Argumentaria que o Governo talvez devesse ter feito menos, ou seja, ter um défice ainda menor e apoiar ainda menos, porque neste momento é um risco muito grande e nós, em Portugal, não nos podemos esquecer do que aconteceu em 2010 e 2011. Neste momento, estamos a passar precisamente por um teste – e vai ser um teste para os próximos 12 meses – e, embora esteja bastante otimista, não falaria agora de dar mais apoio por causa disso.
Em relação às medidas nos escalões de IRS, todos os escalões beneficiam. Mas quem beneficia menos é a classe média. Estas mexidas no IRS fazem sentido? Estão bem feitas?
No fundo, a resposta a essa questão é a mesma da questão anterior. O Governo decidiu privilegiar uns e castigar outros, em termos relativos. Em termos políticos é legítimo fazê-lo. E não o faz de uma forma muito ineficiente ou muito distorcionária e que cause mesmo muito dano à economia, mas antes tira a uns e dá aos outros, legitimamente, apoiado na maioria absoluta que tem e que lhe permite escolher quem privilegiar e quem castigar.
Mas quando as famílias fazem as contas a estas medidas, quer as mexidas no IRS quer nas medidas de apoio para fazer face ao aumento dos preços da energia, estamos sempre a par de pequenos valores. No caso da conta da eletricidade, por exemplo, estamos a falar de pouco mais de 1€ por mês. No caso do segundo filho no IRS, 8€ por mês. E fica-se com a perceção de que possivelmente os apoios não terão impacto suficiente para mitigar estes aumentos que já estão a acontecer e que se estão a prever para mais tarde. É assim?
Quando a economia atravessa um choque recessivo, como é, neste caso, o que acontece por causa do aumento dos preços da energia motivados pelos sururus geopolíticos e pela invasão de Putin à Ucrânia, o rendimento, a riqueza de todos vai cair. A ideia de que o governo ou o Orçamento de Estado pode prevenir isto não é uma ideia correta, é errada.
As pessoas estão a ficar pior não por causa do Governo, não por causa do orçamento, mas porque a economia vai estar um pouco pior no próximo ano. Não exageradamente pior, mas um pouco pior, à conta da invasão do senhor Putin.
O Governo pode aliviar algum desse fardo, mas, tendo em conta o enorme apoio que os governos deram em 2020 e a forma como o fazem, que é pedindo emprestado às gerações futuras, no seguimento do enorme apoio que já tinham dado na crise financeira e noutros… A dívida pública é tão grande, nós já pusemos tanto fardo nas gerações futuras para nos aliviar agora, temporariamente, que é difícil de facto ter um alívio ainda maior, que nessa medida não é nada mais do que deslocar o fardo para nós daqui a uns anos, para os nossos filhos, para os nossos netos.
Logo, as famílias que olham e dizem: “Ah, eu não queria estar a sofrer nada, apesar do que acontece com o senhor Putin”, o que estão a pedir é ao Governo que diga: “Não, vai ser antes quem vier daqui a cinco que vai sofrer, porque vou carregar para eles a dívida para te ajudar a ti hoje”.
Tendo em conta o nível da dívida e toda a dificuldade que nós temos já em refinanciar a nossa dívida, que tivemos aqui há 10 anos, não me parece completamente legítimo estarmos a dizer que a geração atual de 2023 deve ser totalmente poupada, pedindo emprestado ao futuro, do que é esta recessão do senhor Putin. Mas, claro, com certeza sofrerá alguns efeitos motivados pelo ditador de Moscovo.
Estas mexidas seletivas no IRC não são aplicáveis a todas as empresas. Pode haver aqui a possibilidade de não haver sequer ajustes salariais no privado que permitam às famílias não ter uma perda muito significativa?
Sim, uma das principais variáveis à qual vamos ter de prestar muita atenção é o que vai acontecer aos aumentos salariais nos próximos meses para diferentes pessoas. Quando a inflação está muito baixa, e porque normalmente não há grandes cortes salariais, há bastante compressão salarial, no sentido em que todos têm mais ou menos o mesmo aumento sem grandes alterações.
Quando a inflação está muito alta, como acontece hoje, o que tens é que algumas pessoas têm um aumento salarial muito pequeno ou mesmo salários que pouco aumentam; outros têm aumentos ao nível da inflação e outros ainda a um nível muito acima da inflação, levando a uma maior dispersão salarial. O que isso implica é que, quer do lado das empresas, quer do lado dos trabalhadores, nas relações salariais há muito mais espaço para uns ganharem e outros perderem, incluindo tomando em conta aquilo que são as mudanças de política fiscal.
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