Vítor Neto é hoje presidente do Nera – Associação Empresarial da Região do Algarve, mas continua atento à evolução do turismo. Afirma que o peso do setor na economia foi subestimado nas últimas décadas, e alerta para os perigos do Brexit no turismo do Algarve.
O número de turistas ingleses já começou a cair devido ao Brexit. A saída do Reino Unido da UE poderá trazer danos sérios ao turismo português?
Temos de refletir sobre o Brexit porque o Reino Unido é um dos nossos principais parceiros económicos, não só no turismo. Em exportações vale mais de oito mil milhões de euros. Quem vai sofrer mais é o próprio Reino Unido, já que nos próximos dois anos o PIB deverá cair entre 1% e 5%. E isso terá consequências no consumo e nas viagens dos britânicos. É aí que temos de estar preocupados. O nosso principal setor exportador para o Reino Unido é o turismo, que representa 2,6 mil milhões de euros. Precisamos de uma estratégia para atenuar os riscos.
Que medidas concretas é possível tomar?
Não podemos cair no fatalismo de pensar “estava-se mesmo a ver que isto ia acontecer” e procurar outros mercados para compensar. Procurar novos mercados deve ser uma preocupação permanente de qualquer atividade económica, mas temos de fazer um esforço em relação ao mercado inglês, que representa 23% das dormidas de estrangeiros, são mais de 9 milhões de dormidas e 18% das receitas.
Há duas regiões que recebem 90% dos ingleses: o Algarve, com quase 70%, e a Madeira, com 20%. Lisboa recebe 8% e o Porto e o norte 3%. No Algarve são seis milhões de dormidas, na Madeira dois milhões e em Lisboa 850 mil. Não é preciso apenas fazer mais promoção, temos de adaptá-la à nova realidade. Intensificar a relação com os operadores ingleses, falar com eles.
Mobilizar os nossos empresários para uma atitude conjunta, evitar que cada um pense apenas no seu negócio. E mobilizar as entidades regionais. Os espanhóis já estão a fazer isto. Há ainda a questão dos residentes, que são dezenas de milhares. É preciso demonstrar interesse para que continuem a querer estar cá e a investir. Porque eles também estão muito inseguros em questões como a transferência de capitais e a mobilidade. Temos de garantir que não têm de se preocupar connosco.
Além do Brexit, a retoma de mercados como a Turquia ou o Egito também está a “roubar” turistas a Portugal. Podemos contra-atacar, visto que estes países oferecem pacotes mais baratos?
Neste ano a perda de turistas também se deveu à falência de três companhias aéreas: Monarch, Air Berlin e Niki, que traziam muita gente para o Algarve. Quanto à agressividade de Turquia, Egito, Tunísia e Marrocos, há um dado que nos escapa. Grandes operadores europeus têm interesses específicos nesses mercados e controlam a oferta hoteleira. Têm um interesse muito grande em reativar o turismo desses destinos. Além disso esses países, com o apoio do Estado, dão ajudas grandes às companhias low-cost. Dão-lhes financiamento, praticamente. É claro que esses interesses têm impacto.
O que temos de fazer é qualificar a oferta, dar-lhe qualidade, para nos posicionarmos em patamares melhores que nos permitam competir. Não podemos cair na ilusão de competir pelo preço, porque aí perdemos. Eles serão sempre mais baratos que nós.
O aumento do turismo coloca a questão da sustentabilidade. São precisas mais medidas para que destinos como Lisboa, Porto e Algarve aguentem a pressão?
As companhias low-cost e a tecnologia criaram uma nova geração de turistas, com outra cultura e outras exigências. Durante anos não percebemos isso. Nos últimos anos a oferta melhorou. O problema é que tem havido sempre uma subestimação do turismo e da sua importância na economia. Somos muito bons quando estamos a crescer mas quando há uma situação diferente põe-se em causa todo o setor e fala-se em bolha. É errado.
A visão tem de ser consistente e coerente, sem exageros, com realismo e audácia. Se no Algarve já não podemos crescer em número, em outras regiões ainda é possível. Mas é possível agir no Algarve para gerar mais riqueza na mobilidade, por exemplo, que é um desastre. Investir na 125, na Via do Infante e na ferrovia melhoraria a qualidade e o nível de preços. Em Lisboa já seriam outros objetivos e no interior outros. A conjugação de tudo é que é uma estratégia de turismo. Não é mudar o governo e mudar tudo.
O novo aeroporto de Lisboa é uma das peças que faltam para a sustentabilidade?
A não solução do aeroporto nas últimas décadas revela a subestimação do turismo. Se há dez ou 20 anos se tivesse pensado que o turismo é importante ter-se-ia avançado com o aeroporto. Mas foi-se deixando andar. Quando se fala de aeroporto raramente se fala de turismo. Se o aeroporto da Portela começar a ter problemas isso terá consequências no turismo de todo o país. Já devia estar resolvido.
Acha que começa a fazer sentido criar um Ministério do Turismo?
Já tivemos um ministro. Podemos ter cinco ministros e não ter política de turismo. Tal como podemos ter uma Secretaria de Estado e uma boa estratégia. O fator de fundo é o peso que o governo atribui ao setor. E aí tanto faz ter um ministro, secretário de Estado ou diretor-geral. A Suíça não tem ministro, nem secretário de Estado e tem uma estratégia de turismo. E há países que têm ministro e o turismo não é nada.
Quem assume a pasta tem de ter peso político que lhe permita resolver problemas. Como, por exemplo, evitar que aconteça o que aconteceu em Portugal com o alojamento local. Não se ligou, deixou-se arrastar e agora tomam-se medidas à pressa, com multas e taxas. Entristece-me que exista quem veja o turismo como uma galinha dos ovos de ouro. Como se fosse algo que tivesse aparecido misteriosamente e nos vai enriquecer. Não é nada disso. Isso é olhar de forma superficial.
Que tipo de turismo precisamos de ter no futuro em Portugal?
Nos próximos anos o turismo não vai crescer tanto como nos últimos, mas isso não nos deve inibir psicologicamente. A instabilidade política e económica na Europa, em mercados nossos clientes, deve preocupar-nos porque vai agudizar a concorrência. Não podemos pensar que o futuro está em coisas que não existem.
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