//“O Montepio não tinha necessidade de se envolver em ligações perigosas”

“O Montepio não tinha necessidade de se envolver em ligações perigosas”

Se ganhar as eleições da Mutualista, António Godinho vai pedir uma auditoria às contas da Associação. Espera que não haja um buraco mas antecipa uma situação difícil.

Em 2015, ficou em segundo lugar nas eleições para a liderança da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), a dona da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG). Agora é de novo candidato à instituição liderada por António Tomás Correia que, no seu entender, já deveria ter deixado o cargo.

Já concorreu contra Tomás Correia e perdeu. Porque é que esta vez vai ser diferente?

Por dois motivos: primeiro, porque a Associação e os associados aspiram a um novo ciclo de mudança de forma mais clara do que há três anos; por outro lado, porque unimos todas as oposições de há três anos numa única lista, que no seu total representaram cerca de 40% dos votos. E nunca foi tão importante iniciar um novo ciclo de gestão na associação mutualista.

Mas porque é que não há uma única lista de oposição a Tomás Correia? Quem é o responsável?

Não há responsáveis. Criámos, desde fevereiro, um grupo de reflexão mutualista que se juntou e está unido na equipa que lidero. Fomos fazendo contactos no sentido de existir uma lista única. Só que existiu um movimento individual, a partir de julho deste ano, o Fernando Ribeiro Mendes, que decidiu de forma autónoma anunciar a sua candidatura à margem desse grupo de reflexão, à margem de se discutir antes um programa e as linhas básicas da candidatura. A partir desse momento, ainda existiram algumas conversações, mas ele claramente tinha o seu caminho, tinha o seu grupo e, por isso, acabou por resultar em duas candidaturas distintas. E não há mal nenhum disso, a democracia é feita de escolhas e programas diferentes e o que se trata aqui é discutir ideias e não pessoas ou coligações.

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Mas acha que essa divisão da oposição pode fazer perigar a saída de Tomás Correia?

A questão deve ser colocada da seguinte forma: neste momento, a única lista alternativa é a que eu lidero, porque a equipa de gestão do Dr. Tomás Correia inclui o Dr. Ribeiro Mendes. Portanto, não há uma alternativa efetiva. Ainda por cima, continua a ser administrador da casa. Não vejo que seja um oposição. Só vejo uma lista de oposição não comprometida com o passado. Nunca estivemos comprometidos, sempre fomos críticos desta gestão.

A sua lista está ligada a algum partido ou associação?

Não, é completamente independente de sentidos partidários, de ideologias, não é sectária. Queremos iniciar um novo ciclo e o Montepio está numa mudança obrigatória regulamentar, mas não é só isso. Os tempos que se adivinham mais conturbados precisam de uma nova equipa e de uma nova estratégia.
Carlos Tavares, líder da CEMG, decidiu impedir a campanha no banco. Como vê esta medida?
É positiva porque, infelizmente, no passado, em atos eleitorais – e temo que possa existir também neste ato eleitoral -, a lista dita institucional [que é um termo de que não gosto nada, porque não há associados de primeira e de segunda e parece que a lista institucional é a verdadeira lista e os outros são oposição], a A, e que está no poder na Associação, tem usado muitas vezes os meios institucionais para chegar aos associados. Só para vossa informação e dos leitores, não temos caderno eleitoral, não conseguimos contactar os associados para apresentar as nossas ideias e o nosso programa. Só temos o nome e o número de associado. E só se vê que, de facto, a Associação Mutualista e o Montepio hoje… e toda a crise de confiança que vive no mercado, advém de um conjunto de práticas pouco transparentes e pouco democráticas que se refletem na vida da Associação. Desde logo, num processo eleitoral que não é transparente nem democrático. Portanto, tudo o resto e os resultados da gestão refletem os princípios que não são os corretos, nem aqueles que sempre primaram a vida de uma associação mutualista como o Montepio.

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Tem noção se está a ser cumprida esta nova regra?

Creio que, desta feita, os trabalhadores estão a ser menos pressionados. Existiu sempre um clima, não diria de coação, mas de alguma obrigação, de contactar associados, de sugerir onde e como votar, em que lista votar. Isso aconteceu no passado e, infelizmente, muito do que tem sido a promoção do mérito dos trabalhadores tem tido em conta esse facto, o que é triste. Muitas vezes, aqueles funcionários que colaboraram ativamente numa eleição têm preferência sobre outros, independentemente das questões do mérito. Isso é algo que também queremos eliminar, é algo que não é transparente, não é democrático, não respeita os princípios basilares de uma associação normal, quanto mais de uma associação mutualista.

Qual é a primeira medida que tomará se vencer as eleições?

Uma auditoria é importante e assim será. Mas, em primeiro lugar, acho que se deve falar aos associados, trabalhadores e pensionistas. Não se vive uma cultura associativa no Montepio. Há um desfasamento entre os associados e as sucessivas administrações. Por isso as palavras de confiança e união, de trabalharmos juntos num plano que volte a trazer o Montepio para a sociedade civil e para o mundo financeiro, para a sociedade portuguesa, como uma marca de confiança. Isso não se faz com grandes planos de gestão ou uma retórica cansativa da economia social e do banco social. Faz-se com confiança, transparência e juntando os associados em torno de um projeto.

Não confia nas contas?

As contas apresentadas, tenho dito de forma sucessiva, são contas com alguma opacidade. O Montepio é uma associação mutualista, tem regras próprias. Há claramente opacidade na gestão porque nem tudo está devidamente refletido num balanço. Há contas que estão agregadas, não se consegue perceber qual é a distribuição. Por isso, essa auditoria para perceber a real situação da AMMG e trabalhar com todas as participadas do grupo e respetivas administrações para um verdadeiro plano de reinvenção e recuperação do Montepio, não apenas no que toca à sua gestão mas também à restauração da sua confiança no mercado.

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Mas teme que haja algum problema nas contas em termos de alguma grande surpresa negativa, um buraco financeiro?

Espero que não haja nenhuma dessas situações, mas acho que existe um excessivo peso do balanço associado a uma participada, que é a CEMG, e esse peso é tão grande que só por si é bastante preocupante e tem de ser analisado. Há muitas participadas que, olhando para o balanço, não se percebe verdadeiramente os seus resultados económicos. Espero que não haja esse buraco, mas tenho a consciência de que a situação vai ser difícil e exigente para conseguirmos dar a volta à AMMG e, sobretudo, nas novas exigências regulatórias que se avizinham.

Promete baixar os salários da administração. Admite que a promessa ultrapassa as competências da administração?

Não é uma promessa. É renovar a comissão de vencimentos, e propor à assembleia geral esta comissão de revisão de vencimentos, em que terei todo o gosto de convidar o Dr. Bagão Félix para a liderança. O que se pretende, não é apenas baixar salários. É que exista uma lógica e um equilíbrio entre os salários mais elevados, nomeadamente da administração, que me parecem desajustados para uma mutualista. Sobretudo quando os resultados são os que sabemos e há uma grande disparidade nos salários com os trabalhadores. No fundo, isto é o espírito mutualista.

Segundo a RTP, o Montepio terá financiado o aumento de capital em 2013 através de dinheiro do próprio banco, o que está a ser investigado. Tomás Correia tem vários processos e diz que não vão impedi-lo de manter a liderança da mutualista. Será assim?

Mais importante do que avaliar se existem ou não questões de idoneidade, não faz bem à Associação ter um presidente sempre sob suspeita. E ele poderá estar inocente de tudo isto, não rejeito essa ideia. E espero verdadeiramente que esteja para bem dele e da Mutualista. O melhor que ele tinha a fazer, para a defesa da AMMG e do Montepio, era sair. O ciclo do Tomás Correia já está terminado por natureza mas todo este clima de suspeição traduz-se num clima de falta de confiança. Não é uma questão formal de idoneidade, é tomar consciência de que ele está a fazer mal ao Montepio, mesmo que esteja inocente. Mas poderia sair e ter uma atitude de defesa do mutualismo e da Associação.

Se Tomás Correia ganhar, pensa que estes processos podem resultar no seu afastamento?

Há esse risco. Só o facto de existir esse risco sempre latente…na comunicação e entre os associados, obviamente que é uma liderança ferida na legitimidade.

Admite que poderá ter um papel ativo neste afastamento?

Eu não estou motivado por um afastamento do Dr. Tomás Correia, estou motivado para devolver o Montepio aos associados, voltar a criar riqueza para os associados, pensar no mutualismo e não apenas num grupo, muitas vezes confundido com um grupo financeiro e as suas instrumentais a funcionarem, com negócios que não foram bem avaliados e bem medidos os seus riscos.

Ir para a justiça com este tema não é algo que queira fazer?

Já o fiz há três anos e vou denunciar todas as situações que não sejam claras, por exemplo fraude eleitoral, ou que possam consubstanciar gestão ruinosa.

Os valores que a SCML acaba por injetar na CEMG são muito menores do que se falou inicialmente, 75 mil euros. Concorda que é um primeiro passo para construir um banco da economia social?

Essa retórica do banco da economia social acho que não passou mesmo de retórica, é algo que sempre foi uma trapalhada. É uma trapalhada tão grande que é difícil deslindar toda esta questão. O princípio da CEMG como banco social ou trabalhar para a economia social é a génese fundadora da CEMG e da própria Mutualista. Há muitas formas de promover a economia social, não tem necessariamente de ser um banco da economia social. Mais importante do que um banco da economia social é um banco ético. Essa retórica e essa lógica fazem sentido do ponto de vista teórico mas a execução tem sido desastrosa. Chegamos ao ponto em que ainda não está o processo concluído, não sabemos exatamente a percentagem de capital subscrito pelas misericórdias, enfim, é uma grande trapalhada.

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O banco tem a dimensão certa?

A CEMG está com a liderança do Dr. Carlos Tavares, que nos inspira confiança, tem uma estratégia de estar onde os outros não estão presentes e essa é uma medida que acho muito apropriada a um banco de uma associação mutualista. No fundo, mais uma vez a génese é mutualista e isso, sim, parece-me um banco social.

Há um processo que liga a CEMG ao BES: um empréstimo de 8,5 milhões de euros a José Guilherme, que deu o mesmo valor a Ricardo Salgado. O empresário deve 28 milhões ao Montepio.

Mais uma vez é um exemplo de alguma opacidade na gestão. Quem está de fora percebe que existiram ligações perigosas, de alguma forma privilegiadas e de compadrio, em que o Montepio se envolveu nos últimos dez anos… e é triste. O Montepio não tinha nem tem necessidade de se envolver nestas ligações perigosas, nem noutros créditos e outras aventuras que esta equipa de gestão liderada pelo Dr. Tomás Correia. É uma estratégia incompreensível, de banca comercial, fazendo créditos onde os outros bancos não queriam estar por risco. A Associação andou a tomar risco quando o risco é, em grande parte, avesso ao mutualismo.

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