessoas que compraram casas especificamente para investir no alojamento local. Há uma percentagem muito reduzida de proprietários que aproveitaram segundas habitações, porque os casos são raros. As segundas habitações convertidas em AL estão mais em zonas como Algarve, Sesimbra, Troia, Comporta ou Ericeira”, sublinha Inês Nobre, diretora-geral HostMaker.
Já no Algarve, “é quase tudo”, aponta Nuno Seabra, que desde 2012 se dedica à gestão de arrendamentos temporários no sul do país. “De todos os meus clientes, tenho dois que compraram para investir. O resto são casas de família ou herdadas que estão fechadas o ano todo e eram ocupadas uma semana por ano. Tenho um senhor de Coimbra que agora só vem para a própria casa se não tiver reservas. Caso contrário reserva outro AL para passar férias”.
O levantamento da ALEP, feito com base nos registos do Registo Nacional do Alojamento Local (RNAL), concluiu que 61% do AL está distribuído pelas zonas de praia e ilhas, “onde praticamente toda a oferta assenta em segundas habitações”. Já no interior, onde está 10% da oferta, há “uma boa parte” que também depende das segundas habitações dos portugueses.
Em Portugal, existem cerca de 1,1 milhões de segundas residências, segundo dados do INE. “É um numero impressionante face à dimensão da população. Estas casas têm uma taxa de utilização muito baixa, não chega a 30 dias por ano. Esta é uma das lógicas de racionalidade económica do AL. Com tantas casas vazias o ano inteiro, faz todo o sentido aproveitá-las para obter rendimento”, diz o responsável da ALEP. Para já, o AL representa 6,8% do total de habitações secundárias dos portugueses.
O mesmo levantamento permitiu perceber que o alojamento local já está presente em 293 concelhos portugueses, face a um total de 308, e em 1783 freguesias do país, 56% do total de 3092 freguesias.
“Houve um período em que quase todos os dias uma freguesia nova recebia um registo de AL. Pela primeira vez muitas aldeias têm a possibilidade de acomodar turistas. Isso cria uma pequena dinâmica que vai fixando a população e trazendo turismo de forma sustentável”, conclui Eduardo Miranda.
AL rende 11 mil euros anuais aos portugueses
Um estudo da consultora imobiliária Savills, feito em conjunto com a plataforma de arrendamento para férias HomeAway, coloca os portugueses no quarto lugar do ranking dos proprietários que mais ganham com arrendamento das suas casas secundárias.
Em média, cada proprietário amealha 11 mil euros por ano, menos que ingleses, espanhóis, italianos e franceses (ver info).
Segundo os mesmos dados, a que o Dinheiro Vivo teve acesso, 38% dos proprietários portugueses dizem “compensar parcialmente as despesas associadas” aos imóveis, enquanto 32% garantem obter benefícios extra. Só 13% “compensam tanto as despesas como a prestação ao banco”.
Os proprietários nacionais arrendam as suas segundas habitações em média durante 17 semanas por ano, menos que britânicos (27 semanas) e espanhóis (18 semanas), mas acima de italianos (14 semanas) e franceses (12 semanas).
Os portugueses que compraram uma segunda habitação no ano passado escolheram apartamentos com dois quartos com um preço médio de 177 mil euros. Portugal está ainda no segundo lugar da lista de intenções dos proprietários internacionais inquiridos pela Savills que planeiam, no futuro, vir a ter uma residência secundária. Só Espanha atrai mais investidores.
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