Partilhareste artigo
A carga fiscal prevista para este ano pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, vai registar a segunda maior redução de que há registo nas séries oficiais, indicam dados do próprio governo, no Programa de Estabilidade até 2027 (PE 2023-2027), enviado na segunda-feira a Bruxelas e ao Parlamento português.
A maior diminuição aconteceu em 2009, no tempo do governo de José Sócrates, mas num contexto bastante diferente do atual: há 14 anos, a economia estava em recessão (caiu mais de 3% em termos reais nesse ano), apesar da inflação ter sido negativa. O desemprego estava acima de 9% da população ativa e a caminho de máximos históricos, depois atingidos no tempo da troika e do governo PSD-CDS.
Nesse ambiente depressivo, 2009 foi marcado por uma erosão significativa da atividade económica, da faturação das empresas, do consumo das famílias, por a desemprego em flecha, logo as receitas fiscais e contributivas sofreram um pesado revés, mais até do que o produto interno bruto (PIB) na altura, o que chega para explicar o recuo de quase 1,6 pontos percentuais do PIB na referida carga.
Agora não é assim. A inflação está muito alta e as taxas de juro a subir para tentar arrefecer este ambiente inflamado. Mas houve uma ameaça de recessão, cenário que o ministro das Finanças descarta quase totalmente.
“Os riscos de recessão em 2023 estão afastados”, tendo em conta os indicadores disponíveis e a economia teve um arranque de ano melhor do que se esperava, devendo crescer 0,6% em termos reais no primeiro trimestre face aos últimos três meses de 2022, disse Fernando Medina anteontem, no Parlamento.
Subscrever newsletter
O ministro parece convencido de que este ano o crescimento vai surpreender pela positiva, tendo destacado o impulso de “um maior crescimento das exportações” e de “um menor crescimento das importações. Enalteceu a força do turismo, para não variar.
E assim, afastou a sombra de uma recessão e disse que a retoma já está a acontecer este ano. “A economia teve um comportamento bastante melhor no último trimestre de 2022 do que se esperava”, altura em que o crescimento trimestral (em cadeia) foi de 0,3%, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Uma crise diferente
Antes de chegarmos aqui, a crise começou de forma galopante. Num primeiro momento, o crescimento económico tornou-se anormalmente elevado e assim foi no ano passado como um todo, propulsionado por uma inflação nunca vista na História moderna recente. É preciso recuar ao início dos anos 90, ainda Portugal não estava no euro, para encontrar uma subida de preços mais agressiva do que esta.
Este impulso inflacionista, primeiro de origem importada, externa, global — primeiro por causa de ruturas nas cadeias de abastecimento do comércio mundial, depois com o começo da guerra da Rússia contra a Ucrânia, que fez saltar os preços da energia e dos alimentos — apanhou de surpresa muitos dos países. Uma inflação de dois dígitos como a que se viu em 2022 é um fenómeno raro nas últimas décadas.
Mas, como dito, a inflação, num primeiro momento, permitiu às empresas aumentar muito a faturação e as margens, como já fizeram questão de sublinhar vários estudos do Banco de Portugal, da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional. O governo também confirma que foi isso que aconteceu.
Nesta primeira etapa da crise, em 2022, o Estado e a Segurança Social também ganharam com isso. Mais faturação, mais lucros e o emprego que continuou a aumentar ao longo do ano passado, fez disparar de sobremaneira a receita de IRC (pago pelas empresas sobre as margens e lucros) e de IVA (pago pelos consumidores finais).
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo a partir de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), no ano passado, a subida da carga fiscal e contributiva num equivalente a 0,33 pontos percentuais (p.p.) do PIB foi essencialmente alimentada pela subida de 0,98 p.p. na carga de IRC e de 0,53 no IVA. A carga de IRS subiu apenas marginalmente, cerca de 0,09 pontos, indicam as contas com base nos dados mais recentes do INE.
Impostos sobem com a maré
“A receita do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) cresceu 59,6% em 2022, após ter descido 6,5% em 2021. O aumento nominal de IRC em 2022 foi de 2,897 mil milhões de euros, mais do que ultrapassando os valores registados no período da pré-pandemia, refletindo o comportamento mais favorável da economia portuguesa” no ano passado, explica o INE.
Também em 2022, “o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) representou 61,5% das receitas com impostos indiretos (58,4% em 2021). A receita deste imposto ascendeu a 22,6 mil milhões de euros, mais 3,452 mil milhões de euros que no ano anterior, correspondendo a um aumento de 18,1% (aumento de 13,7% no ano anterior)”, diz o instituto.
” O desempenho da economia e o aumento expressivo do nível de preços explicam, em grande medida, o comportamento da receita deste imposto. Com efeito, verificou-se um aumento do consumo privado das famílias residentes, que se fixou em +12,6% em termos nominais, em 2022, e do consumo final de não residentes no território económico (exportações de turismo), que registou uma variação positiva expressiva de 109,7%, atingindo valores nominais superiores ao período de pré-pandemia em cerca de 15%”, remata o INE.
Fuga à inflação
Como referido, hoje o contexto ainda é de crise e de alto risco, mas muito diferente das crises do passado recente. Tão diferente que a carga fiscal atingiu um recorde 2022, tocando nos 38,2% do PIB.
Medina que inverter esta tendência (há três anos consecutivos, desde 2020 inclusive, o primeiro ano pré-pandemia, que a carga está a subir), propondo uma meta de 37,2% do PIB em 2023 no novo PE 2023-2027.
Depois, de 2024 inclusive em diante, a ideia é ir descendo a carga fiscal a um ritmo de uma décima do PIB por ano, para se esta baixar para 36,8% do PIB em 2027, mostra o Programa de Estabilidade.
Hoje, num ambiente de emprego “em máximos históricos”, como sublinhou o ministro várias vezes durante esta semana, com a inflação a descer (o governo acredita que cai para 5,1% em média, este ano) e com as taxas dos empréstimos (euribor) mais elevadas, mas estabilizadas em torno de 3,8%, o governo considera que estão reunidas as condições para sair paulatinamente desta crise e, ao mesmo tempo, devolver os ganhos obtidos pelo Estado e a Previdência à boleia da inflação (mais receita).
Assim, para puxar para baixo a carga fiscal, o governo promete atalhar caminho no desagravamento do IRS, ao longo dos próximos anos. Outra é a via da despesa fiscal associada ao IVA 0%, mas, segundo o PE, a medida só irá vigor este ano entre abril (começou no passado dia 18) e outubro.
O ministério de Medina refere que “o Programa de Estabilidade aponta para uma redução relevante da carga fiscal sobre o rendimento dos trabalhadores, que começou já em 2023, será intensificada 2024, e ascenderá a uma redução da carga fiscal nesta sede [IRS] de cerca de 2000 milhões de euros anuais até 2027”.
A tutela diz que com isto pretende alcançar “um maior equilíbrio entre o rendimento dos trabalhadores e os impostos que suportam”.
A medida temporária do IVA 0% em cerca de quatro dezenas de alimentos ditos essenciais deverá custar aos cofres do Fisco cerca de 410 milhões de euros., mas esta despesa só acontece este ano.
Agora é possível, acredita Medina
O ministro das Finanças considera que tal é possível porque, já este ano, prevê que a economia cresça mais do que esperam outras instituições (o governo diz 1,8% este ano), a taxa de investimento privado e público vai aumentar, dinamizada cada vez mais pelos fundos europeus e pela entrada em crescendo das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e que o desemprego, que começou recentemente a subir, torne a baixar já este ano e assim continue em queda até 2027.
Neste ambiente de “crescimento equilibrado e saudável”, como professa Medina, o governo vai ter margem para desagravar impostos pois a economia vai manter um ritmo de crescimento próximo de 2% ao ano nos próximos cinco anos, o défice público vai desaparecer em 2026 e a dívida estará abaixo dos 100% do PIB dentro de dois anos. É o que diz o novo PE. Só o tempo dirá se tudo isto se confirma.
Deixe um comentário