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A contratação de mais 5550 novos funcionários e o novo subsídio para os trabalhadores da saúde explicam grande parte da subida da despesa com pessoal do Estado em 2021, mas ainda não explicam tudo. Há pelo menos 97 milhões de euros aparentemente sem destino certo na proposta do Orçamento para o próximo ano que continua a ser negociada no parlamento. Os sindicatos da função pública persistem na expectativa de maiores valorizações salariais.
O relatório que acompanha a proposta de Orçamento apresentada pelo governo na última semana mostra que as novas medidas inscritas, sem efeitos de opções de anos anteriores, vão implicar despesas adicionais com pessoal no valor de 421,6 milhões.
A diferença é encontrada na comparação da previsão total de aumento da despesa com pessoal na Administração Central de 832,4 milhões de euros constante da proposta de orçamento, e as contas feitas em agosto pelo Ministério das Finanças para o Quadro de Políticas Invariantes (a previsão de aumento de encargos sem quaisquer novas medidas). Estava então em 410,8 milhões de euros, em grande parte explicados pelo efeito das progressões, promoções e contagem de tempo de serviço nas carreiras especiais, como as dos professores (333 milhões).
Contrariamente ao que sucedeu com o Orçamento de 2020, a proposta de Orçamento para 2021 não traz o valor do aumento da despesa com pessoal detalhado nas suas componentes. Mas é desde logo possível excluir o efeito de progressões e descongelamento de tempo de serviço de anos anteriores, englobado já no valor de 410,8 milhões.
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Quanto ao remanescente, os 421,6 milhões de euros, é possível calcular, com base nos dados do governo, quanto custa o bolo de novas medidas anunciadas para a Administração Pública, excluindo eventuais aumentos. O valor rondará os 300 milhões de euros, contando 210 milhões para reforço do emprego público na saúde e na educação, 60 milhões de euros para o subsídio de risco dos profissionais de saúde na linha da frente de combate à pandemia, e seis milhões de euros para mais 261 trabalhadores no INEM. Além disso, há que contar com mais mil técnicos superiores que deverão entrar na Administração Pública após a constituição de uma bolsa de recrutamento em concurso, num custo com salários e contribuições sociais que não deverá ir além dos 21 milhões de euros. E, por fim, com mais 60 inspetores estagiários da Autoridade para as Condições do Trabalho, o que não deverá custar mais de 1,6 milhões de euros.
Assim, até 71% da subida é explicável por novas contratações e pelo novo subsídio de risco da saúde. Já a eventual despesa com aumentos, caso o governo se limite a acompanhar a subida do salário mínimo na base remuneratória da função pública, não deverá exceder os 25,5 milhões de euros (assumindo que o salário mínimo nacional possa alcançar os 660 euros em 2021).
Sobra ainda assim um montante de 97 milhões de euros não explicado pelas principais medidas da proposta. O Dinheiro Vivo tentou obter junto do Ministério das Finanças e do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública informação sobre o aumento das despesas com pessoal e destino do valor não explicado, mas não obteve resposta até à hora de fecho desta edição.
Sindicatos na AR
Na próxima semana, os sindicatos da função pública preparam-se para bater à porta do parlamento, onde prosseguem as negociações para a viabilização do Orçamento do Estado, para pedir maior valorização dos trabalhadores da função pública no documento.
A Fesap tem já reuniões marcadas com PS, BE, Verdes e PSD para os dias 21 e 22, e aguarda resposta dos restantes grupos parlamentares: PCP, CDS-PP e PAN. “Salário mínimo outra vez na Administração Pública, sem corrigir a tabela remuneratória única, é a maior injustiça que se pode fazer a quem trabalha, e trabalha há muitos anos na Administração Pública”, diz o secretário-geral, José Abraão.
Desde 2019 que a base remuneratória da Administração Pública deixou de ser o salário mínimo, com o primeiro nível remuneratório no emprego público a ficar em 635,07 euros nesse ano, e já em 2020 a passar aos 645,07 euros, num aumento extraordinário de dez euros aos salários mais baixos que também beneficiou o nível seguinte da tabela remuneratória na mesma medida, mantendo-se uma diferença proporcional prevista na lei. Os aumentos, para 150 mil trabalhadores, custam este ano 26 milhões de euros.
Mas, caso o governo volte neste ano a fixar que a base de salários da função pública corresponde ao salário mínimo nacional, não terá de manter a mesma diferença proporcional entre quem entra na carreira e quem está nela há mais de dez anos como assistente operacional (colocados na base e nível seguinte da tabela remuneratória, respetivamente). A Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas prevê que “a alteração do montante pecuniário correspondente a cada nível remuneratório deve manter a proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis”, exceto quando a alteração se dê pela elevação do salário mínimo.
Além da correção da tabela remuneratória única – que também é defendida pela Frente Comum e Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) – a Fesap reclama ainda medidas que, diz, pouco impacto teriam no orçamento. Uma delas é a restituição de pontos para progressão perdidos pelos trabalhadores com os salários mais baixos em 2019, quando deixaram de receber pelo salário mínimo e foram colocados no quarto nível da tabela remuneratória, que passou a ser a base vencimentos. A subida custou-lhes os pontos que há dez anos permaneciam congelados, tal como os salários.
O efeito desta media será diluído no tempo, à medida que os funcionários acumulam mais pontos para progressão, defende José Abraão. “É uma questão de vontade política”.
Outra expectativa é a de que a generalidade dos hospitais com o estatuto de entidade pública empresarial garanta aos trabalhadores com contrato individual de trabalho os mesmos direitos de que goza quem tem contrato de trabalho em funções públicas. Será de resto, segundo Abraão, uma decisão inevitável perante decisões judiciais que já o exigem.
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