Não há saída desta crise sem aumento de impostos. A ideia é defendida pelo economista Luís Aguiar-Conraria, em entrevista à Renascença.
O professor da Universidade do Minho explica que a conta tem de ser paga, se não começarmos já, deixamos a fatura toda para o fim.
Aguiar-Conraria mostra ainda o cartão vermelho ao governo, por ainda não ter apresentado um plano para a recuperação do atraso no ensino, e outro cartão vermelho a Bruxelas, pela gestão “desastrosa” das vacinas.
Na semana em que vai lançar o seu novo livro “A Culpa Vive Solteira”, o economista minimiza, ainda, o impacto da bazuca europeia.
Porque em 2022 já vai chegar tarde e porque não confia nos políticos para determinarem as prioridades de investimento.
No Livro “A Culpa Vive Solteira” levanta as questões incómodas, é mordaz e mesmo satírico, aplica os conceitos económicos a tudo o que nos rodeia, sem o típico jargão, e vai sempre um pouco mais além. Não teme sair do contexto? É um risco assumido? Qual é o principal objetivo, despertar consciências?
Honestamente, o principal objetivo quando escrevo é divertir-me e gosto de pensar que pessoas inteligentes que leiam o que escrevo também se divirtam e, sendo verdade, concordo que às vezes corro o risco de ficar fora do contexto, especialmente quando vou para assuntos que não são de economia. Muito honestamente, também conto com o leitor para me dar o devido desconto, quando achar que estou a “pôr a foice em ceara alheia”.
E porquê este título, “A Culpa Vive Solteira”?
Este título, por acaso, surgiu na sequência até de uma conversa que tive com um colega, antes de ir gravar um programa na Renascença! Cruzámo-nos na rua, ele perguntou-me o que é que vais fazer, disse-lhe que ia para a Renascença, discutir assuntos da Caixa Geral de Depósitos, ele disse-me: Luís, no programa faz favor de dizeres isto, “em Portugal a culpa não morre solteira, a culpa vive solteira!” Que é o que se passa aqui no caso da Caixa Geral de Depósitos.
Acho que está muito bem-apanhado e capta um dos problemas do nosso país, que é a falta de responsabilização, das instituições e das pessoas. Nós em Portugal, muitas vezes, procuramos culpados e esquecemos que, mais importante do que encontrar culpados, é haver pessoas e instituições responsáveis.
Além dos responsáveis há também os que ficam a ganhar. Quem está a beneficiar com esta crise?
Não quero demonizar quem ganha! Há uns que perdem mais do que outros. Agora, ganhar mesmo, ganham as farmacêuticas, as empresas que inventam as vacinas, as produtoras de álcool gel, máscaras e afins. Mas, não quero demonizar estas empresas, são essenciais e é graças a elas que vamos sair da crise. Também há quem perca mais. Há quem perca muito e há quem perca pouco.
E do ponto de vista político?
Ainda temos de avaliar, para já ainda estamos no “meio da guerra” e há uma tendência para a população se agregar em torno do governo, é quase que uma ação patriótica. Mas, quando isto passar, esperamos que já não falte muito e dentro de uns meses estejamos todos ou quase todos vacinados, nessa altura virá a componente da responsabilização política e analisar-se-á melhor quais foram os erros e o que foi bem feito. Aí haverá lugar à responsabilização, penso eu! Ainda é cedo para dizer quem é que vai ganhar e perder.
Já é famosa uma frase que começou por dizer num artigo de opinião no Expresso e na televisão, surge agora em substituo neste livro, em que deixa a ideia de que o défice não deve ser prioritário, este é o tempo de ajudar quem precisa. Mas teremos de escolher: ou aumentamos o défice ou os impostos. O que é que deverá acontecer?
É isso mesmo. O défice, neste momento, não é prioritário. Mas tenho de sublinhar que neste momento, é mesmo neste momento. Quando isto passar, depois é necessário pagá-lo. “Não há aqui almoços grátis”, como se costuma dizer em economia.
Temos de apoiar quem precisa, temos camadas da população a entrar na miséria, muitas pessoas que vivem com muitas dificuldades e não podemos regatear esforço para apoiar estas pessoas.
Pessoalmente, gostaria que este financiamento fosse já um mix: de défice, que se traduz em dívida, com um bocadinho de aumento de impostos, para responsabilizar as pessoas pelas opções que tomam. Para eu ter noção de que quando quero mandar pessoas para casa, confinadas, quando quero impedir que as empresas abram, isso me vai custar alguma coisa e que eu tenho de pagar para ter esse serviço.
Se não se aumentar já os impostos e se aumentar apenas o défice, no fim, daqui a uns tempos, teremos de pagar na forma de impostos, de qualquer forma. É só um adiar de despesa.
Estamos a falar de que impostos?
Essa pergunta é mais difícil. Idealmente, apesar de ser difícil de fazer, quem deveria pagar mais impostos seriam as empresas que ganharam com a crise (farmacêuticas, produtoras de máscaras e álcool gel, etc.), por uma questão de justiça social. Do ponto de vista das pessoas, não há grande volta a dar, temos impostos progressivos e quem ganha mais também paga mais, no nosso sistema fiscal.
IRS, portanto?
Mais IRS sobre os trabalhadores e mais IRC para as empresas.
Afasta o agravamento do consumo? O aumento do IVA, do ISP (impostos sobre os combustíveis)?
Não tinha pensado nesses termos, mas, pessoalmente, prefiro os impostos sobre o consumo a impostos sobre o rendimento.
O imposto é sempre algo desagradável. Do ponto de vista da sustentabilidade económica e ambiental, faz mais sentido penalizar o consumo do que propriamente o rendimento das pessoas.
Não tinha pensado nisso, mas sim, o consumo também! Porque não?
Há países como Espanha e Itália que já aplicam a Taxa Tobin (taxa sobre as transações financeiras), a França introduziu um imposto sobre a compra de ações. Esta podia ser uma solução para Portugal e para os restantes países comunitários?
Esse é um caminho. Seria difícil para já Portugal avançar, mas, no âmbito europeu, em que vários países avançassem, acho que sim. Há décadas que já se fala da Taxa Tobin, aproveitar uma época como esta para a implementar, pode ser uma boa ideia, para não serem sempre os mesmos a pagar os impostos.
Mas, também gostaria de chegar àquelas empresas em que geralmente não se chega. Nós queixamo-nos muitas vezes que há determinado tipo de empresas que são muito difíceis de taxar, penso que um esforço coordenado, a nível europeu, talvez conseguisse chegar a essas empresas.
Como por exemplo?
Não vou concretizar.
Mas estamos a falar de multinacionais? Com sede fiscal no exterior?
Sim, sim. Multinacionais, com sede lá fora, contas em vários offshore que lhes permitem fugir a vários tipos de impostos, fazem planeamento fiscal de forma a pagar menos impostos.
Não acredito que Portugal consiga ir a essas empresas, mas se a Europa, num esforço coordenado, idealmente até a nível internacional, conseguisse chegar a essas empresas, seria perfeito.
As atenções estão agora concentradas na bazuca Europeia. Acredita que esta ajuda vai atacar a desigualdade, que está em crescimento?
Acho difícil. A bazuca europeia, como está a ser desenhada, é como já foram desenhados vários outros programas europeus. Portanto, é uma camada burocrática, com burocratas europeus e depois uma camada burocrata nacional, de políticos e de funcionários, que decidem quais são os sectores promissores para investir.
Se eu fosse alemão talvez tivesse mais confiança numa política destas, em Portugal tenho pouca confiança nisso, acho que se vai criar mesmo uma camada de burocracia, vamos ter várias empresas a concorrer a fundos em vez de procurarem produzir os melhores produtos possíveis e encontrar procura para os seus produtos, vamos ter empresas especializadas em apanhar fundos europeus.
Isto são os vícios da nossa economia, que se irão aprofundar, pelo menos tenho medo que isso aconteça.
Preferia um sistema mais como o americano, em que se apoiaram diretamente as pessoas, através de cheques, e depois essas pessoas gastam onde querem. O que quer dizer que as empresas, para conseguirem ganhar dinheiro, terão de satisfazer esses potenciais consumidores. É um sistema de incentivos completamente diferente daquele que está a ter criado na Europa, em que as empresas terão como incentivo ir buscar subsídios europeus.
Nem a quantidade de grupos de trabalho e equipas que estão a ser criadas, a última a ser conhecida vem da Presidência da República, um grupo de especialistas que vai vigiar a execução da bazuca. Este tipo de medidas não o convence?
É bom que exista esse tipo de medidas, face à bazuca europeia que aí vem. Um dos problemas do nosso país é a falta de transparência, portanto, tudo o que sejam grupos de trabalho que permitam aumentar a transparência, obviamente que irão contribuir para que diminuam as fraudes. Mas, o fulcro do que referi não é resolvido assim.
Mesmo que não haja qualquer fraude, mesmo que os dinheiros sejam atribuídos com toda a transparência possível, continua a ser verdade que as empresas terão como objetivo nos próximos anos ir buscar subsídios à União Europeia, em vez de terem como objetivo encontrar produtos que tenham boa saída no mercado. Portanto, nós teremos de confiar nos burocratas europeus e nacionais, para escolherem bem os setores onde vai ser feito o investimento. Eu não confio nos políticos para esse tipo de tarefas, acho que geralmente se enganam.
Tendo em conta esta análise, a bazuca chega com menos poder de fogo?
Neste momento, já quase que sem faz muito sentido falar nisso. Já estamos a perceber que o dinheiro da bazuca vai começar a chegar em 2022. A crise começou há um ano, no início de 2020, estamos neste momento a acabar o primeiro trimestre de 2021, já veio algum dinheiro europeu, mas é pouco relativamente ao que se fala no âmbito da bazuca.
Em 2022, todas as situações de emergência já ficaram para trás. Nós tivemos de apoiar as pessoas, senão em 2022 já morreram de fome! Portanto, em 2022, quando chegar este dinheiro, já não estamos a falar de bazuca para recuperar da crise, mas sim de política industrial, como já houve muitas: o Quadro 2020, o QREN, etc.
Desde 1985 que já houve vários planos destes. Este plano, claro que envolve bastante dinheiro, mas não é nada de absolutamente extraordinário nem é nenhum corte radical com o passado. Para combater esta crise, em concreto, já virá tarde. Em 2022 espero que já estejamos todos vacinados e a economia em velocidade de cruzeiro.
Neste livro defende que só a competitividade e a redistribuição podem combater as desigualdades, agora gravadas pela globalização e pela revolução tecnológica, isto exige uma nova direita e uma nova esquerda. Encontra essa abertura em Portugal?
Geralmente, quando da publicação de alguns desses artigos recebi e-mails, de governantes e tudo, a elogiá-los, mas depois na prática não vejo grande impacto.
Os artigos são sempre bem acolhidos?
Por exemplo, uma ideia que lanço para o ar é aumentar muito o IVA, por contraposição de baixar os outros impostos. Quem nos estiver a ouvir que não pense que eu estou a defender um aumento dos impostos, estou simplesmente a defender uma substituição dos impostos. Neste caso, um aumento muito forte do IVA, que depois explico como podíamos fazer de forma a que este imposto não fosse regressivo, para que se alcançasse a justiça social. Também não fiquem com essa má ideia da proposta.
Mas, também compreendo que, o que me parece ser uma boa ideia, só seria exequível, se fosse aplicada internacionalmente, pelo menos com vários países europeus em simultâneo. Um bocado como a Taxa Tobin, ou ainda mais.
Este é apenas um dos vários subtítulos sugestivos que tem no livro, outro é: “Rendimento básico incondicional? Vai, mas é trabalhar!” Mas, ao contrário do que este título sugere, conclui que esta não será uma solução perversa.
Não e, de certa forma, entronca com o que estávamos a falar dos Estados Unidos. Durante esta crise pandémica, grande parte dos apoios que os Estados Unidos deram às pessoas foi muito parecido com o rendimento básico incondicional. O que os americanos fizeram foi apoiar diretamente cerca de 80% da população, portanto, não é incondicional, mas é incondicional para grande parte da população. E funcionou bem, as desigualdades este ano diminuíram nos Estados Unidos, as pessoas puderam pagar as dívidas, se calhar entram numa nova fase do ciclo económico em melhor situação do que os europeus.
O problema do rendimento básico incondicional é que obriga a fazer escolhas. Se eu vou dar dinheiro a todas as pessoas, em vez de ter vários programas setoriais de apoio à pobreza, Isso implica que eu tenha de cortar uma série de programas e, portanto, é preciso fazer escolhas, que poderão não ser fáceis.
Podemos pensar em soluções mais radicais e soluções menos radicais. Podemos simplesmente cortar todo e qualquer programa de apoio aos mais pobres e substituir por um rendimento básico incondicional generoso ou só cortar alguns e o Rendimento básico ser uma coisinha pequenina, do género de 100€ ou 50€ por mês.
Agora, a principal crítica que costuma ser feita a esta ideia, o rendimento básico incondicional, que é a de que se as pessoas o tivessem já não iriam querer trabalhar, é importante, mas parece ser desmentida pela maioria dos estudos que já foram feitos sobre o assunto.
É a segunda vez que faz comparações com a resposta norte-americana à pandemia. Que balanço faz da reação comunitária a esta crise?
A gestão das vacinas é um desastre, não há outra forma de o dizer. Do conjunto de países envolvidos, a União Europeia deve ser a que mais atrasada está. Os nossos dirigentes não conseguiram perceber a importância da vacinação e que pagar um bocadinho mais caro pelas vacinas é, se calhar, preferível, a demorar mais dois ou três meses para atingir a imunidade de grupo. Por cada mês que passa, sem nós atingirmos a imunidade, e estarmos com confinamentos – neste momento temos a Itália a confinar, temos a Alemanha outra vez a anunciar – tudo isto tem custos económicos que vão muito para além de pagarmos mais quatro ou cinco euros por vacina.
Até novembro, ou dezembro, penso que a Europa nos surpreendeu pela positiva! Por muitas críticas que eu faça, e faço, acho que apesar de tudo foram melhores do que aquilo que eu estava à espera. Houve mobilização dos países, houve coordenação. A nível institucional, quer o Banco Central Europeu, quer agora a Comissão Europeia permitiram falarmos agora da dívida europeia e da bazuca. Tudo isso foi muito para além do que já tinha sido feito até hoje.
Para terminar, esta pandemia está a atacar o emprego menos qualificado, mal pago e os jovens, segundo as estatísticas nacionais. Que país vamos ter no final desta crise?
Um país a esse nível, com essas desigualdades exacerbadas, nós já éramos um dos países mais desiguais da União Europeia, senão o mais desigual, corremos o risco de isso piorar.
A isso tudo acrescentamos o facto de as crianças terem perdido imensos meses de escola, portanto, o elevador social que representa a escola esteve avariado durante este tempo e não há nenhum anúncio de um plano de recuperação que permita reduzir as desigualdades que vão ser geradas – penso que esta é a principal falha do lado do governo.
Só para termos uma ideia, no PRR português estão previstos 500 milhões de euros para computadores. Na Holanda, estão previstos 8,5 mil milhões de euros extra para a educação, só para recuperar do atraso causado pela pandemia. E a Holanda é um país com 17 milhões de habitantes, portanto, não é um país enorme. Isto dá a dimensão da falta de consciência que há em Portugal sobre os atrasos provocados na educação, que vão ter impactos nas próximas décadas.
E no trabalho?
Claro que as desigualdades aumentaram, vai depender de como for a recuperação económica para o próximo ano. Isso eu não consigo prever.
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