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A Centromarca foi fundada em 1994 e tem hoje meia centena de associados que representam mais de 800 marcas e um volume de vendas de 6 mil milhões de euros por ano. A associação é desde 2017 liderada por Nuno Fernandes Thomaz, que é também sócio da sociedade de capital de risco Core Capital e administrador da Sogepoc.
Qual o impacto da pandemia nas vendas das empresas com produtos de marca?
2020 é um ano que marca e deixa marcas. É um fenómeno que se vive uma vez, de uma magnitude brutal, mas o impacto nas empresas associadas da Centromarca foi assimétrico – dependendo do tipo de produto e do momento. No pico da pandemia, numa primeira fase, venderam-se muitos enlatados, congelados, produtos com maior validade e até desinfetantes. Depois, quando o consumo começou a estabilizar, vimos o confinamento refletir-se, por exemplo na compra de cápsulas de café e tinteiros. O setor que mais sofreu é claramente o que se liga ao canal Horeca (hotéis, restaurantes, cafés), e aí foi dramático. Desapareceu o turismo, a rua e todas as empresas que têm muitos negócios nesse canal pararam.
Houve uma alteração no comportamento dos consumidores?
Houve claramente alterações, não só de como se compra como da lista de compras. Passou a comprar-se muito mais online – essa via quadruplicou num ano. Ainda que a base de início fosse muito pequena, fez-se um caminho que se previa para cinco anos. Depois, as lojas de comércio tradicional voltaram a estar em grande, os clientes regressaram ao comércio de proximidade, e passou a fazer-se one stop shop – ao fim de semana, as pessoas dispersavam-se por hipermercados para ver onde compravam mais barato e por razões sanitárias passaram a comprar tudo numa só loja. Quanto à lista, vê-se o fenómeno de estarmos mais em casa, o escritório e a escola passaram a ser em casa e o consumo de uma série de produtos reflete-o.
Vídeo: “Compras online quadruplicaram. Fez-se num ano o caminho de cinco”
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E essa alteração será definitiva?
O online claramente. Ainda estamos em pandemia e o que se esperava que fosse conjuntural parece quase estrutural, mas sim, veio para ficar. E outros hábitos de consumo, por exemplo, os portugueses estão a comer mais legumes frescos, a tendência de alimentação saudável acelerou-se.
E qual foi o impacto nas empresas? Houve perda de emprego?
Não. O grande consumo alimentar – que é parte considerável – cresceu 8% em vendas no ano. Houve impacto forte a nível organizativo e operacional, foi preciso ajustar e fez-se um esforço hercúleo de não falhar a cadeia de valor – do produtor ao distribuidor, passando pelos nossos associados – e isso teve custos. Mas o emprego, apesar de algumas reduções em certos produtos ou áreas, segurou-se com o lay-off; foi raro o caso de desemprego nas associadas da Centromarca. Ainda… porque ainda estamos num processo e isto deixa um lastro. Temos de ver como vai ser.
Apelando à sua experiência enquanto administrador da Caixa: o fim das moratórias pode acrescentar crise à crise?
O fim das moratórias das famílias, quinta-feira, será um momento de reality check para a economia portuguesa. Vamos ver situações complicadas.
Pode ser um teste para as de setembro?
São animais diferentes: uma privada é diferente de uma pública, o mundo corporate é diferente das famílias, não dá para tirar conclusões. Num caso são 24 mil milhões, noutro 22… Este processo tem de ser muito bem gerido, com muita sensibilidade por parte dos bancos. E estou confiante, porque estive na CGD numa altura muito difícil – a crise de 2011, que nos ensinou a reestruturar financiamentos e empurrar com a barriga, que é o que acho que vai ter de voltar a acontecer no fim das moratórias.
Um alargamento do prazo?
Eu gostava, porque nos daria mais tempo para digerir a crise e esperar um momento de recuperação, mas não creio que vá acontecer, até porque a EBA não está disponível para isso. Portanto, os bancos terão de ser muito cuidadosos. Estou confiante porque hoje têm outra robustez de capital e tiveram uma aprendizagem para fazer um processo muito importante. Mas como consequência teremos reestruturações de financiamento e aumento do rácio do malparado.
No fim do mês vamos assistir a um drama ou os bancos terão capacidade para analisar situação a situação?
Creio que terão sensibilidade para isso e para reestruturar o que puderem de forma a amenizar o mais possível a dor às pessoas.
Vídeo: “Privatização da Caixa pode voltar a estar em cima da mesa”
A Caixa atua em concorrência com os privados mas tem obrigações especiais por ser um banco público. Há futuro neste modelo ou o país terá de voltar a pensar na privatização da CGD?
Tenho de medir o que vou dizer, pelas funções que tive, para não cair em incoerências. Primeiro, fico contente que a CGD esteja hoje mais confortável em rácios, mais à vontade, porque dei a essa casa muitos anos da minha vida profissional, num tempo difícil, e gosto que esteja bem. Eu, ao longo de muito tempo defendi uma Caixa pública, contra a maioria dos meus amigos e contra a minha área política. Porque via razões para haver uma Caixa pública.
E já não defende?
Esse é o tema. Ou porque já passou muito tempo ou porque eu amadureci. E porque há um Banco de Fomento, que acredito que terá um papel. E sobretudo porque tem de haver concentração no setor – veja-se o que está a acontecer agora em Espanha… acho que a privatização estará em cima da mesa de novo mais cedo ou mais tarde.
E seria bom deixarmos de ter um banco público? O Banco de Fomento (BF) pode substituí-lo?
Se o BF preencher o papel de suprir as falhas todas de necessidade e de estar presente nos financiamentos e capitalização de forma eficiente, acho que sim.
O BF tem um papel na recuperação e está apetrechado para ser fundamental nesse processo?
Creio que está a ser apetrechado. É bom que já exista e seja um projeto em andamento. Vejo-o como instrumento essencial para o governo capitalizar e financiar muitas das empresas do nosso tecido empresarial. O que é fundamental é que esteja bem dotado de equipas: pessoas certas, com capacidade financeira e know how de empresas para desempenhar a tarefa.
E está?
Parece-me que sim, está a contratar boa gente. E parece-me que também é importante que colabore com sociedades privadas que detenham track record para ajudar nestas missões da capitalização e do financiamento.
Existindo então Banco de Fomento, o Estado tem menos necessidade de ter a CGD?
Também, sim.
O PRR está bem desenhado ou devia focar-se mais nas empresas?
O PRR é o tema da ordem do dia e também tenho de ter aí cuidado. Eu olho para o PRR como instrumento de aumento do crescimento económico em Portugal, de recuperar o atraso da nossa economia e fazer face aos danos da pandemia. Dito isto, não começa muito bem. E a culpa não é do governo mas da Europa – porque tarda em chegar…
Há modelos de aplicação bem distintos na Europa.
Exato e aí é que está o tema… as assimetrias. Estamos a aprofundá-las entre os Estados-membros e isso não é bom. Se os planos demoram a ir para o terreno, os países ficam entregues à sua capacidade orçamental para trazer estímulos à economia. Houve duas alavancas para atacar a crise: a monetária – e aí o BCE foi exemplar na resposta robusta e rápida – e a orçamental, que tem demorado. Enquanto demora, os países – com todas as suas condicionantes orçamentais pelo endividamento que têm – vão trazendo estímulos à economia e uma Alemanha consegue dar muito mais do que Portugal, que está muito mais endividado. Mais uma razão para que o PRR tivesse fundos mais orientados para o setor privado. O governo não tem tido possibilidade de o fazer… mais cedo ou mais tarde isto passa e daqui a uns anos voltamos à ortodoxia da disciplina das finanças. Portanto, este jogo é muito importante. Quanto ao desenho, é o que é, e haveria sempre críticas, independentemente do que fosse o plano. Eu tenho uma e forte: a da recapitalização, ou da insuficiência do que a ela está consagrado. É uma cruzada que me diz muito, que assumo há muitos anos.
É um problema crónico da nossa economia.
É um verdadeiro cancro da economia portuguesa a falta de capital no nosso tecido empresarial. Mais de 50% das nossas empresas não respeitam o artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais.
Que diz?
Simplificando, diz que quando têm metade do capital social deveriam ter de ser diluídas. Não estou a falar de despejar dinheiro nas empresas, mas de o injetar com condições, melhorando standards de gestão, reconvertendo mesmo modelos de negócio para ficarem preparadas para o pós-pandemia, que será uma realidade diferente. É um processo de regeneração e reindustrialização da nossa economia. A primeira é fundamental – é um mantra para mim: aproveitar o momento de ouro, único, para atacar este problema e regenerar. E reindustrializar porque vimos na crise que as cadeias de produção mundiais não vão ser como eram, serão muito mais estreitadas. Haverá movimento de euroshoring e este é um tempo único para apostar nas nossas industrias,. Temos muito know how em Portugal.
Vídeo: O PRR devia estar mais orientado para as empresas
E isso está ausente do PRR?
Não ausente, mas quando se está a falar em injetar 4 mil milhões na TAP, o montante de recapitalização é extremamente reduzido, devia ser cinco ou seis vezes mais.
Acredita que da crise resultarão oportunidades para fundos de reestruturação como a Core Capital? Podem os fundos ter um papel fundamental na recuperação?
Podem e devem. Mas há que fazer aqui uma distinção. Os fundos de reestruturação apareceram há uns anos e parquearam créditos dos bancos.
E aqui estamos a falar de fundos que entram, melhoram e ajudam as empresas a mudar.
Isso mesmo. É um modelo completamente diferente, porque são fundos que tomam risco nessas empresas para as devolverem à economia se tiverem sucesso. Mas tomam risco. Injetam dinheiro fresco, trazem nova gestão, acompanham-nas em vários processos – otimização, geração de cash flow – mas estão presentes. E no fim do dia, se não correr bem não têm sucesso e não vão ganhar. É com muito prazer que digo que o temos feito na Core, à nossa dimensão, ainda pequena, mas com sucesso. E assim garantindo que se recupera know how e expertise português de forma a criar ou ter produtos e serviços de valor acrescentado, que podemos até internacionalizar.
Quer dar exemplos?
A Jayme da Costa, empresa centenária no setor da energia, que estava em sérias dificuldades; houve um PER, entrámos e está a dar a volta. Também na Sousacamp, que é líder nos cogumelos frescos, estamos a ver já os primeiros sucessos da reestruturação. É algo que tem de se fazer mais e mais.
Havia planos para a Sugal e a Visabeira entrarem respetivamente no capital da Sousacamp e da Jayme da Costa. Isso concretizou-se apesar da pandemia?
Sim, foram coinvestimentos, que são uma solução muito inteligente para as empresas – porque a Visabeira a Sugal trazem know how e acrescentam-lhes valor. É preciso também saber não ter a mania que sabemos de tudo. E não ter complexo de trazer outros parceiros para cima da mesa. Estamos disponíveis para dividir, desde que lá a frente o resultado seja o melhor possível.
E a pandemia não afetou nem atrasou processos?
Bem, afetou… 2020 afetou as participadas de quase todos os fundos e do nosso também, porque teve impacto nas receitas. Mas conseguindo compatibilizar todos os apoios do governo à economia e otimizando estruturas, conseguimos preservar emprego e começar a torná-las mais rentáveis. É um processo exigente, que continua e obriga a acompanhamento. Mas esse é um aspeto desta crise – e agora não falo das empresas do meu fundo: há alguns negócios que sairão muito mais fortes deste momento, porque tiveram de otimizar estruturas.
Acredita que vai haver um boom de consumo assim que se levantar as restrições à economia?
Acho que vamos assistir ao que se passou nos loucos anos 20: um fenómeno de revenge spending, de consumo de vingança, porque as pessoas estão com essa necessidade – mesmo aquelas que têm pouco rendimento -, é algo mais da esfera emocional. Não tenho dúvidas de que vai acontecer isso – e já se vê nos EUA, que estão mais à frente. Mas depois rapidamente vamos cair na realidade, porque haverá muita perda de rendimento disponível e desemprego. Prevejo que vamos assistir a um prolongamento da crise além do que gostaríamos.
É um membro destacado do CDS, esteve no governo em 2004, com Paulo Portas e Santana Lopes. O CDS está em extinção?
Já ouvi que o CDS ia morrer mais de dez vezes…
Mas nunca houve a fragmentação à direita que hoje existe.
Verdade, estamos num novo contexto – e não quer dizer que não esteja preocupado com o CDS, estou e muito. Mas extinção, não. A política tem uma coisa engraçada: num ano acontece muita coisa e o jogo vira de repente. Basta haver algo que ninguém esperava e de repente o CDS já pode até fazer parte de um governo. Já assistirmos a isso inúmeras vezes.
E essa reviravolta pode acontecer com Francisco Rodrigues dos Santos?
Ele está a fazer o seu caminho. Foi eleito e está a exercer o mandato. Mas mais do que a liderança dele ou de outro que venha a seguir, o que acho é que o CDS tem de ter bandeiras claras de um partido de direita.
E tem?
Não. É esse caminho que tem de se percorrer. Ter bandeiras como a segurança, o combate às fraudes nas prestações sociais, um discurso forte sobre iniciativa privada. São os temas que dizem diretamente respeito ao eleitorado do CDS.
E não foram roubados? Dois deles são bandeiras do Chega…
Então tem de se roubar de novo. A política é um jogo e os políticos têm de ter jogo de cintura para isso. Mas estes são claramente temas com que o eleitorado de direita do CDS sente identidade. Portanto é aqui que tem de trabalhar.
O CDS estaria mais bem entregue a uma liderança encabeçada por Adolfo Mesquita Nunes?
Eu tenho dificuldade em responder a perguntas dessas, porque não gosto de pessoalizar as coisas. Conheço bem o Adolfo e é um tipo brilhante. Mas não gosto de dizer alo em detrimento de outra pessoa. O Adolfo é um quadro importantíssimo do CDS.
Seria um bom líder?
Creio que sim. Ele e outros eventuais quadros.
Vídeo: “O CDS tem de ter bandeiras. Se o Chega as roubou, é preciso roubá-las outra vez”
O CDS deveria disponibilizar-se para uma geringonça à direita?
Creio que sim. O CDS deve disponibilizar-se para qualquer coligação à direita, desde que não viole os seus valores. É a única condição.
Incluindo o Chega?
Voltamos ano e meio atrás… tem de perguntar ao líder do CDS. Eu da última vez arrisquei dizer o que achava que ia acontecer – e aconteceu. Não vou cair outra vez… a resposta que tem de ser dada pelo líder do CDS.
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