O orçamento previsto para a distribuição gratuita de manuais escolares a todos os alunos do ensino obrigatório está 100 milhões abaixo da despesa estimada para o próximo ano letivo, revela uma auditoria do Tribunal de Contas.
Esta é uma das conclusões da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas (TdC) ao programa do Governo que este ano disponibilizou gratuitamente manuais aos cerca de 500 mil alunos do 1.º e do 2.º ciclos.
No próximo ano letivo, a medida será alargada a todos os estudantes do ensino obrigatório que frequentem escolas públicas e estima-se que custará cerca de 145 milhões de euros.
No entanto, o orçamento do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE) para 2019 é de apenas 47 milhões de euros, ou seja, as verbas cobrem apenas cerca de um terço das necessidades.
O orçamento do IGeFE prevê apenas a oferta de manuais aos alunos do 1.º e 2.º ciclos, mas o estabelecido na Lei do Orçamento do Estado para 2019 define o alargamento até ao 12.º ano.
Perante este contexto, o TdC recomenda ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que garanta “a inscrição no Orçamento do Estado das dotações apropriadas à execução da medida”.
A suborçamentação não é um problema apenas para o futuro, tendo acontecido também este ano letivo: a distribuição gratuita de manuais custou 29,8 milhões de euros aos cofres do Estado, mas foram orçamentados apenas 28,7 milhões de euros, o que “se revelou insuficiente” face ao necessário para a sua execução, lê-se no relatório a que a Lusa teve acesso.
Esta diferença deveu-se ao facto de estarem orçamentadas verbas apenas para comprar manuais para os alunos do 1.º ciclo e o Governo ter entretanto decidido alargar a medida aos estudantes do 2.º ciclo.
A agravar esta diferença está o facto de em março de 2019 permanecerem “em dívida às livrarias pelo menos 3,1 milhões de euros”, segundo o relatório.
No entanto, no contraditório, o Ministério da Educação salientou que “o valor identificado como dívida pode ser somente o reflexo do desfasamento temporal entre o registo contabilístico por parte das escolas”.
As regras definiam que o pagamento às livrarias deveria ter acontecido entre setembro e outubro do ano passado, com o TdC a reconhecer que, apesar de dificuldades reportadas pelas escolas, “a insuficiente orçamentação (…) constitui o fator determinante para a existência da dívida”.
Desde que a medida foi criada, em 2016, as verbas têm vindo a aumentar assim como os alunos abrangidos: no ano letivo de 2016/2017 chegou apenas aos estudantes do 1.º ano do 1.º ciclo e no ano seguinte foi alargado aos quatro anos do 1.º ciclo.
Outro dos problemas referidos na auditoria foi o mau funcionamento das plataformas que tratam da distribuição de manuais. A consequência foi o atraso na disponibilização dos vales necessários para levantar os livros, “prejudicando a eficácia da medida”.
Perante as falhas detetadas, o TdC recomenda ao ministério que promova “a interoperabilidade das plataformas dos serviços centrais e das escolas, com informação atualizada, essencial à eficácia da medida”.
Apenas 4% dos manuais dados aos alunos são reutilizados
O Tribunal de Contas alertou para a fragilidade da sustentabilidade do programa de “Gratuitidade dos manuais escolares”, tendo em conta que a percentagem de manuais reutilizados este ano letivo foi inferior a 4%.
Esta é uma das conclusões do relatório do Tribunal de Contas (TdC) que analisou a eficácia da implementação da medida do Ministério da Educação que, este ano letivo, chegou a 528 mil alunos do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico.
A ideia do programa é que os manuais comprados pelo Ministério da Educação sejam reutilizados até três anos, mas o TdC considera que a “fraca reutilização” que aconteceu este ano poderá pôr em causa a sustentabilidade do projeto.
“Não ultrapassou 11% no 1.º ciclo, 0,4% no 2.º ciclo e 115 escolas não procederam à reutilização. Também se desconhece quantos manuais reutilizados se encontravam, efetivamente, em utilização”, lê-se no relatório do TdC.
No verão do ano passado, foram emitidos cerca de 2,8 milhões de vales (cada vale corresponde a um livro), para que as famílias dos alunos do 1.º e 2.º ciclo não tivessem de gastar dinheiro com manuais.
Do total de vales, 2,7 milhões eram livros novos e 107 mil eram reutilizados, ou seja, apenas 3,9% dos manuais que o Ministério da Educação pretendia entregar aos alunos já tinha sido usado.
No entanto, não se sabe quantos manuais usados chegaram a ser levantados pelos encarregados de educação e estão efetivamente a ser usados pelos alunos.
Quanto aos livros novos, cerca de 20% dos vales também não foram levantados, o que significa que dos 2,8 milhões de manuais oferecidos pelo ministério, 2,1 milhões chegaram a 436 mil alunos.
“Estando a reutilização de manuais associada à economia da medida, a sua fraca expressão, se recorrente, resultará num esforço acrescido do Orçamento do Estado no financiamento da medida e comprometerá a sua sustentabilidade”, salienta o TdC.
Para o TdC, a medida encontra-se “comprometida quanto à eficácia e quanto à economia, por a modalidade de empréstimo de manuais não ter sido apropriadamente estruturada e garantida”.
Este ano letivo, o Governo gastou cerca de 29,8 milhões com os manuais e 9,5 milhões com licenças digitais.
Entre as razões apontadas para a fraca reutilização esteve o acréscimo de trabalho para as escolas (a quem cabe várias tarefas, como avaliar o estado de conservação dos manuais) e o facto de o ministério ter optado por não reutilizar os manuais no 2.º ciclo (5.º e 6.º anos), para que todos os alunos se encontrassem em condições de igualdade no primeiro ano de implementação da medida neste ciclo.
A inexistência de procedimentos uniformes e precisos também terá sido um dos motivos para a fraca reutilização, segundo o TdC que indicou ainda o facto de não ter existido controlo sobre os manuais reutilizados de forma a que os que se encontravam em bom estado pudessem ser colocados no circuito de distribuição.
Os relatores reconhecem que, entretanto, o Ministério da Educação já fez um caminho no sentido de tentar contrariar a situação, através da criação do “Manual de Apoio à Reutilização de Manuais Escolares”, que é “inovador”, já que tenta estimular a reutilização através da atribuição de prémios às escolas que se destaquem.
Os auditores entendem que se o instrumento criado pela tutela for adequadamente implementado terá “vocação para corrigir ineficiências identificadas pela auditoria, nomeadamente as respeitantes à recolha e triagem de manuais e à faturação”, mas adverte que “não define procedimentos concretos para um efetivo acompanhamento e controlo de reutilização”.
Em sede de contraditório, o Ministério da Educação defendeu que os “107 mil manuais relativamente aos quais foram emitidos os ‘vouchers’ são a tradução efetiva da economia da medida”.
“Ou seja, a economia da medida é garantida a partir da emissão dos ‘vouchers’, não dependendo da sua aceitação pelos pais. Isto é, a partir do momento em que um ‘voucher’ de manual reutilizado é emitido, esse manual não é pago de novo”, refere o ministério.
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