Partilhareste artigo
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou esta sexta-feira que vai dissolver a Assembleia da República (AR) e convocar eleições legislativas a 10 de março de 2024. No entanto, o Chefe de Estado permite que a AR continue em plenas funções para a votação final e global da proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) a 29 de novembro – só depois dessa data o parlamento será dissolvido e o atual Governo exonerado.
Relacionados
“Optei pela dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições em 10 de março de 2024”, declarou o chefe de Estado, numa comunicação ao país a partir da Sala das Bicas do Palácio de Belém, em Lisboa. A exoneração do primeiro-ministro demissionário, António Costa, deverá ser formalizada apenas em “inícios de dezembro”. Posteriormente, será dissolvida a atual formação partidária da AR.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, os partidos com representação na AR mostraram-se “claramente favoráveis” a esta decisão. Já no Conselho de Estado houve “um empate e, portanto, não favorável à dissolução”. “Situação, aliás, que já ocorrera no passado com outros chefes de Estado”, disse o Presidente da República.
Acresce “a natureza do voto nas eleiçõe de 2022”. Segundo o Presidente da República, a maioria absoluta atual do PS está “personalizada no primeiro-ministro, com base na sua própria liderança, candidatura, campanha eleitoral e esmagadora vitória”. “Assim o disse logo em 30 de março do ano passado no discurso de posse do Governo, ao falar em eventual substituição a meio do caminho, sublinhando o preço das grandes vitórias inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas”, recordou.
Não obstante a decisão de dissolver a AR, e tendo em conta a data anunciada para as novas eleições legislativas, o Chefe de Estado cria condições para que a apreciação do OE2024 prossiga e o orçamento para o próximo ano seja aprovado, no final deste mês. O OE2024 tem aprovação garantida devido à maioria absoluta do PS. Aliás, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que adiará a publicação do decreto de demissão de António Costa para permitir a aprovação do OE2024.
Subscrever newsletter
O Presidente da República sustentou a decisão anunciada com o argumento de que “a aprovação do Orçamento do Estado permitirá ir ao encontro das expectativas de muitos portugueses e acompanhar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR] que não para, nem pode parar com a passagem do Governo a Governo de gestão ou mais tarde com a dissolução da Assembleia da República”.
Após a aprovação na AR, o OE2024 entrará em vigor a 1 de janeiro de 2024. O documento, que está a ser na fase de debate na especialidade na AR, ou seja está ser discutido medida a medida em sede de comissão parlamentar, prevê medidas como a atualização dos limites dos escalões do IRS em 3% e a redução das taxas dos primeiros cinco escalões e incorpora o pacote Mais Habitação. Prevê também a alteração das regras de tributação, em sede de IUC, para os veículos da categoria A de matrícula anterior a 2007 e motociclos ou a revogação do regime dos residentes não habituais.
Por um lado, Marcelo Rebelo de Sousa permite a aprovação do OE2024 como uma “garantia da indispensável estabilidade económica e social [do país]”. Por outro, não permite que a maioria parlamentar do PS sustente outro Governo sem ir a eleições, porque – entendeu o Presidente da República – será melhor pedir “maior clareza e vigoroso rumo” ao país, para “superar um vazio inesperado que surpreendeu e perturbou tantos portugueses, afeiçoados que se encontravam aos oito anos de liderança governativa ininterrupta”. Como? “Devolvendo a palavra ao povo sem dramatizações e sem tumores”.
Para o Chefe de Estado, seria uma “fraqueza” permitir a “formação de novo Governo, com a mesma maioria mas não legitimado pelo povo, à semelhança do que aconteceu no passado”. “É essa a força da democracia, não ter medo do povo”, realçou.
Aludindo ao que ocorreu entre 2004 e 2004 – quando Durão Barroso deixou de ser primeiro-ministro para assumir a presidência da Comissão Europeia e Jorge Sampaio, Presidente da República de então, permitiu que a coligação PSD/CDS indicasse Santana Lopes para chefiar o Governo, situação que durou escassos meses até à dissolução da AR -, Marcelo Rebelo de Sousa disse que seria um “risco” repetir tal cenário. “[Iria] redundar num mero adiamento da dissolução do partido [mais] popular, com situação mais crítica e desfecho mais imprevisível, vivendo o Governo até lá como um Governo presidencial, isto é, suportado pelo Presidente da República”. “E o Presidente da República como um inspirador partidário. Tudo enfraquecendo o papel presidencial num período sensível em que ele deve ser, sobretudo, uma referência interna e externa”, argumentou.
Marcelo elogia Costa e deixa aviso ao Ministério Público
“Agora, do que se trata é de olhar em frente, estugar o passo, escolher os representantes do povo e o Governo que resultará das eleições”, sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa.
Mas até lá – ou seja, até novas eleições – António Costa e o atual Governo mantêm-se em funções. E nesse sentido, o Chefe de Estado manifestou apreço pelo trabalho desenvolvido por António Costa nos últimos oito anos.
“Pela primeira vez em democracia, um primeiro-ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas à investigação [do Ministério Público] em curso, respeitando a terceiros, uns seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça. De imediato [António Costa] apresentou a sua exoneração, invocando razões de dignidade indispensável à continuidade do mandato em curso. Antes do mais, quero sublinhar a elevação do gesto e da respetiva comunicação aos portugueses. Quero também testemunhar o serviço à causa pública durante décadas, em particular nos longos e exigentíssimos anos de saída do déficit excessivo, saneamento da banca, pandemia, guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, na chefia do Governo de Portugal. E ainda a disponibilidade para assegurar as funções até à substituição nos termos constitucionais”, disse.
Feita consideração à atitude pública do atual chefe de Governo, o Presidente da República deixou uma subtil mensagem ao Ministério Público. “Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático”.
António Costa pediu na terça-feira a demissão ao Presidente da República. O primeiro-ministro demissionário é alvo de uma investigação do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos num processo sobre negócios de lítio e hidrogénio terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos projetos investigados.
O Presidente convocou na quarta-feira os partidos para uma ronda de audiências no Palácio de Belém, em Lisboa, e reuniu hoje o Conselho de Estado. António Costa já veio a público recusar a prática “de qualquer ato ilícito ou censurável” e manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça “em tudo o que entenda necessário”.
Deixe um comentário