A Câmara Municipal de Gaia reuniu-se “diversas” vezes com o consórcio LusoLav, liderado pela Mota-Engil e vencedor da concessão para o primeiro troço da linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa, para analisar “propostas de alteração ao projeto” na localização da estação prevista para Santo Ovídio e no projeto da nova travessia do rio Douro. A Infraestruturas de Portugal (IP), responsável pelo projeto da alta velocidade em Portugal, não sabia de nada.
A Renascença teve acesso a três documentos da autarquia de Gaia – dois despachos e um parecer (que está classificado como de “uso interno”), todos com data de 7 de abril. É nesse parecer que são registadas as datas de quatro reuniões com o LusoLav, sobre a “subida da cota de implantação em cerca de 20m”, a 25 de fevereiro e 11, 20 e 25 de março deste ano. Os dois despachos falam apenas em “diversas” reuniões.
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Além da mudança de localização da estação prevista para Santo Ovídio – onde a alta velocidade se encontraria com as linhas Amarela e Rubi (em construção) do Metro do Porto –, e da nova tipologia da ponte sobre o rio Douro (projetada para ter um tabuleiro ferroviário e outro, inferior, rodoviário), os documentos concretizam a intenção de reduzir mais de 4,7 km aos túneis previstos no estudo prévio da linha de alta velocidade.
A primeira consequência é reduzir os custos de construção; a segunda pode ser aumentar os impactos em edifícios já existentes, conforme é admitido num dos documentos: “prevê-se um número significativo de demolições de edifícios nas freguesias identificadas, cuja contabilidade e impacto não é possível ainda aferir, pois vai depender da solução técnica final e dos processos expropriativos”. As freguesias são Oliveira do Douro, Mafamude, Vilar do Paraíso, Canelas, Perosinho, Serzedo e Grijó.
Questionada pela Renascença, a Infraestruturas de Portugal (IP) afirmou que “não foi informada pelo Consórcio Adjudicatário da intenção de introduzir quaisquer alterações à proposta que apresentou ao concurso”.
A IP sublinhou ainda que ainda não há contrato assinado para o troço entre Porto Campanhã e Oiã, em Aveiro, que é o primeiro da linha Porto Lisboa, e devia entrar em operação em 2030. “O Contrato de Concessão da Linha Ferroviária de Alta Velocidade entre Porto (Campanhã) e Oiã, que foi adjudicado ao Consórcio Lusolav no dia 10 de outubro de 2024, ainda não foi outorgado, pelo que”, avisa a IP, “o mesmo ainda não começou a produzir efeitos”.
Apesar de as alterações não fugirem ao corredor de 400 metros que foi aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente para inserir a linha (com largura de 14 metros), fogem ao definido no caderno de encargos do concurso, onde são especificadas a localização e funções tanto da estação como da ponte sobre o Douro. E isso pode pôr em causa o andamento da alta velocidade, numa altura em que o segundo troço também está parado porque a proposta do mesmo consórcio, o único que concorreu, não cumpre o caderno de encargos (também devido ao local da estação, nesse caso em Coimbra).
Estação em local de reserva agrícola e ecológica
O consórcio e a autarquia de Gaia acertaram uma solução para outra localização para a estação de alta velocidade a sul do rio Douro, dois quilómetros a sul do local pensado para a estação de Santo Ovídio. A intermodalidade da localização original era um ponto forte do projeto, e há uma tentativa de o manter com um prolongamento da linha Rubi até esta nova localização, assim como com “a possibilidade da futura construção de um centro intermodal”.
Como vantagens, a autarquia de Gaia aponta que a nova localização torna a obra “mais fácil, sem movimentos de terra significativos”, cria um descongestionamento em Santo Ovídio, cria uma “nova centralidade” em Gaia e tem “capacidade de expansão”.
Como desvantagens, há a obra “bastante complexa” do prolongamento da linha Rubi desde a estação de Santo Ovídio até ao novo local, a necessidade de o município suportar encargos com alterações em acessos, e a prevista “sobrecarga dos três nós viários que sustentam” a nova localização: “Nó de Canelas/A20 (a sul), Nó da Madalena/IC1 (a poente) e Nó de Santo Ovídio/A1 (a nordeste)”. Para isso, pede um estudo de tráfego para avaliar “soluções de mitigação dessa sobrecarga”.
Regresso às duas pontes sobre o Douro
Nas várias reuniões com a autarquia de Gaia, o consórcio LusoLav também propôs voltar a separar, “em duas pontes distintas, o modo ferroviário e modo rodoviário”. No documento da autarquia, lê-se que o consórcio “sustenta essa opção na necessidade de redução do risco de financiamento, redução do risco de incumprimento do prazo e na clara separação das futuras responsabilidades de manutenção de cada uma das pontes”. Isto apesar de o caderno de encargos prever claramente uma única ponte, e definir que a concessão é apenas da estrutura e dos tabuleiros da ponte, excluindo as rotundas de acesso da responsabilidade do consórcio.
Face a duas vantagens que se resumem à redução do impacto na paisagem e a uma “maior liberdade no desenho da ponte rodoviária”, o município de Gaia aponta que a nova solução “parece representar mais encargos futuros” para si mesmo, já que manutenção da ponte rodoviária é da responsabilidade dos municípios.
Apesar disso, o coordenador da unidade de planos da autarquia conclui da mesma forma que nos outros documentos: “considera-se que a proposta poderá reunir condições de aceitação, no entanto, uma vez que as alterações apresentadas pelo Consórcio divergem da solução apresentada a concurso, as mesmas devem ser objecto de validação por parte das entidades com jurisdição na área de intervenção, bem como da tutela (IP)”.
Questionado pela agência Lusa, o Ministério das Infraestruturas e Habitação disse estar “em diálogo com a IP sobre esta matéria“, e que a resposta dada pela Infraestruturas de Portugal é “o único ponto de situação para já”.
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