//O aeroporto esquecido

O aeroporto esquecido

Portugal não se dá bem com grandes obras. Desde os dramas de Afonso Domingues no Mosteiro da Batalha e as obras de Santa Engrácia até às desventuras do Complexo de Sines e da linha TGV, a verdade é que, por cá, os projetos magnificentes em geral desiludem as expetativas, saindo muito tarde e muito caro, nos casos raros em que chegam a sair. Mas, mesmo considerando este ambiente negativo, a saga do segundo aeroporto de Lisboa destaca-se pela tolice e morosidade.

Começado em 1969, este projeto já teve inúmeros estudos e variadas soluções apresentadas sempre como definitivas (a mais recente das quais em junho deste ano), que acabaram por se revelar caducas. Por estranho que pareça, a situação nos finais de 2022, 53 anos e 31 governos depois do início, define-se pela recente nomeação de uma comissão técnica para fazer um estudo de avaliação das alternativas. Podemos dizer que regressámos a 1969.

O mandato da referida comissão, sem estar fechado, aponta para cinco alternativas principais, três das quais mantêm a atual solução da Portela, e incluindo nas cinco três locais alternativos: Montijo, Alcochete e Santarém. Desapareceram algumas das antigas “soluções definitivas”, como Porto Alto, Rio Frio ou Ota. Mas a omissão mais surpreendente é Alverca.

Há mais de cinco anos que uma equipa de reputados especialistas, chefiada pelo engenheiro José Proença Furtado, e incluindo ambientalistas, urbanistas e economistas, como o antigo presidente da Câmara de Lisboa António Carmona Rodrigues, tem vindo a advogar a criação de um hub com duas localizações próximas: Alverca para o longo-curso e a atual Portela para o médio-curso (ver https://hubalvercaportela.com/). Esta solução tem várias vantagens evidentes, a principal das quais é o reduzido custo e duração do projeto.

Começa logo por ter o grande benefício de não obrigar a deitar fora um aeroporto ainda em excelentes condições de utilização. Um dos tiques que sempre assombrou as grandes obras lusitanas é o gigantismo e a novidade, preferindo-se o grande e caro ao prático e acessível. Isso verifica-se em duas das alternativas estudadas pela comissão, que implicam substituir definitivamente a solução da Portela por grandes construções em Alcochete ou Santarém. Será que nós, país rico, podemos dar-nos ao luxo de descartar aeroportos?

No entanto, nas três soluções oficiais que mantêm o atual aeroporto em funcionamento, o problema é que ele fica desligado da nova instalação, demasiado afastada (Montijo em duas delas e Santarém na terceira). Lisboa passaria assim a ter dois aeroportos praticamente independentes, com todos os inconvenientes daí resultantes. Esse é o grande argumento que justifica esquecer a Portela e recomeçar de raiz noutro local.

Existe, porém, uma terceira solução que resolve a aparente contradição. De facto, complementando a atual infraestrutura com um acrescento na base aérea desativada de Alverca, a menos de cinco quilómetros (10 minutos por comboio automático), isto permite realmente que as duas instalações funcionem em conjunto, em hub, com duas pistas em cada polo.

Assim os grandes aviões usariam Alverca, mas os voos menores continuam perto do centro da cidade. Por outro lado, só teriam de existir obras novas em Alverca, que demorariam menos de cinco anos e custariam vários milhares de milhões de euros abaixo de todas as alternativas em estudo.

Neste caso, e apenas neste caso, até se pode dizer que a questão do aeroporto deixaria de ser considerada uma grande obra. Além do mais, esta opção também evitaria vários problemas ambientais que têm assolado as propostas em estudo.

Será que a proposta Alverca/Portela é melhor que as outras? Ela certamente parece, e muito boa gente a tem recomendado. Mas a decisão final não pode ser tomada por sites ou artigos de jornal. Têm de ser os técnicos encartados e oficiais a validar a solução. Aí, porém, está o busílis: esta hipótese nem sequer consta da lista em estudo. É esta omissão que levanta fortes suspeitas acerca do processo.

Porquê nem sequer considerar uma solução que reduziria fortemente o custo e a duração face a todas as outras? Não faz sentido enveredar por teorias da conspiração ou juízos de intenção, mas a ligeireza com que um assunto tão arrastado trata uma alternativa deste valor deixa uma marca feia em todo o processo. Mas talvez isso nem admire, depois de tudo o que tem sido lastimoso neste caso, ao longo de mais de meio século e dois regimes.


*João César das Neves, economista e Professor na Católica-Lisbon

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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