//Nova injeção no Novo Banco? “Não ponho de parte cenários”

Nova injeção no Novo Banco? “Não ponho de parte cenários”

Em seis anos de existência o NB teve três CEO. António Ramalho, que já passou por BCP, Santander e pelo setor dos transportes e infra-estruturas, lidera a instituição há quatro anos.

A auditoria da Deloitte atribui ao BES as principais responsabilidades pelos problemas do Novo Banco, mas também identifica falhas no seu mandato, incluindo em operações de crédito com falta de informação sobre as garantias de alguns empréstimos. Admite as falhas?
Esta auditoria é particularmente importante porque o seu objeto foi definido pelo Parlamento. Era o último auditor que nos faltava auditar. No meu mandato, já fomos auditados pela Price, pela E&Y e finalmente pela Deloitte – a KPMG, por ter auditado o BES, não faz parte das opções que temos. E portanto esta auditoria configura um resultado muito claro de que um conjunto de reestruturações progressivas e feitas para deferir prejuízos e, de alguma maneira, reestruturando sucessivamente, levar a que esses prejuízos não se verificassem no período até 2014. Acabou por criar prejuízos a partir de 2014 e por ser a razão básica pela qual estes prejuízos foram agora reconhecidos e houve necessidade de apoio do Fundo de Resolução, após a venda realizada em 2017.

E isso é particularmente importante: não é preciso ler as 390 páginas da auditoria, basta ler a parte confidencial, a que só os deputados têm acesso, basta ler uma página, duas páginas do sumário executivo para se perceber exatamente o que se passou.
Naturalmente, além dos findings fundamentais, há estas verificações de pequenas desconformidades, nomeadamente desconformidades acessórias e operacionais que também se verificam, como era de esperar, em todos os mandatos, no mandato até 2014, no dos meus antecessores e no meu.

Vídeo: “Pequenas desconformidades há em todos os mandatos e também no meu”

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Admite falhas, no seu mandato, na concessão de crédito, é isso?
Não, não, não. O que se verifica é que temos 140 findings, e esses representam 4% da totalidade. E todos têm justificações. Desses 140 há dois blocos que eu gostaria de referir, que são importantes, para que as pessoas possam perceber, porque este detalhe acabará por ser discutido. O finding que abarca 36 casos diz respeito a alguma desconformidade das nossas regras internas de acompanhamento de clientes em situação difícil. Como podemos imaginar esta auditoria é sobre a morgue dos clientes, isto é, os mais problemáticos, mais complexos, porque são aqueles que criam perdas. E portanto, há regras que fixámos que obrigam a que estes clientes sejam seguidos de seis em seis meses. Eles são seguidos por dois organismos e o que se verifica é que, em 36 casos, não há evidência de que estes gabinetes tenham seguido estes casos. Porquê? Porque são casos que são seguidos pelo Comité de Imparidades, são seguidos pelo Conselho de Administração, e portanto, sendo seguidos por outros órgãos, nós acabámos por não os seguir pelo órgão que internamente o deveria fazer. É um assunto que iremos, com certeza, resolver com uma mudança de regulamento. Também há 35 casos nos quais é referido que se concede crédito em casos de baixo rating, abaixo de B+. Existe uma norma no nosso regulamento interno de concessão de crédito que a desaconselha. Porque é que se concedeu? Não se concedeu, apenas se continuou a reestruturar o crédito. E essas reestruturações tiveram de ser feitas para tentar preservar as empresas, assegurar que tinham mais capacidade de recuperação. Só há um destes 36 casos com new money. São 7,1 milhões concedidos adicionalmente a um devedor que tinha uma responsabilidade grande, exatamente para assegurar que ele tinha mais capacidade de recuperação – e essa recuperação até veio a verificar-se. Ainda assim, há uma desconformidade com o regulamento porque o regulamento interno não devia permitir este tipo de situações. Temos muitos casos com estas caraterísticas que a própria Deloitte classifica como acessórias, mas não invalida que devemos analisá-los convenientemente. Numa auditoria desta profundidade seria estranho que não se verificasse algumas insuficiências da parte da gestão atual.

Então está disponível para rever esses processos…
Já os estamos a identificar. Já lhe estou a dar exemplos de identificações muito precisos e temos um grupo a trabalhar acerrimamente nisso, que irá mudar regulamentos ou processos, no sentido de assegurar a melhoria contínua que está subjacente à instituição.

A Deloitte diz que só de outubro de 2017 até fim de 2018 dois terços das concessões ou alterações de crédito foram feitas sem avaliação das garantias. O NB concede créditos, sobretudo de grande valor, sem avaliar corretamente os colaterais?
É um caso exemplificativo, porque estamos a falar de sete casos. Esta não avaliação de garantias não são colaterais imobiliários, esses são sempre avaliados. São outros colaterais. Quase todos estes casos dizem respeito a uma única operação, que teve um processo de reestruturação complexo e acabou na venda dessa operação, em sindicato com outros cinco seis bancos. Uma estrutura empresarial estrangeira, alemã. E isso levou-nos a ter de reavaliar que todos os colaterais que vinham e cresciam eram bons independentemente de toda a nossa avaliação.

Que tipo de colaterais?
Neste caso específico, eram ações própria da própria companhia. Dado que isso assegurava que conseguiríamos ter controlo para que essa companhia fosse vendida. É o caso mais relevante, mas poderia dar-lhe outros até mais caricatos. Por exemplo, de reforçar garantias com o colateral do passe de um jogador de futebol que, naturalmente, pelo facto de termos esse colateral, é um dissuasor de incumprimento.

Qual era a cor do equipamento desse jogador?
Não lhe vou dizer porque toda a gente sabe que o nosso grande esforço tem sido reduzir a exposição ao futebol. Faz parte das nossas políticas de crédito. Eu quando herdei o banco tinha mais de 400 milhões de dívida nessa área – que não consideramos core. Hoje é muito menos do que 100 milhões, já reduzimos mais de 75%. Mas é só para lhe dar exemplos mais interessantes para as pessoas do que imóveis que deixámos de avaliar – nós avaliamos – estamos a falar de colaterais em processo de reestruturação. Em nenhum caso há mais algum cliente nestas circunstâncias detetado pela Deloitte. Todos os clientes são anteriores a 2014. Ainda assim, é uma desconformidade com as nossas próprias normas e, portanto, está aqui anotado, e bem. Teríamos de ver aí um ajustamento específico em relação, quer à regulamentação quer à tipologia de colaterais, porque não estava definido no nosso regulamento, colaterais de caráter financeiro que não fossem determináveis em princípio para efeito do seu valor.

A auditoria também detetou falhas na análise de risco em créditos a construtoras, que levaram a perdas de 271 milhões em 2018. E aponta o dedo a outras operações que geraram perdas, incluindo a venda de imóveis a desconto, sem que o banco explicasse os motivos para o preço. Como explica estas decisões?
O setor da construção merece uma explicação bastante mais serena – foi responsável pelos 271 milhões. Quase todos esses valores dizem respeito a operações prévias a 2014. Porque 95% das perdas são anteriores, são de créditos concedidos antes e portanto em processo de reestruturação. Mas também deve ser feita justiça à tipologia de créditos. Nós temos créditos e financiamentos com colateral de ações cotadas que tiveram 408 milhões de prejuízo e todos são anteriores a 2014. Mas também temos estes créditos de construtoras de índole um bocadinho diferente. O antecessor do NB tinha uma enorme exposição a grandes empresas de construção civil. E as empresas de construção estavam em crise desde 2008. É injusto tratar todos os casos como iguais. Até para o BES. A verdade é que algumas destas empresas tiveram sucesso e outras não na resolução dos problemas que nasceram em 2008 e continuaram até 2012. Houve inúmeras reestruturações destes créditos e tivemos casos de muito sucesso. Os três maiores clientes que herdámos eram posições uma de concessões e duas de construção civil. E todas têm conseguido resistir eficazmente a este processo de reestruturação – duas com muito sucesso e outra que esperemos com sucesso final assegurado. Mas nem todas resistiram, sobretudo a partir de 2016/17. E para isso contribuiu, está aliás no relatório, na pág. 30, a queda abrupta do dólar e do petróleo, nomeadamente em mercados de oil. Porque a diversificação destas empresas, para sobreviver, foi enorme e a queda do mercado da Venezuela, de Angola, do Brasil acabou por impor que algumas destas empresas não tivessem capacidade de sobrevivência.

Portanto, foi mais pelas condicionantes económicas do que por ação ou omissão…
Nós temos tentado fazer tudo em bolo. Em relação às construtoras eu respeito o trabalho que foi realizado pelo BES e até onde pôde ser pelo NB. Claro que com a estratégia que temos de resolver problemas não poderia manter esses valores em NPL e portanto, pouco a pouco, algumas delas acabaram por não ter sucesso. Eram empregos, empresas que se internacionalizaram, curiosamente num setor onde não era muito fácil. E Portugal é um país que internacionalizou a construção. Eu queria respeitar estas empresas porque, mesmo as que não tiveram sucesso tiveram algum esforço para conseguir pagar dívidas e encontrar soluções.

Mesmo com esta herança o NB vai continuar a apoiar as grandes construtoras?
O NB é um banco de empresas e de profissionais. E portanto vai manter o seu foco. Foi isso que justificou que o NB seja caso único em termos internacionais. Toda a gente fala nestas falsas polémicas mas não reparam que, de todos os grandes bancos portugueses, fomos nós que tivemos o maior crescimento da carteira de crédito no primeiro semestre deste ano. Isso agrada-me mais do que discutir os problemas – que sou obrigado a esclarecer, naturalmente. Mas não queria deixar de recordar que o NB foi um banco que o sistema quis preservar porque era um banco de empresas, com know-how .

Voltando à minha pergunta…
Vamos continuar a apoiar todos os setores da economia. E as construtoras inclusive, porque temos a certeza de que acabou por ser o mercado a fazer a definição daquelas que tinham capacidade para se suster. Havia uma, num grupo de construção, no banco, que de entre as diversas situações que tinha, tinha uma exposição superior a 1,8 mil milhões de euros. É uma exposição que não permitiria ser tomada por muitos bancos e foi necessário reduzi-la. E hoje é uma construtora de sucesso, com uma exposição muito inferior – o banco não pode ter exposições superiores a 700 milhões. Imagine o que foi o deleverage que estes construtores fizeram… Não podemos esquecer que este setor da construção esteve em crise logo desde que as taxas de juro tiveram o seu colapso. E a capacidade financeira da economia portuguesa tornou-se muito difícil a partir de 2010.

Voltando à venda de imóveis sem que o banco explicasse os motivos para o preço. Como é que se explica que a auditoria aponte o dedo a esta situação?
É preciso alguma criatividade para ver essa nota da auditoria. A auditoria diz é que houve duas vendas, ou duas reavaliações específicas com descidas significativas – uma de 40 outra de 50 milhões – e que o banco não tem um sistema de back testing – que significa que o banco não tinha um modelo pelo qual favorecia a reavaliação do modelo dos próprios avaliadores. Nós já o introduzimos, hoje temos um controlo maior sobre os avaliadores – todas estas avaliações são feitas por dois peritos independentes – portanto, mesmo a desvalorização foi feita por dois peritos independentes. O que auditoria diz é que devíamos ter tentado explicar melhor. Na verdade, as duas têm uma explicação muito clara. Uma tinha um hope value que tinha que ver com urbanizações que não são autorizadas pela Câmara – considera um terreno rústico, ainda que de elevada qualidade. A outra é um terreno muitíssimo conhecido que pusemos à venda e durante dois anos só tivemos propostas de valor muito inferior e o avaliador acabou por, ele próprio, reavaliar com esse desconto significativo. Portanto, a avaliação de imóveis é sempre complexa.

Vídeo: “Toda a gente fala em vendas a desconto, mas vendemos a preço de mercado”

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Porque é que o NB levou dois anos a informar o Fundo de Resolução do negócio de imóveis no valor de 645 milhões, que tinha sido chumbado pela direção responsável pelas boas práticas?
Essa história tem de ser contada de outra forma, é o projeto Viriato. Todos os projetos de venda que já foram avaliados por todas as entidades têm sempre o mesmo mecanismo: escolha de um advisor adequado, lançamento do concurso e da procura, de interesse significativo – normalmente são 40/50 investidores que são contactados – a assinatura de non binding offers e depois o concurso internacional baseado em dois ou três operadores selecionados pelo preço. E vendemos ao preço de mercado que é o melhor possível. O que acontece com o Viriato é que há uma divergência entre dois órgãos do banco na escolha do advisor. Porque, enquanto o órgão de compliance considerava que nós não devíamos escolher este advisor porque tinha como CEO em Portugal uma pessoa ligada ao ex-BES, a nossa área de imóveis considerava que era absolutamente fundamental ter este advisor porque tinha uma qualidade única para fazer operações na península ibérica com sucesso – fez 57 operações nos últimos dois anos – e que é o advisor preferido do Fundo de Resolução.

Como é que tudo isto explica essa demora de dois anos?
O que acontece é que esta divergência de órgãos internos do banco, que nós transmitimos nas atas, porque somos totalmente transparentes, na nossa opinião não precisava de ser comunicada a ninguém. E, portanto, a nossa opinião é que as divergências dentro dos órgãos dos bancos são resolvidas pelo banco. Portanto, o banco tomou uma decisão, que foi mitigar o risco, obrigando a que esta empresa, a Alantra, seja a Alantra Espanha e proibindo que a Alantra Portugal tivesse intervenção.

Se fosse hoje não informaria na mesma o Fundo de Resolução?
Nós não temos que avisar o Fundo de Resolução. Eu gosto de ter o Fundo a trabalhar constantemente comigo, como normalmente acontece, portanto, objetivamente, se o Fundo gosta de saber as divergências que existem nos meus departamentos eu terei todo o gosto de lhe focar este assunto. Mas nós só o avisámos porque houve uma denúncia anónima. Isto não tem qualquer influência na operação e a prova é que o Fundo aprovou a operação. O segundo aspeto, talvez até mais importante, é que eu tenho um princípio – disse-o à direção de compliance –: ´acho inaceitável que alguém que nem sequer tinha sido acusado (nem foi) seja prejudicado na sua função profissional por razões meramente reputacionais, porque a instituição não quer suportar o custo reputacional de estar a contratar esta situação. A minha preocupação é vender os imóveis o melhor possível. Se é a Alantra que vende melhor, é a Alantra que eu quero. Não conheço a doutora Rita Barosa de lado nenhum, mas a minha ética republicana, a minha qualidade de jurista leva-me a considerar que a inocência é um valor absoluto. E portanto tomaria a mesma decisão de contratar a Alantra e estou muito satisfeito com esse trabalho.

O NB identificou mas não divulgou beneficiários últimos da compra de ativos. Porque é que não divulgou? Era a Lone Star?
Primeiro, a Lone Star já veio dizer que não compra rigorosamente ativos nenhuns do NB porque está proibida por contrato. Sendo a Lone Star uma entidade fiscalizada pela Security Exchange Commission, seria muito estranho que dissesse uma coisa que não corresponde à realidade. Segundo, a avaliação das partes relacionadas é feita com base na determinação do último beneficiário. E o último beneficiário tem regras que qualquer pessoa lá em casa percebe: o último beneficiário é quem manda. E portanto, o que acontece é que no caso de fundos coletivos, de instrumentos coletivos, de fundos de investimento, quem manda é o gestor que manda nesses fundos. E, por isso, quando nós avaliamos, avaliamos o gestor que manda nesses fundos – são assim as normas internacionais. O que acontece é que há uma exceção. E a exceção é natural:Se existe um credor, um depositante desse fundo que tem mais de 25% de participação, pode pôr-se em dúvida se quem manda é de facto o gestor ou aquele credor que tem tanta importância. Fazendo um paralelo para o banco, quem manda na instituição financeira do NB são os seus órgãos de governação, incluindo eu. Mas se eu tivesse um depositante que fosse responsável por 25% dos meus depósitos, poder-se-ia pôr a dúvida se ele não era de facto o verdadeiro dono. Nós fazemos essa análise, que está obrigatoriamente tratada na lei, é uma diretiva comunitária. O que mais me custa nesta história é que esta lei foi revista em agosto, dando ainda mais poder a este princípio de que “quem manda é quem gere”. E, por isso, nós temos um controlo absoluto disto. Eu sei perfeitamente quem gere a Anchorage – tem nome de banqueiro, é casado com uma senhora que tem nome português mas não é, tem origem colombiana, sei exatamente a especialidade que ela tem, como designer de interiores, sei que ele desde 2003 se dedica a esta atividade. Não dizemos quem é o beneficiário último se não aos próprios órgãos que o devem conhecer. O Fundo de Resolução conhece perfeitamente quem é.

Mas isso não prejudica a transparência do próprio banco?
Não. Porque o que o banco diz, e a auditora, é que a análise foi feita.

Vídeo: Últimos beneficiários: “vamos dar toda a informação ao ministro das Finanças”

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Ainda nesta semana o ministro das Finanças disse que não está completamente convencido…
Mas nós vamos dar toda a informação ao senhor ministro para que fique completamente confortável. A Lone Star, já o disse, está proibida de fazer estes negócios com o banco. Qualquer outro acionista, dentro dos limites da lei, e das partes relacionadas, pode fazer negócios com outras instituições. Todos os dias na CMVM aparecem negócios feitos entre acionistas e as instituições de que são acionistas. A Lone Star não pode e não o faz. Se alguém põe uma suspeita eterna e não aceita nem o veredito da lei nem a declaração das partes, nomeadamente da Lone Star…

A Deloitte Espanha foi assessora do NB na venda da GNB Vida. Isto não coloca problemas de credibilidade a esta auditoria?
Esta auditoria é feita com um objeto, que está definido por lei, é proposto pelo Banco de Portugal e decidido pelo Ministério das Finanças. O NB é o auditado e não comenta a credibilidade do auditor. Este banco é o mais escrutinado da praça portuguesa. É escrutinado como todos, porque é supervisionado pelo BCE, é controlado pelo seu auditor regular que todos os anos tem de fazer a análise, e porque tem regras específicas. Porque tem o Fundo de Resolução, tem também um agente de verificação, uma comissão de acompanhamento e um conjunto de operações que estão protegidas e que criam ou não criam prejuízos que são imputáveis ao Fundo de Resolução, as decisões são conjuntas. São trabalhadas conjuntamente, não são decisões tomadas pelo banco. O banco gere em nome do Fundo esses ativos. E isso já obriga a um agente de verificação autónomo, que todos os anos também faz essa verificação. Nós até fazemos semestralmente para que não fiquem dúvidas. Mas ainda não era suficiente. Foi necessário uma auditoria adicional; pois que viesse – e deu as conclusões que são muito aceitáveis para a gestão do banco. Não é suficiente e ainda se põe em dúvida se é necessário o Ministério Público avaliar se as vendas são corretas? O Ministério Público fez a sua avaliação. E veio dizer que não havia provas, que não havia indícios. No dia 15 estarei no Parlamento a responder aos deputados, como sempre respondo, porque sou talvez o gestor que mais iniciativa tomou de ir ao Parlamento tentar explicar o enquadramento de uma operação que é inegavelmente difícil de explicar. Portanto, o nível de escrutínio não é só do presidente. É de 4500 colaboradores, que todos os dias também são escrutinados na forma adequada como prestam o seu serviço. E isso dá-nos uma força enorme.
É claro que às vezes é cansativo e demonstro o meu direito à indignação com alguns comentários feitos sobretudo durante o tempo em que defini o silêncio – porque eticamente achei que ninguém deveria falar quando estava a ser auditado, mas via toda a gente a falar como se de uma conversa de café se tratasse. E quando começámos a falar fui o primeiro a estar em todo o lado. Tenho todo o gosto de responder a toda a gente em relação às dúvidas que surgem.

No Parlamento, certamente o BE vai voltar com o pedido de nulidade desta auditoria.
Não comento a auditoria. A auditoria foi decidida dentro deste contexto. Seria difícil ter auditores que pudessem auditar o banco sem terem algum tipo de atividade com o próprio banco.

Não o surpreende este pedido do BE da nulidade?
Surpreender não é a expressão mais adequada. Quando criamos uma história e a história não tem adesão… A auditoria tornou-se um fator político.

Sente-se um joguete político?
O banco já disse que não gostava de ser arma de arremesso político e eu não considero que seja adequado para aquilo que é a nossa função fundamental, que é criar valor para a instituição. A valorização dos ativos da instituição beneficia os dois acionistas. E há um que tem 25%, que é o Fundo de Resolução. É tão acionista como a Lone Star que tem 75%. Eu quero que a valorização da instituição seja a realidade. Agora, a valorização passava por estes passos que tiveram de ser dados. Primeiro, ser um banco ponte, segundo, é um banco em transformação. Que queremos, aliás, que termine em 2020, porque o que está previsto é que em 2021 o banco já seja lucrativo. Não lhe vou dizer que sou joguete político. Acho que o banco, de alguma maneira, é feito de muitas opiniões – existem muitas sobre a resolução, sobre a venda, sobre a gestão dos ativos problemáticos que o banco tem que gerir… Sempre tive como lema uma frase que o meu sogro tinha à porta do escritório: “Aqui aceitam-se sugestões de quem fez melhor, não de quem acha que sabe mais.”

O relatório foi publicado numa versão truncada. Porquê?
Porque há questões de sigilo bancário que têm de ser protegidas. Quer do ponto de vista operacional quer da recuperação de créditos. Se todos os credores tivessem acesso à informação e soubessem o nível de imparidades que eu tinha, a minha capacidade negocial diminuiria fortemente. De todas as maneiras, nós contribuímos para isso juntamente com as Finanças e o Banco de Portugal e foi a versão pública que mais rapidamente se pôde colocar. Ainda a colocámos na sexta-feira à disposição do senhor presidente da Assembleia da República – e deixe-me dizer que tive o cuidado de lhe enviar também uma versão não truncada, para que toda a gente pudesse ver as partes que tínhamos retirado. Houve enorme preocupação de ser muito transparente. Não nos podemos esquecer que os senhores deputados têm acesso à versão integral. E, portanto, dentro de certos limites de controlo de informação quando me fizerem perguntas podem fazer sobre as 370 páginas.

A PGR veio dizer que as vendas foram afinal aprovadas sem oposição do Fundo de Resolução. Não lhe parece estranha esta declaração quando o Fundo foi informado dois anos depois?
Não. Parece que não me consegui explicar. A aprovação da operação é a aprovação da transação. Isto é o outsourcing de quem me ajuda a construir um modelo. O meu advisor diz “vamos marcar o modelo assim, vamos tentar contratar estes compradores, vamos fazer este info memo”. Foi o único assunto discutido problematicamente com o Fundo de Resolução e que é resolvido com toda a naturalidade. Não houve discussão nenhuma sobre a qualidade da venda. A qualidade da venda foi aprovada pelo Fundo de Resolução. Já agora, o Fundo de Resolução só perdeu 18 milhões na venda do Viriato – consta da auditoria. Parece que ninguém quer ver os números concretos… foram 18 milhões de prejuízo. Porquê? Porque o desconto sobre os ativos do Fundo de Resolução foi de 11%. Toda a gente diz que houve um grande desconto. Não. Foi vendido ao preço de mercado. E nós fazemos estas vendas porque somos obrigados. A lei bancária não nos permite deter mais de dois anos os imóveis que não são afetos à exploração.

Vídeo: Viriato: “as divergências internas não precisam de ser comunicadas ao Fundo de Resolução”

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Quem vende à pressa é obrigado a vender mal?
Eu tinha 5,1% do meu ativo em imóveis – a CGD, que é muito mais especializada em imóveis, tinha 2,3% – e uma idade média de sete anos. Para manter isto em carteira tinha de pedir autorizações ao BCE. Sabe o que é que me aconteceu? Nos primeiros cinco meses que estive no banco pedi 5 mil autorizações de prorrogação. O BCE perguntou-me “o que é que se passa?” É por isso que nós já estávamos, no início de 2017 , a preparar a primeira transação. Tudo imoveis granulares, abaixo de 450 mil euros e de qualidade. Os preços que se diz hoje que não foram bons foram suficientemente bons para que, quando notificámos todos as câmaras para poderem exercer o direito de preferência, só em oito de 6 mil foi exercido o direito de preferência. Eu deixei o dossier na Assembleia da República exatamente para demonstrar a qualidade destas casas. Mas dou-lhe ainda um exemplo ainda mais significativo: também notificámos os arrendatários. Curiosamente só 27% dos arrendatários é que compraram. O que dá a ideia de que ou os preços não era adequados ou as casas eram de muito fraca qualidade. Ou ambas.

Para que fique claro de uma vez: há ativos que foram para o NB que devam ter ficado no banco mau?
A sua pergunta obrigava a uma resposta técnica… Os ingleses têm uma melhor maneira de fazer isto: têm um bad bank e um bank – que não é good bank. Nós é que resolvemos fazer alguma tradução agradável. Mas, o que acontece é que ainda bem que estes ativos, mesmo que problemáticos, estão no banco dito bom. Mesmo os tóxicos. Porque eu recupero, nem que seja 10%, 15%, 20%. Queria que eu recuperasse isso para dar aos acionistas do BES? Ao menos é património do Novo Banco.
O que aconteceu é que as necessidades de capital criaram um mecanismo de capital contingente, que era um valor de 9,1 mil milhões que o Fundo de Resolução tinha de gerir conjuntamente connosco – o Fundo de Resolução achou que o NB era o melhor para o gerir, mas tinha a hipótese de ter escolhido outro banco, uma sociedade gestora especial. Nós tentamos desenvolver a nossa atividade para melhorar, o mais que podemos, o valor destes ativos, por isso é que nunca vendemos ativos só do CCA ou só nossos. Por exemplo, no NATA eram muitos ativos do CCA e poucos nossos; no caso do Viriato é exatamente o contrário. Assim toda a gente tem a certeza de que nós tratamos o que é nosso exatamente igual ao que está produzido pelo mecanismo de capital contingente.

Os apoios pedidos ao abrigo do capital contingente já atingem perto dos tais 3 mil milhões de euros. Faltam 900 para o total. Podemos dar como certo que os 3,9 mil milhões são atingidos?
Não. Só para o ano é que se sabe os resultados. Só para o ano é que saberemos a necessidade de capital e as perdas acumuladas.

Além das especificidades do NB, há a pandemia… usando aqui de algum bom-senso, chegará lá?
Há quem me pergunte se eu sou um gestor que apenas tem preocupações com o bem-estar do banco e me esqueço das preocupações sociais subjacentes. Pode crer que é preocupação de toda a administração o bem-estar da sociedade e também os objetivos que são subjacentes ao interesse público. É claro que eu tenho como objetivo ter um banco saudável. E sobretudo com o histórico que tenho, tenho um objetivo adicional de esse banco ser viável e saudável. Até porque a União Europeia assim o obriga, o BCE assim mo exige, e os meus auditores não me permitem ser de outra maneira. Mas do ponto de vista real, o que pretendo é ter uma solução o mais adequada possível ao financiamento à economia e um encontro de soluções. A questão básica é qual é a melhor maneira de o fazer. Só há uma maneira de o fazer: terminar este ano, esta história que já vai longa demais, e que o banco fique absolutamente limpo e capaz de responder às necessidades. Porque os problemas – como muita gente tem dito – que vêm em 2021 precisam de uma resposta adequada do sistema financeiro. Eu herdei este banco com 33,4% de NPL – ativos que não servem para nada ou para pouco –, que tornavam este no quinto pior banco da Europa, depois de quatro gregos. As nossas taxas de juros estavam a 4% quando este processo de venda foi anunciado e quando terminou estavam a 1,9%… Porque se criou um mecanismo total de capitalização da instituição por um acionista privado, pelos obrigacionistas – que às vezes esquecemos que foram sacrificados em 500 milhões – e pelo mecanismo de capital contingente, a cargo do acionista Fundo de Resolução, com 25%, que permitiram ao banco dar resposta a estas necessidades. E a descida das taxas foi uma grande vantagem para o país.
Simultaneamente, o banco tem de responder às exigências da comunidade – e de facto tivemos esse apoio do Estado. E por isso o Estado teve de assinar um acordo com a União Europeia que determinou que em 2020 o banco devia estar limpo e, em 2021 ser rentável. Já temos uma grande vitória: estamos abaixo dos 10% de NPL. É a maior descida em toda a Europa. Éramos o quarto pior, hoje somos o banco que mais conseguiu reduzir. Isto custou tempo e dinheiro. Inevitável. Não era possível fazer num dia ou sem custos de capital. Só que isso vai criar valor – para os 25% e para os 75% que estão subjacentes a este investimento realizado. Mas também vai criar valor para a sociedade se, no próximo ano, contarem com o NB como o banco das empresas.

Com essa evolução podemos por de parte o cenário de o NB precisar de mais injeções?
Não ponho de parte nenhum cenário. O que importa dizer aos portugueses é que nesta altura temos capacidade de financiar; financiamos o NB para que ele fique bom e no próximo ano possam contar com financiamento em resposta e a devoção do NB em relação à sociedade para dar estas respostas. Foi isto que assinámos com a CE. E contem comigo para cumprir. Isto é mais importante do que o que parece., pprque o que se discute muitas vezes a velha e a nova banca, o empurra com a barriga, o esconde que agora não dá jeito. Há que assumir. Há que resolver. E há que, depois, dar a resposta necessária aos momentos de crise. E acho que é isso que esperam do NB e é isso que queremos dar ao mercado.

Em 2014, o Novo Banco tinha quase 8. mil funcionários, agora tem menos de 5 mil. Precisa de reduzir mais o quadro?
Temos de ter um banco para o futuro, em que todos os que ali trabalham são necessários. Naturalmente quanto mais crescermos, quanto mais tivermos capacidade de crescer, mais postos de trabalho geramos. Isso é que nos anima.

Ameaçou que se não se cumprisse os objetivos poderiam ter de sair 1500.
Não ameacei, eu tenho uma nota nas exigências de Bruxelas assinadas com o governo português que diz que se eu não cumprir isso acontece. E muita gente considerou os nossos objetivos impossíveis. A verdade é que chegámos a 2019 e cumprimos. Passámos 2020 com um pouco de indignação… A sociedade está a passar um momento difícil e claro que as pessoas não gostam de saber que esta capitalização foi feita às prestações. Eu também gostava que tivesse sido como a da Caixa Geral de Depósitos, num só dia; como o Banif, que simplesmente tirou os ativos problemáticos todos do banco. Os meus ativos problemáticos estavam definidos. Propuseram-nos esta missão e consegui que 4500 pessoas que têm famílias em casa pensem da mesma forma: quando saírem do banco não vão deixar o problema para ninguém resolver.

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