//Moody’s. “A partir de agora é mais difícil para o governo cortar despesa”

Moody’s. “A partir de agora é mais difícil para o governo cortar despesa”

Sarah Carlson é analista principal que segue a República Portuguesa na agência de rating Moody’s. Esteve em Lisboa, onde foi oradora na conferência anual da empresa. A especialista Portugal pelos resultados na consolidação orçamental dos últimos anos, acredita que o governo vai chegar a um excedente em 2020, mas nota que o país está quase a bater numa nova parede. Dentro em breve, chegará o momento em que será mais difícil cortar despesa. Para evitar esse beco sem saída, o Governo deve fazer novas reformas, defendeu em entrevista do Dinheiro Vivo (DV).

Carlson está na agência desde 2009 e, além de Portugal, é a analista de dívida soberana do Reino Unido, de Irlanda e Chipre. É formada em Estudos Europeus pela George Washington University, em Governo e História pelo Dartmouth College e foi bolseira e investigadora na London Business School. Antes de ingressar na Moody’s, foi economista-chefe do regulador do mercado financeiro britânico, Financial Services Authority.

“Despesa cada vez mais rígida, mais difícil de abordar”

O governo português, em especial o ministro das Finanças, Mário Centeno, congratulou-se várias vezes por este Orçamento do Estado para 2020 ser “o melhor dos cinco orçamentos” que o governo do PS apresentou e conseguiu aprovar. É mesmo assim? Sara Carlson responde com alguma cautela. “Os indicadores principais são certamente bons. Esperamos que Portugal registe o seu primeiro excedente orçamental desde o final da ditadura mas, dito isto, também esperamos que em termos estruturais a posição orçamental do país enfraqueça. Vão ser necessárias mais reformas estruturais”.

A analista considera que “Portugal fez um caminho positivo na consolidação orçamental, mas agora para continuar essa necessária consolidação, que permite reduzir a dívida que é muito elevada, o governo está a deparar-se com áreas da despesa que são cada vez mais rígidas, mais difíceis de abordar”.

Ou seja, “a despesa mais rígida e difícil de cortar aumentou o seu peso na estrutura global dos gastos o que significa que a partir de agora vai ser mais difícil para o governo reduzir despesa e obter poupanças. Isso também pode colocar mais pressão na receita”, considera a responsável da Moody’s.

“Numa perspetiva de avaliação de crédito, rácios de dívida baixos são mais positivos do que rácios elevados”, refere. “Não fazemos recomendações de política, mas na nossa metodologia, uma das coisas para a qual olhamos muito é a dimensão do fardo da dívida em percentagem do PIB [produto interno bruto] e da receita pública. Em Portugal, os valores são ainda elevados; portanto, quanto mais baixos forem, melhor para o país”.

O DV também questionou a alteração de forças que apoiam o governo. Será o risco político de Portugal maior agora que não há acordo de base parlamentar do PS com os partidos da esquerda (como a geringonça da legislatura anterior)? Carlson responde que “o que sabemos dos casos de países onde existem governos apenas com minorias parlamentares é que os processos para tomar decisões de política são quase sempre através de uma série de alianças, que não tem de ser com o mesmo partido da oposição, alianças que podem acontecer com diferentes partidos, dependendo da legislação concreta que se quer fazer aprovar”.

Assim, continua a avaliadora de Portugal, “legislar nestas condições pode resultar num processo um pouco mais lento ou se quisermos um pouco mais complicado. Mas penso que os países podem funcionar relativamente bem assim, Portugal incluído”. Em todo o caso, acrescenta, “o mais importante para nós é ver os resultados das políticas seja em que contexto for, qual a probabilidade de obter os resultados desejados”.

Os analistas da Moody’s vieram a Lisboa numa altura em que se fala da eventual saída de Mário Centeno do Governo. Diz-se que Centeno é a cara das “contas certas” e da obtenção do défice mais baixo desde o final da ditadura. Se ele abandonar as Finanças, muda alguma coisa para a Moody’s em termos de risco e credibilidade da gestão orçamental?

Para Sarah Carlson, não muda nada. “Quando pensamos em instituições e na capacidade de fazer aprovar medidas que sejam positivas para a qualidade do crédito soberano, para a gestão da economia e das finanças públicas, isto não é algo que seja obra de apenas uma pessoa. Para nós o foco são as políticas tomadas pelo governo, para nós não é algo que possamos reduzir a uma personalidade. O que nos interessa são os resultados”, responde a responsável.

Saúde, hospitais e coronavírus

Uma das grandes preocupações concretas que a perita da Moody’s comunicou aos investidores e responsáveis do sector financeiro que estavam na plateia do encontro de Lisboa foi o facto de “as dívidas dos hospitais serem realmente uma fraqueza na nossa análise à qualidade do crédito de Portugal. É algo que não esperamos ver na maioria dos países com rating mais forte”.

Acresce ainda que “o peso crescente dos gastos com saúde no PIB, um dos maiores da Europa até 2070, é um indicador de longo prazo em relação ao qual o governo pode fazer claramente mais através de reformas estruturais”. “Vemos aqui uma pressão de longo prazo sobre as contas públicas e deve haver uma resposta relativamente a isto”. “Esse aumento do peso da despesa com saúde está associado com o envelhecimento da população e vai ser seguramente um desafio futuro para a qualidade do crédito do país e da maioria dos países europeus”, acrescentou.

E os novos riscos, como a sensação de crise desencadeada pela propagação do coronavírus? Portugal está vulnerável? Para Carlson, “a situação que o coronavírus nos coloca é muito fluida. Os países onde a ligação é mais direta entre o problema do vírus e a economia são China e a Ásia mais oriental”. No entanto, “sabemos que existe um nível elevado de interligações entre regiões”.

“O risco associado ao coronavírus em termos económicos não está em níveis máximos na Europa ou em Portugal, mas se começar a aumentar, os setores mais vulneráveis são o do transporte aéreo, turismo, logística”. “Temos de estar atentos porque é uma situação que está a evoluir de forma muito rápida, mas ainda não estamos à beira de um stress”, remata a analista.

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