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A economia alemã, o motor económico da Europa e a maior economia da zona euro, está sob a ameaça de uma crise grave e prolongada por causa da alta dependência face ao gás russo, hoje muito caro e já em falta. E não só.
As grandes empresas alemãs também se queixam que faltam partes e peças, componentes para continuar a fabricar produtos e serviços de alta tecnologia, aquilo que faz da Alemanha uma potência europeia e global.
Também dizem que falta gente para trabalhar. O pessimismo está a alastrar. O inverno vai ser duro, antecipam vários analistas.
A Alemanha é muito importante para a economia europeia e crucial ou mesmo vital para economias pequenas, como Portugal.
O investimento alemão na economia portuguesa ascende, em valor (stock), a mais de 5,7 mil milhões de euros em ativos, a maior parte de vertente industrial e alta intensidade tecnológica. O país é, há décadas, um dos maiores investidores estrangeiros em Portugal.
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O setor mais proeminente em termos de presença alemã é, como se sabe, o dos fabricantes da indústria automóvel, que emprega mais de 60 mil pessoas em Portugal, segundo a associação nacional do setor (AFIA), que representa cerca de 350 empresas.
Segundo a mesma associação, “a indústria de componentes para o automóvel representa 9,1% do emprego da indústria transformadora em Portugal”, “vale 5,2% do produto interno bruto (PIB), com um volume de negócios de 11,1 mil milhões de euros anuais” e mais de 14% das exportações portuguesas de bens.
A Alemanha é um dos maiores clientes dessas e de outras exportações portuguesas. O terceiro maior mercado comprador de bens e serviços made in Portugal.
Em 2021, foi responsável por cerca de 11% das compras estrangeiras feitas a Portugal, com destaque para o turismo, mercado no qual os alemães também pontuam como clientes de topo e com forte poder de compra.
Mas a Alemanha poderá ser forçada a fazer uma pausa ou a travar a fundo.
Vários analistas e economias dão conta de sinais de enfraquecimento rápido da atividade, da confiança empresarial. Num ambiente de subida muito rápida das taxas de juro, a Alemanha só está mais isolada porque não é dos países mais expostos à dívida. Mas está muito exposta ao aperto de preços no gás natural e à contração na procura externa, como grande exportador que é.
O governo alemão e o Fundo Monetário Internacional (FMI) já não têm grandes dúvidas. O cenário central é de recessão em 2023. Berlim prevê uma contração da economia de 0,4%; o FMI projeta uma quebra de 0,3%.
“Um inverno difícil”
“A economia alemã vai enfrentar um inverno difícil”, diz Clemens Fuest, o presidente do influente instituto Ifo (Instituto de Investigação Económica, da Universidade de Munique).
Ainda não está frio, nem parece outono na Alemanha, disse esta semana Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE). Em Frankfurt, o tempo estava “solarengo”, referiu.
Mas, neste preciso momento, a menos de dois meses do início do inverno, “o sentimento da economia alemã continua a ser sombrio”, um estado que já perdura há meses e tem vindo a degradar-se, diz Fuest.
O índice do clima empresarial medido pelo instituto voltou a cair em outubro, depois de uma queda “a pique” em setembro. “As empresas estão menos satisfeitas com os negócios atuais. As suas expectativas melhoraram, mas prevalece a preocupação face aos próximos meses”, acrescenta o economista.
E, segundo o presidente do Ifo, é no todo-poderoso setor da indústria e na construção que o pessimismo está a alastrar mais. “O índice na construção diminuiu uma vez mais e as avaliações relativas à situação caíram para o nível mais baixo desde janeiro de 2016, além de que as expectativas continuaram a deteriorar-se”, acrescentou.
Joachim Ragnitz também é investigador do Ifo, está baseado em Dresden, e alerta para problemas e persistentes relativos a ruturas de stocks, a fornecimento de peças e componentes; e ainda para a falta de mão-de-obra. Tudo travões atualmente ativos na economia alemã.
“Há escassez de materiais na indústria transformadora alemã, situação que pode persistir durante um período de tempo mais longo”.
“Em certa medida, isto reflete desenvolvimentos duradouros que são o resultado de mudanças globais na estrutura da produção – tais como a procura crescente de semicondutores ou matérias-primas industriais”, diz o economista.
Além disso, “o declínio populacional poderá levar a cortes permanentes da produção na Alemanha no futuro” e “existe também o risco de que a China provoque escassez ou aumentos de preços em certas mercadorias. Além disso, a descarbonização pode tornar a produção na Alemanha demasiado cara”.
O grupo de peritos da Economist Intelligence Unit (EIU) que segue de perto a indústria repara que os alemães já entraram numa espécie de corrida contra o tempo por causa da crise energética.
“A Alemanha é um exemplo altamente surpreendente. Após o desastre de Fukushima [o grande desastre nuclear no Japão, em 2011], a Alemanha começou a encerrar as suas centrais nucleares, restando atualmente três que eram para ser terminadas em finais de 2022.”
No entanto, dizem os analistas da EIU, “os desafios de segurança energética [na sequência da guerra na Ucrânia] forçaram o país a fazer uma inversão de marcha na sua política nuclear”.
“Comentários recentes de membros do governo sugerem que a Alemanha pode vir a prolongar a vida das centrais nucleares ainda ativas” e “outros países, como Índia e China, parecem também querer renovar o interesse na energia nuclear em 2023”, antecipa a EIU.
Segundo a Comissão Europeia, os novos inquéritos à confiança de empresas e consumidores relativos a outubro mostram que o sentimento económico geral está a cair em quase todos os países da União Europeia (as únicas exceções são Polónia e Espanha). E foi, justamente, na Alemanha e em Itália que a situação se degradou mais ao longo deste mês de outubro.
Alemanha ocupa metade do top 10 dos exportadores em Portugal
Cinco dos dez maiores exportadores de mercadorias a operar em Portugal, em 2021, são investimentos de origem alemã. E todos do setor automóvel, com Volkswagen Autoeuropa, Continental Mabor e o próprio grupo Volkswagen em nome própria, por esta ordem, a liderarem a lista das firmas de origem germânica que mais pontuam nas exportações portuguesas, revela o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Além daquelas duas empresas (assumindo que a Volkswagen é um desdobramento da mesma marca), Portugal acolhe mais três operações exportadoras de alta dimensão, todas alemãs, todas do setor automóvel.
São elas Bosch Car Multimedia (Braga), que fabrica “soluções de multimédia e sensores para automóveis”, sobretudo de marcas alemãs.
A Aptiv (que absorveu a antiga Delphi), que produz cabotagens para carros e motores elétricos, mas que tem sinalizado dificuldades em encontrar pessoal especializado em Portugal, planeando deslocalizar para a Turquia.
E a Purem Tondela, empresa que recentemente se associou à AFIA. A associação do setor explica que a Purem “foi fundada em 2016 e dedica-se à conceção e fabrico de sistemas de controlo de emissões de exaustão, para uma mobilidade limpa e sustentável”. É o décimo maior exportador a partir de Portugal e “integra o grupo alemão Eberspächer”.
Até agosto, com a crise inflacionista e energética em velocidade de cruzeiro, a Alemanha ainda pontua bem nas exportações portuguesas.
Diz a AICEP, que as exportações totais de Portugal (bens e serviços) “ascenderam, nos primeiros oito meses de 2022, a 79.130 milhões de euros, contra 56.492 milhões de euros registados no mesmo período de 2021, o que representa um crescimento de 40,1%”.
“Espanha foi o principal cliente, com uma quota de 20,8% no total e onde se registou o maior aumento de exportações (+3.604 milhões de euros), mas França e Alemanha foram segundo e terceiro destinos com uma quota de, respetivamente, 12,7% e 10,8%”, diz a agência de promoção externa da economia portuguesa.
O galope da inflação
Entretanto, continua o galope da inflação, o que torna cada vez mais provável e rápida a chegada de uma recessão.
Ontem, o Destatis (o INE alemão) estimou que a inflação tenha furado os 10% em outubro (10,4%), um máximo puxado pelo salto impressionante de 43% nos preços da energia.
Em Portugal, também ontem, o INE estimou que “a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) terá aumentado para 10,2% em outubro, taxa superior em 0,9 pontos percentuais (p.p.) à observada no mês anterior, sendo a mais elevada desde maio de 1992”.
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