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O Orçamento do Estado de 2024 (OE 2024) deverá ser aprovado a 29 de novembro, entrar a 1 de janeiro e ficar em vigor até ao verão já que o Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu marcar eleições legislativas para 10 de março do ano que vem.
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Para já, o governo liderado por António Costa fica com plenos poderes até ao início de dezembro, a partir de 1 de janeiro entra o OE 2024 (assumindo-se que a maioria absoluta funciona e aprova a proposta, como é quase inevitável). Depois passa a governo de gestão, disse o PR.
Mas, ato contínuo, o País evita uma situação altamente condicionante do ponto de vista financeiro e indesejada por muitos, desde o PR, a representantes dos patrões e a muitos analistas e avaliadores do país, que seria ficar amarrado a uma gestão orçamental em duodécimos, ou seja, em que só se podia gastar e investir por mês, no máximo, o bolo anual gasto em 2023 a dividir por 12.
Investimento público: um caso de estudo
Veja-se só o que podia acontecer no caso do fulcral e almejado investimento público.
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O governo PS estima que este ano se vá investir 7,4 mil milhões de euros, repartidos entre 2,2 mil milhões de euros em fundos europeus e 5,2 mil milhões em esforço nacional.
Com duodécimos, o governo em gestão ficaria amplamente submetido a estas baias de despesa.
Um constrangimento e tanto, tendo em conta que a proposta de OE 2024 previa aumentar o investimento público para 9,2 mil milhões de euros, o valor mais elevado de sempre, com 3,4 mil milhões de euros absorvidos em fundos da Europa e 5,8 mil milhões de euros em financiamento nacional (do OE).
Olhando apenas para a parte do financiamento que vem do OE, estamos a falar num corte potencial imposto por via da regra duodecimal na ordem dos 10% ou mais. Isto em cima dos constrangimentos típicos que têm afetado (há décadas) a execução do investimento público, poderia levar mesmo à paralisação de projetos, com consequências para a absorção de fundos europeus e para o investimento privado associado.
Garantia das expectativas e da estabilidade do país
Sem o grilhão dos duodécimos, Marcelo Rebelo de Sousa espera oferecer ao país “a garantia da indispensável estabilidade económica e social que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser formalizada a exoneração do atual primeiro-ministro, em inícios de dezembro”.
Segundo o Presidente, “a aprovação do Orçamento permitirá ir ao encontro das expectativas de muitos Portugueses” e, fez questão de vincar bem, “acompanhar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que não pára, nem pode parar, com a passagem de Governo a Governo de gestão, ou mais tarde com a dissolução da Assembleia da República”.
Na quarta-feira, a poderosa agência de ratings Standard & Poor’s, já antecipando a evolução na continuidade anunciada por Marcelo, fez saber que está relativamente tranquila com o ano orçamental de 2024.
“Os riscos parecem modestos”, “para já, não esperamos que os desembolsos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) sofram atrasos significativos, dado o forte empenho do país, o facto de Portugal já ter solicitado a terceira e quarta tranches dos fundos do Next Generation EU em outubro e de a Comissão Europeia ter aprovado o pedido de Portugal para aumentar o montante total desembolsado de 16,6 mil milhões de euros (6,3% do PIB) para 22,2 mil milhões de euros (8,6% do PIB)”, disse a S&P.
Mas, depois de 2024, a S&P avisou que já está algo cética quanto ao rumo das finanças públicas, sobre se o próximo governo vai conseguir manter o “longo historial de prudência orçamental” das Finanças socialistas (recentes).
O processo
Como explicou o PR, a Assembleia da República deverá ser dissolvida a 15 de janeiro (para cumprir o prazo constitucional de pelo menos 55 a 60 dias até à nova data das eleições) e após as legislativas, os vencedores precisam de se organizar, escolher o elenco governativo, o novo governo precisa de elaborar o seu programa e, uma vez instalado, pode apresentar um retificativo, se for caso disso.
Será caso disso, se a situação económica e social se degradar, fazendo aumentar a despesa, mesmo no caso de um novo governo PS.
Se não ganhar o PS, um governo de cor diferente vai sentir-se tentar a imprimir o seu toque através de políticas diferentes, pelo que, também aqui, haverá lugar ao tal documento que retifica ou reafeta as prioridades financeiras que o novo governo quer dar à despesa pública.
Ambos os cenários fazem que, havendo eleições a 10 de março, seja necessário esperar cerca de cinco meses até um novo OE estar pronto e votado para entrar em vigor.
Como foi em 2022
Foi algo parecido ao que aconteceu em 2022, mas nessa altura a maioria absoluta do PS até já tinha tudo mais ou menos preparado. O ministro das Finanças do final de 2021, João Leão, deixou o OE 2022 pronto e até o Programa de Estabilidade.
Depois das eleições, o seu sucessor, Fernando Medina, faria a recuperação quase na íntegra dessa proposta que foi morta à primeira pelo fim da geringonça (o apoio do BE e do PCP ao OE do PS, que em 2021 tinha maioria relativa).
Recorde-se que o OE 2022 foi chumbado no final de 2021 na AR e o país foi para eleições antecipadas a 30 de janeiro. Mesmo com tudo alinhavado e encaminhado, o novo governo PS só viu a reedição do seu OE 2022 entrar em vigor apenas a 27 de junho desse ano. Cinco meses depois.
Agora, com eleições a 10 de março, e extrapolando esse curso de tempo que aconteceu em 2022, o país arrisca a ter retificativo (se for necessário, claro), apenas no final de julho, talvez.
André Ventura, o líder do Chega, um dos partidos que quer fazer governo com o PSD, lamentava isso mesmo, ontem à noite. “O próximo governo vai ficar amarrado ao que o governo socialista e ao passado que António Costa deixa” e “nos primeiros meses, essa governação terá de ser feita com os instrumentos orçamentais e económicos do PS”, provavelmente “até ao final do verão”.
Nem tudo está ganho, nem perdido
Portanto, 2024 vai ser, no mínimo, o ano do meio Orçamento do Estado (OE) ou, no máximo, o ano de dois terços da proposta de OE que hoje conhecemos.
Ou seja, nem tudo está perdido no alívio do IRS, o polémico aumento do IUC pode acontecer, e está parcialmente garantido o reforço prometido de vários apoios sociais contra os efeitos da crise, do aumento do custo de vida e dos juros.
Com um OE a andar sem grandes constrangimentos (mesmo com um governo de gestão, que apenas não pode legislar novas iniciativas), alguns dos grandes investimentos públicos previstos para 2024 e que estão já lançados (como os alguns projetos ferroviários, o novo hospital de Lisboa) podem continuar, embora o facto de o governo estar mais limitado na ação possa comprometer o ritmo de alguns projetos.
Isso não compromete a ancoragem dos preciosos fundos europeus, designadamente os do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) mas, pelo que se está a ver, pode baixar o ritmo de execução.
Um governo em gestão corrente não tem poder para se comprometer e decidir a fundo. E tudo o que foram atos legislativos que ainda estão em curso para serem aprovados na AR caducam automaticamente com a dissolução da Assembleia, que deve acontecer a 15 de janeiro, como referido.
Seja como for, na sequência da decisão tomada pelo Presidente, todas as medidas anunciadas em meados de outubro pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, entram em vigor a 1 de janeiro do próximo ano.
E outras até vão fora do OE e já estão a caminho. Ontem, o governo aprovou o aumento do salário mínimo, a atualização das remunerações da Função Pública. O aumento das pensões decorre de lei própria e também seguirá o rumo prometido.
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