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O Governo não impediu a venda das barragens da EDP ao consócio liderado pela Engie porque “não quis”, sublinhou, nesta terça-feira, na comissão parlamentar de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, sublinhando que vê com “bons olhos” o negócio.
“Que não haja a mínima dúvida. O Governo não impediu o negócio porque não quis. Porque vemos mesmo com bons olhos a diversificação dos donos das fontes de energia, neste caso renovável, que são comercializadas em Portugal”, sublinhou João Matos Fernandes em resposta aos deputados. E acrescentou: “Eu não tenho nada contra a EDP, empresa claramente monopolista, ser menos do que aquilo que era. Mesmo nada contra”.
Já antes, e em resposta à deputada Mariana Mortágua, que questionara, na sua intervenção inicial, porque é que o Governo, “que sabia que havia risco de fuga aos impostos, não travou o negócio” nem exerceu o seu direito de preferência no mesmo, Matos Fernandes deixou claro que o Estado “não tinha e não tem interesse em fazer exercer o direito de preferência” no negócio das barragens, já que “teria de desembolsar à cabeça 2,2 mil milhões de euros, sem garantia de ser ressarcido de tal quantia noutro concurso de concessão”.
A audição no Parlamento dos ministros do Ambiente e das Finanças foi requerida pelo Bloco de Esquerda, que considera que a EDP montou um “mecanismo complexo ao abrigo da figura da “reestruturação empresarial”” para “evitar o cumprimento das obrigações fiscais decorrentes deste negócio”. O partido tem defendido que, à luz deste negócio, deviam ter sido pagos 110 milhões de euros em Imposto do Selo e lembra que a alteração ao artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) foi introduzida pelo Orçamento do Estado de 2020 (OE2020). Até aí este “não isentava de Imposto de Selo a transmissão de concessões no caso de reestruturações empresariais”.
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Já o Grupo Parlamentar do PSD apresentou, ontem, uma proposta para eliminar a redação atual do artigo 60.º do EBF, defendendo que seja reposta a formulação em vigor até ao OE2020. Além disso, entregou na Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de averiguação deste negócio das barragens, acusando o Governo de ter favorecido a empresa, concedendo-lhe uma “borla fiscal”.
Em causa está a venda de seis barragens na bacia hidrográfica do Douro – Feiticeiro, Miranda, Bemposta, Picote, Baixo Sabor e Foz-Tua – pela EDP ao consórcio liderado pela Engie, um negócio no valor total de 2,2 mil milhões de euros.
Matos Fernandes esteve já na comissão parlamento do Ambiente a falar sobre esta operação, em janeiro, tendo então defendido tratar-se de uma operação entre privados, pelo que “não tinham as entidades públicas o direito de reclamar qualquer contrapartida”.
Na mesma altura, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, argumentou que as barragens têm o estatuto de “utilidade pública”, integrando, por isso, o inventário geral do património do Estado, pelo que não estão sujeitas aos impostos de património, como o IMI (imposto municipal sobre imóveis) ou o IMT (imposto sobre transmissões onerosas), e, consequentemente, não há lugar ao pagamento do imposto do selo. Pelo menos na verba relativa à transmissão de imóveis.
Já quanto ao imposto do selo relativo à transmissão de concessões, que é o que está em causa no negócio das barragens, em que foi feito um trespasse, António Mendonça Mendes disse então que este é um imposto “autoliquidado pelo contribuinte”, e que é declarado até ao dia 20 do mês seguinte à realização da operação. “A sua incidência dependerá da configuração jurídica da operação”, frisou.
A semana passada, foi a vez do presidente executivo da EDP, Miguel Stilwell d’Andrade, defender que a empresa “cumpre escrupulosamente a lei” e que a operação de venda de seis barragens na bacia hidrográfica do Douro “não foi exceção”.
Anunciada em dezembro de 2019, a venda das seis barragens na bacia hidrográfica do Douro ao consórcio liderado pela Engie foi concluída um ano depois, a 17 de dezembro de 2020. A operação foi aprovada pela Agência Portuguesa do Ambiente a 13 de novembro de 2020. Mas não só. Miguel Stilwell lembrou que a transação foi objeto de “escrutínio rigoroso” e de aprovação das entidades competentes, designadamente da Comissão Europeia, da Direção Geral de Energia e Geologia e da REN – Redes Energéticas Nacionais.
Ainda antes da conclusão do negócio já o Movimento Cultural da Terra de Miranda alertava para o risco de “um negócio desta dimensão estar sempre sujeito a tentações de recurso a esquemas de planeamento fiscal, tendentes a evitar a aplicação do paradigma fiscal vigente”. E desde então não mais parou de acusar o Governo de ter dado uma “borla fiscal” à EDP de 300 milhões de euros, 110 milhões dos quais referentes a imposto do selo.
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