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Dois terços das verbas dedicadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) à melhoria das qualificações e competências do país vão ser investidos na construção e no apetrechamento de instalações para formação. São 873,6 milhões de euros, mais de 5% dos fundos totais da bazuca destinada a Portugal, segundo cálculos do Dinheiro vivo com base na documentação entregue pelo governo a Bruxelas.
Para aquele que é reconhecido como “o maior défice estrutural do país”, onde 25% dos adultos não foram além do 9.o ano, o plano dedica 1324 milhões de euros, programando investimentos que poderão apoiar 249 760 pessoas em formação, contas feitas à informação disponibilizada.
Se a maior fatia será gasta em obras e equipamentos, a segunda maior, de 230 milhões, irá para apoios à contratação pelas empresas. Sobram cerca de 91 milhões para incentivos a alunos e entidades formadoras, com o remanescente a suportar recursos humanos e outros custos de formação, e ainda a criação de novos clubes da Rede Ciência Viva nas escolas. Serão cerca de 130 milhões de euros, nos cálculos do Dinheiro Vivo.
Aposta tecnológica
A grande aposta do PRR para as qualificações é feita no ensino tecnológico. Chegou a ter mais de 62 mil alunos no início deste milénio, mas contava já com pouco mais de 3500 alunos no ano letivo de 2018/2019, nos dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência. Atualmente, há mais de 500 cursos de especialização tecnológica autorizados a funcionar, oferecendo formação pós-secundário não superior. O governo pretende investir 480 milhões de euros na construção ou renovação e apetrechamento de 365 centros tecnológicos especializados, nas áreas industrial, das renováveis, informática e digital. O objetivo é criar capacidade para ter em formação 60 mil pessoas.
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“Continua a investir-se muito no cimento, mas descura-se o investimento nas pessoas”, diz Cláudia Sarrico.
Haverá também 230 milhões de euros para modernizar centros de formação do IEFP, novamente com gastos apenas para construção e requalificação de instalações e para a aquisição de equipamentos. O objetivo é ter mais 22 mil postos de formação. E haverá ainda 13,8 milhões de euros para modernizar 17 escolas profissionais dos Açores.
A despesa em infraestruturas e equipamentos é também significativa no investimento para alargar oferta no ensino superior. A criação de novos cursos de formação inicial e de cursos de pós-graduação para adultos, na medida Impulso Adultos (23 mil vagas), deverá mobilizar 76,8 milhões de euros para instalações e equipamentos. Já a criação de nova formação superior nas áreas das ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática para jovens, na medida Impulso Jovens STEAM (10 mil vagas), prevê outros 73 milhões para obras e material. Em ambos os casos, trata-se de 60% dos gastos com as medidas.
“Continua a investir-se muito em cimento, a privilegiar-se o investimento em equipamentos, comprar mais computadores, mas descura-se muito o investimento nas pessoas”, considera Cláudia Sarrico, ex-analista de políticas educativas da OCDE e agora professora catedrática de Gestão na Universidade do Minho. A investigadora e académica que tem acompanhado a evolução das qualificações portuguesas lembra que “dois terços da despesa no ensino superior é nas pessoas, e nas escolas ainda é mais”. “No entanto, não se fala em investimento em recursos humanos”, reflete.
Esta é a principal crítica da especialista, que lembra que há uma classe de professores “muito envelhecidos, tanto nas escolas como no ensino superior”, na maior parte dos casos, “ensinada nas universidades e politécnicos a fazer ensino não profissional”.
Obstáculos para adultos
Por outro lado, Cláudia Sarrico assinala uma “menor procura pelo ensino profissional”. A aposta do PRR, diz, exigiria maior valorização desta via de ensino. “As famílias percebem que não tem o mesmo prestígio, que os filhos não vão ter as mesmas oportunidades do que se seguirem para o ensino científico-humanístico”. Para que o ensino profissional seja “alternativa de qualidade” será preciso mais. “É preciso investir nos professores e na colaboração com pessoas externas que estão no terreno, com verdadeiros profissionais nas empresas, Administração Pública e terceiro setor, que sabem verdadeiramente o que é que aqueles alunos devem aprender para serem bem-sucedidos”.
A investigadora gostaria também de ver no PRR maior enfoque no pré-escolar e nas escolas a montante do ensino superior. E, por outro lado, menos obstáculos aos adultos que trabalham. “Muitos não podem ir fazer os cursos de pós-secundário não superior, ou cursos curtos do superior, porque não sabem onde deixar os filhos”, aponta sobre as razões invocadas pelos adultos que não vão estudar em estudos da OCDE.
Os custos também ainda afastam muitos adultos da formação no ensino superior, reconhece. Sejam mestrados, onde Portugal tem das propinas mais caras em termos de paridade de poder de compra, sejam licenciaturas, que muitos não podem pagar. A formação obrigatória no posto de trabalho, também, continua a não ser cumprida ou deixa a desejar: “Nos estudos em que participei, uma das coisas de que me lembro é que os trabalhadores queixavam-se que muita dessa formação obrigatória não lhes interessava nada. Era mais para cumprir as horas”.
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