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Entre o final de outubro deste ano e o dia de ontem, período marcado por uma pausa no ciclo muito agressivo e rápido de subida de juros pelo Banco Central Europeu (BCE), que dura desde julho de 2022, a economia da Zona Euro viu evaporar mais de 100 mil milhões de euros na riqueza prevista (PIB ou Produto Interno Bruto real) para os próximos dois anos, mostram cálculos do Dinheiro Vivo, que comparam as mais recentes projeções da Comissão Europeia (CE) com a atualização das previsões (revisões em baixa significativas), ontem reveladas pela autoridade presidida por Christine Lagarde.
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O desaparecimento de mais de 102 mil milhões de euros no PIB destes dois anos face ao que se esperava nas previsões da CE (menos 47 mil milhões de euros em 2024 e menos 55 mil milhões de euros em 2025) é a prova de que, como disse Lagarde, o aperto monetário em curso está finalmente a entrar nas veias da economia (a chamada “transmissão monetária”) e a surtir o efeito desejado e planeado: quebrar a procura para ajudar a baixar a inflação. 102 mil milhões equivalem a quase metade da riqueza produzida num ano pela economia portuguesa.
Em 2022, Portugal ainda resistiu relativamente bem ao primeiro impacto da inflação, mas em 2023 e 2024, o cenário tem vindo a degradar-se, acompanhando a perda de gás da economia da Zona Euro, que até está a ser mais grave, pois a Alemanha, a maior economia do euro e uma das maiores do mundo, está a sofrer a sério com esta crise, estando virtualmente em recessão.
Hoje haverá novidades a esse respeito. O Banco de Portugal atualiza as suas previsões para este e os próximos três anos, no boletim económico.
A projeção mais recente do banco central de Mário Centeno para o próximo ano, datada de outubro, apontava para um abrandamento do ritmo da economia para 1,5%, mas mais recentemente a Comissão Europeia reviu em baixa para 1,3% e a OCDE para 1,2%.
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É, em grande parte, o efeito material da subida dos juros na economia real, que faz subir as prestações bancárias e serve de freio ao consumo e investimento.
“Os nossos anteriores aumentos das taxas de juro continuam a ser transmitidos de forma vigorosa à economia. As condições de financiamento mais restritivas estão a refrear a procura, o que está a ajudar a reduzir a inflação”, congratulou-se ontem a presidente do BCE, na conferência de imprensa, em Frankfurt.
Foi onde anunciou o prolongamento desta pausa na subida dos juros por mais um mês (o último aumento foi em setembro, tendo colocado a taxa diretora de refinanciamento num dos valores mais altos da história do euro. Desde que o BCE começou este aperto, em julho do ano passado, a taxa diretora saltou de 0% (onde esteve estacionada durante cerca de seis anos) para os atuais 4,5%.
O resultado está à vista. Segundo o BCE, a economia avançará este ano uns meros 0,6% em termos reais (descontando a inflação), naquele que é o valor mais fraco desde a crise anómala e única da pandemia e, antes disso, desde os anos da crise soberana da zona euro (2012 e 2013, quando se registou uma recessão de 0,9% e 0,2%, respetivamente).
Em 2024, a retoma esperada pode dizer-se que não existe. O BCE cortou na previsão feita em setembro de 1% para 0,8%.
Comparando com a previsão da Comissão (mais recente e divulgada em novembro), o corte é mais pronunciado, pois Bruxelas estimava 1,2%. A diferença entre o que se esperava há um mês e agora dá o tal desaparecimento de 47 mil milhões de euros na riqueza produzida prevista.
Em 2025, acontece algo semelhante. O BCE considera que o crescimento pode subir 1,5%, abaixo do estimado pela CE. Evaporam assim, à cabeça, os já referidos 55 mil milhões de euros em riqueza.
O sucesso do BCE
Como referido, as taxas de juro diretoras do euro ficaram em pausa pela segunda reunião consecutiva, permanecendo num dos níveis mais elevados desde que existe a moeda única, há 25 anos. A taxa de juro de refinanciamento, a referência principal do custo cobrado aos bancos comerciais por irem levantar fundos regulares junto do BCE, ficou em 4,5%. É preciso recuar ao tempo das implosões de bancos gigantes e da grande crise financeira mundial (outono de 2008) para encontrar um nível de juros superior (4,73%).
Esta quinta-feira, a liderança de Lagarde justificou a pausa nestes níveis de aperto máximos, referindo que, embora o conselho do BCE tenha decidido manter as três taxas de juro diretoras e constate que a inflação tem vindo “a descer nos últimos meses”, também “é provável que a inflação volte a subir temporariamente no curto prazo”.
E, sobre eventuais descidas de taxas, Lagarde tentou arrefecer bastante os mais animados com essa perspetiva. “Não podemos, de forma alguma, baixar a guarda” em relação à inflação e, para mais, na reunião de ontem em Frankfurt, “não discutimos, de todo, o tema da descida de taxas”, atirou a ex-chefe máxima do Fundo Monetário Internacional (FMI).
E para quem não ouviu à primeira, Lagarde acrescentou: “Entre a subida de taxas e uma descida existe todo um planalto… de pausa”. Muito tempo, portanto.
Os observadores do BCE e analistas do mercado dizem que esta pausa pode durar até ao final do ano que vem. Depende do andamento da inflação e se acontece um novo choque de preços ou uma nova crise.
Sobre o cenário para a inflação, Lagarde referiu que “em geral, os especialistas [os economistas que fizeram estas novas previsões de dezembro de 2023] esperam que a inflação [da Zona Euro] se situe, em média, em 5,4% em 2023, 2,7% em 2024, 2,1% em 2025 e 1,9% em 2026.”
Portanto, só algures em 2025 ou depois é que fica em linha com a meta de 2% perseguida pelo BCE. “Em comparação com as projeções de setembro é uma revisão em baixa para 2023 e especialmente para 2024”, referiu.
A inflação subjacente também voltou a abrandar, mas há um incómodo e é grande e, como sempre, são os salários. “As pressões internas sobre os preços permanecem elevadas, devido sobretudo ao forte crescimento dos custos unitários do trabalho”, constatou Lagarde.
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