O antigo presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), João Moreira Rato, considera que o Tesouro devia ser o mais agressivo possível para tirar partido dos juros extremamente baixos. Antevê que enquanto as políticas de Draghi estiverem em curso, dificilmente se sairá do contexto de taxas negativas. E avisa que isso traz riscos para o sistema financeiro.
A política de taxas de juros negativas passou a ser a normalidade na zona euro?
A mudança à frente do BCE pode ter algum impacto, dependendo de quem for o substituto de Mario Draghi [o mandato de presidente do banco central termina no final de outubro]. Se for um alemão pode vir com ideias mais viradas para a subida de taxas. Mas se a política monetária continuar na linha da que tem sido seguida por Mario Draghi, é difícil imaginar uma alteração muito grande neste contexto de taxas negativas.
Quais as consequências?
Cria imensos perigos para o sistema financeiro porque com taxas de juro negativas vai acelerar a procura por retornos, o que pode levar à formação de bolhas e à tomada de risco excessivo. E não é apenas uma questão de juros negativos. É também uma questão de se voltar à estratégia de compra de obrigações por parte do BCE. Essa estratégia faz que em alguns mercados o banco central seja o principal investidor e isso cria uma distorção enorme nas taxas de juro.
Os juros negativos são um sinal de problemas graves na economia da zona euro?
Por um lado é um sintoma de problemas económicos estruturais complicados e, por outro, pode também gerar problemas, criando bolhas em algumas classes de ativos…
Como no imobiliário em Portugal?
Vai continuar a ser. Se for um alemão e tiver as suas poupanças investidas a dez anos a -0,30% e de repente vem uma empresa que lhe diz “não quer alugar apartamentos em Portugal, algo relativamente seguro, a 4% ou a 5%”? O que acha que vai dizer o aforrador alemão? Isso vai fazer que no centro da Europa se procurem cada vez mais oportunidades que ainda existam. No mercado de dívida pública a portuguesa está em 0,50%, Itália e Grécia estão quase ao mesmo nível…
Há cada vez mais países com a taxa a dez anos com valores negativos. A dívida portuguesa tem juros negativos até ao prazo de cinco anos. Pode acontecer o mesmo no prazo a dez anos?
Depende. Se o BCE estiver pronto para reforçar o programa de compras, porque não?
O IGCP está a seguir a estratégia de trocas e recompras de dívida. Mas devia ser ainda mais agressivo neste tipo de operações para tirar partido dos juros baixos?
Há sempre um contexto político. Mas devia ser o mais agressivo que pudesse ser, para se ir substituindo dívida antiga mais cara por dívida nova mais barata. No fundo, um Ministério das Finanças e um IGCP que estejam a pensar nas próximas gerações deviam tentar garantir que, daqui a oito a dez anos, a próxima geração pague menos de juros. Substituindo dívida de curto prazo de dois a três anos cara por dívida a dez anos que paga 0,5%, garante-se endividamento a uma taxa baixa durante dez anos. Esta oportunidade ainda vai durar. Mas nada nos garante que dure para sempre.
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