A comemorar cem anos, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) está apostada em reinventar-se. A tecnologia, a demografia, as alterações climáticas e a globalização são fatores que encerram em si um enorme potencial, mas também muitas incertezas e, por isso, a OIT criou uma Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho, que apresentará o seu relatório e respetivas recomendações a 22 de janeiro. Um documento que delineará os passos necessários para alcançar um futuro que ofereça oportunidades de “trabalho dignas e sustentáveis” para todos. “Num mundo laboral em permanente e acelerada mudança, é necessário fazer ajustamentos”, diz ao DN/Dinheiro Vivo o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que reconhece serem três as grandes questões de fundo: “como gerir a mudança, como mobilizar a ação para que sejam reiniciados os motores da justiça social e qual o papel da OIT em todo este processo”.
Criada em 1919, na sequência do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, a OIT visou dar corpo à crença de que a paz universal e duradoura só pode ser conseguida baseada na justiça social. Nascida a par da Sociedade das Nações, a Organização Internacional do Trabalho sobreviveu-lhe e é, por isso, o mais antigo organismo de cariz mundial. E é a única agência especializada das Nações Unidas que tem uma natureza tripartida, ou seja, congrega os representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos governos dos 187 países que integram a organização. Vieira da Silva destaca o seu papel de instância internacional neutral e o seu contributo num mundo em permanente mudança. “Assistimos quase diariamente ao surgimento de novas formas de trabalho pouco ou nada convencionais a um ritmo e a uma escala sem precedentes. E estas mudanças nas relações laborais estão a colocar em causa o vínculo criado nas últimas décadas entre o trabalho e a proteção social e esse é um enorme risco”, diz.
Vieira da Silva enumera os quatro “objetivos estratégicos” que têm pautado a atuação da OIT – a defesa dos direitos fundamentais no trabalho, a promoção do trabalho digno para homens e mulheres, a promoção da proteção social para todos e o fortalecimento do diálogo social e do tripartidarismo -para defender que estes “continuam absolutamente atuais”. E acrescenta: “Estou convicto de que a OIT continua a ser a organização internacional mais bem capacitada para ajudar os governos e os parceiros sociais a enfrentarem, em conjunto e em articulação concertada, os desafios atuais e futuros do mundo do trabalho.”
Ideologias
Para António Saraiva, a OIT faz todo o sentido, “tanto no momento presente como daqui a mais cem anos”. A organização “mantém a sua atualidade”, acredita, mas precisa de, simultaneamente, “adaptar-se e dar resposta às novas realidades” do mundo do trabalho. O presidente da CIP invoca o contexto em que vivemos, “marcado por mudanças cada vez mais rápidas”, para defender a necessidade de os Estados membros e a própria organização deixarem de parte “quaisquer orientações político-ideológicas” para se focarem em “objetivos fulcrais”, como sejam a promoção e prossecução do pleno emprego produtivo, do diálogo social e do tripartidarismo, do desenvolvimento económico e do progresso social e, ainda, uma “nova abordagem” relativamente a “questões primordiais” no mundo de hoje como a digitalização, as novas formas de emprego e as migrações. “Estas matérias exigem respostas urgentes, eficazes e, sobretudo, alcançadas na base de – tanto quanto possível – um amplo consenso”, defende António Saraiva, sublinhando que a OIT “é o espaço privilegiado para estas tomadas de decisão”.
Já Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, considera que a OIT terá sempre o peso que as entidades que a compõem quiserem. “Mais importante do que se diz é o que cada um faz. E, aqui, representantes patronais e alguns da área governamental têm feito tudo para desvalorizar e pôr em causa direitos fundamentais dos trabalhadores. O ataque contra o direito à greve é, apenas, um dos muitos exemplos”, diz, sublinhando: “A evolução da OIT deve ter como centro da sua ação a valorização dos trabalhadores num mundo onde a evolução da tecnologia impera e nos convoca a todos a unir esforços e vontades para que a riqueza produzida seja mais bem distribuída pelos trabalhadores, povos e países.”
Manter a paz
A UGT, por seu turno, espera que, da próxima assembleia legislativa da organização, prevista para junho, saia um “documento de força constitucional” que reforce o tripartidarismo e os poderes fiscalizadores da OIT. O objetivo é que sejam acentuadas as competências da organização na sua vertente sancionatória por incumprimento, designadamente, das convenções fundamentais. “Se ainda convivemos infamemente com trabalho forçado, com laivos de escravatura (agora adaptada aos tempos modernos), com assassínios de sindicalistas, com trabalho infantil, com violência sobre as mulheres e as pessoas idosas, com discriminações de todos os tipos… então a OIT é não só necessária como imprescindível”, acredita Carlos Silva, para quem “a humanidade seria muito mais pobre sem a Organização Internacional do Trabalho, não só pelas questões laborais que defende, mas também pelo contributo que dá para a manutenção da paz e do constante desígnio da busca pela justiça social”.
João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, destaca, por sua vez, o papel da OIT em termos técnicos e metodológicos. “O contributo mais relevante, e se calhar o menos reconhecido, foi a promoção de um conjunto de standards internacionais, quanto à qualidade do trabalho e às condições em que deve ser exercido, que permitem comparar as realidade dos diversos países. Estamos a falar de questões como o salário mínimo, a segurança e a higiene no trabalho ou os horários de trabalho, entre outros”, refere o economista. Que lembra que, mesmo que muitas das suas recomendações e tratados continuem por ratificar por uma série de países ou, sendo ratificados, não sejam cumpridos, “o seu papel enquanto referencial específico para o mercado de trabalho deve ser valorizado”. Até porque “as relações do mercado de trabalho são das áreas em que as políticas nacionais ainda têm maior autonomia” e não se pode esperar que caiba à OIT a responsabilidade se estas divergirem das suas recomendações. “Isso seria demais. A OIT não tem meios nem legitimidade para isso e por isso tem vindo a assumir, cada vez mais, um papel de referencial no mundo do trabalho”, acredita.
Para João Cerejeira, o grande desafio, agora, é como irá a OIT lidar com a globalização e as mudanças que esta acarreta. “Este é um organismo que foi desenhado a partir da visão das relações de trabalho e da tensão entre trabalho e capital do Ocidente, que pouco ou nada têm que ver com as relações laborais na Ásia, em África ou na América Latina. O conceito de sindicalismo e de empresas na China ou na Índia não é o mesmo que no mundo ocidental”, lembra o economista. E acrescenta: “Grande parte das tensões na Europa e nos EUA têm que ver com a concorrência dos países asiáticos, cujos trabalhadores não estão sujeitos às mesmas regras. Mas foi essa abertura dos mercados que permitiu a saída de centenas de milhões de pessoas da pobreza extrema.” Uma equação “difícil de resolver”, reconhece, e que gera “populismos e tensões sociais”.
Deixe um comentário