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O período de quatro dias de debate e votação na especialidade da proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024) terminou ontem, no Parlamento, e, à hora de fecho desta edição (ao início da noite), já somava cerca de 70 alterações e clarificações (aprovadas) do texto inicialmente entregue pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, a 10 de outubro, de acordo com um levantamento mais exaustivo feito pelo Dinheiro Vivo (DV).
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Os partidos entregaram mais de 1900 propostas de alteração, segundo a contagem disponibilizada pela Assembleia da República (AR).
A maioria dos acertos que vingaram foi, como é de esperar, da iniciativa do PS, que conserva a maioria absoluta neste Parlamento, mas já em contagem decrescente até à sua dissolução (agendada para 15 de janeiro).
Será tempo mais do que suficiente para fazer aprovar o OE 2024, como quer o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o executivo ainda liderado pelo primeiro-ministro demissionário, António Costa.
Hoje acontece a votação final global do Orçamento. Com o suporte da maioria absoluta do PS (120 dos 230 deputados da AR), a lei que guiará as Finanças Públicas portuguesas e boa parte da economia até meados do próximo verão será aprovada sem ressaltos.
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Não fosse a crise política e esta época orçamental até teria sido das mais pacíficas dos oito anos de Costa à frente do Executivo. Não foi e, com o país a caminho de eleições antecipadas (marcadas para 10 de março), alguns acertos foram feitos para acrescentar conforto aos contribuintes e eleitores.
Nestes quatro dias de votação artigo a artigo, ponto a ponto, alínea a alínea, uma medida acabou por contrariar frontalmente a intenção primeira do Governo. Foi o aumento do Imposto Único de Circulação (“dois euros por mês” em IUC, um máximo de 25 euros por ano, por cada proprietário de um carro mais antigo, como acenou Medina) que caiu fulminado por vontade do próprio PS.
De resto, a esmagadora maioria das mudanças aprovadas nesta maratona de quatro dias foram essencialmente cedências cirúrgicas e gestos de empatia para com alguns partidos da oposição. Além das suas, os socialistas viabilizaram propostas de partidos como PAN, Livre, PSD e PCP. O sinal de aprovação surgiu logo no arranque desta reta final da especialidade, na passada quinta-feira.
Com exceção do referido chumbo da subida do IUC (Medina contava arrecadar mais 98 milhões de euros com a medida), pouco ou nada de perturbador do ponto de vista orçamental e do caminho para o excedente público em 2024 surgiu nesta fase final da discussão do novo OE, mas algumas alterações que vingaram são importantes e mexem com as pessoas.
Além destas, esta etapa serviu para confirmar e cimentar algumas das propostas mais emblemáticas do Governo no sentido de devolver algum poder de compra aos contribuintes e aliviar a carga fiscal de IRS da “classe média”.
O fim oficial da subida IUC
Na segunda-feira, e como já tinha sido ventilado pelo próprio PS na semana passada, a proposta socialista para eliminar a medida perfilhada por Medina que visava subir o IUC dos carros matriculados até junho de 2007 em mais 25 euros no próximo ano acabou por vencer, aprovada pelo PS, sem votos contra e com a abstenção do Livre.
Alívio do IRS passa
Como seria de esperar, foi sem sobressaltos que a medida relativa ao IRS (atualização de escalões e redução de taxas, com especial incidência nos casos dos rendimentos da chamada classe média) passou. Foi também na segunda-feira passada.
Os limites dos escalões aumentaram 3% (o que faz com que aumentos salariais até 3% não impliquem um agravamento do imposto ou subida de escalão de rendimento). Além disso, foi aprovada a redução das taxas do imposto para os primeiros cinco escalões de rendimento. No escalão dos contribuintes mais pobres, o rendimento coletável sobe de 7479 euros para 7703 euros e a taxa de IRS cai dos 14,5% atuais para 13,25% a aplicar em 2024.
Mas, como disse o ministro das Finanças, o Governo queria dar sobretudo um sinal à classe média. Assim, o segundo e o terceiro escalões de rendimento têm um alívio na taxa respetiva de 3 e 3,5 pontos percentuais.
No mesmo dia, foi ainda aprovado o aumento do valor do mínimo de existência, ou seja, o nível de rendimento até ao qual se fica isento de IRS (11 480 euros brutos no ano que vem), acomodando assim o aumento do salário mínimo para 820 euros brutos.
Medidas para rendas e habitação
O debate na especialidade também trouxe algumas novidades amigas dos contribuintes. É o caso do aumento do valor da renda que se pode deduzir no IRS. Atualmente é de 502 euros, o Governo estava a propor subir o abatimento para 550 euros, mas o PS e o PAN aprovaram um reforço da medida até aos 600 euros de dedução da renda. Um pequeno amortecedor, tendo em conta que os senhorios vão poder subir as rendas até 6,94% em 2024. O PCP e o BE ainda propuseram um teto para estas aumentos muito pronunciados nestes contratos para ter habitação, mas o PS e o Governo não se mostraram disponíveis porque, disseram, “congelar” rendas dificultaria a estabilização do mercado de arrendamento.
Em paralelo, avançou-se com a possibilidade de um apoio direto do Estado para os inquilinos com taxa de esforço superior a 35% com a casa.
Os deputados também fizeram aprovar uma redução adicional de 40 euros na retenção na fonte do IRS em 2023 para os trabalhadores por conta de outrem que vivem em casa arrendada e um salário mensal bruto até 2700 euros.
Segundo a Lusa, outra alteração aprovada ontem por iniciativa do PS, diz que quem vendeu a sua casa (habitação), mas depois não conseguiu reinvestir o dinheiro nos 36 meses seguintes “terá até final de 2024 para substituir a declaração do IRS e pedir o reembolso do imposto sobre mais-valias”.
Resgatar PPR para pagar empréstimos ao banco e o IVA de óleos e alheiras
Também foi aprovada uma proposta de alteração do PS que alarga até ao final de 2024 o prazo para se poder resgatar Planos Poupança Reforma (PPR) para pagar prestações de crédito à habitação, sem penalização ou qualquer limite em termos de montante. Também aumenta o limite anual do valor que pode ser resgatado para amortização do crédito da casa, que passa para cerca de 12 400 euros.
Sob proposta do PSD, a dedução do IVA das despesas com ginásios, atividades em estabelecimentos de ensino e clubes desportivos sobe de 15% para 30%.
No IVA, tendo em conta o aumento do consumo dos óleos alimentares (até por causa da subida exponencial do preço do azeite), a ideia é que o fim do regime do IVA zero (que deve terminar no final deste ano, início de janeiro) não provoque um choque no custo desse bem alimentar, hoje taxado a 0%, mas que, caso nada fosse feito, voltaria a ser tributado com IVA de 23%. O PS aprovou e assim os óleos alimentares devem ficar na taxa intermédia do IVA (13%). As alheiras também.
Ainda no IVA, a “aquisição, entrega e instalação, manutenção e reparação de aparelhos, máquinas e outros equipamentos destinados exclusiva ou principalmente à captação e aproveitamento de energia solar, eólica e geotérmica e de outras formas alternativas de energia” para a ser tributada à taxa reduzida de 6%. E as cadeiras e assentos para crianças em bicicletas passam a ter IVA de 13%.
A lei do tabaco, que era para apertar muito, proibindo fumar perto de escolas e nas esplanadas, por exemplo, não avança para já (isto seria fora do OE, claro), mas avança a carga fiscal sobre as cigarrilhas, que passa a ficar mais equiparada à dos cigarros, mediante a subida faseada e mais rápida do respetivo imposto.
O PS também fez aprovar a obrigatoriedade de as empresas procederem ao pagamento dos seus impostos e outros valores fiscais apenas por via eletrónica, a partir do início do próximo ano.
Estrangeiros em Portugal
Também esta segunda-feira, ficou assente, por iniciativa do PS, que o regime fiscal do residente não habitual (RNH) continua a ser acessível a trabalhadores de empresas certificadas como startups.
Embora o OE preveja terminar gradualmente com este regime, ele continua a observar exceções como os casos dos docentes de ensino superior e de investigação científica ou de postos de trabalho qualificados ligados a “investimentos produtivos”.
Segundo a Lusa, este novo quadro para os RNH “alarga o âmbito dos postos de trabalho que podem beneficiar, durante 10 anos, de uma taxa de IRS de 20%”.
Rendimentos com startups como trabalho dependente
Ainda na nova economia em voga, segundo a Lusa, ontem, a AR clarificou que “os ganhos resultantes de planos de ações de startups são considerados, para efeitos de IRS, como rendimento de trabalho dependente”. “A medida foi aprovada com os votos a favor do PS e PSD, a abstenção do Chega, Iniciativa Liberal, Livre e PAN, e o voto contra do PCP e do Bloco de Esquerda.”
Basicamente, o incentivo fiscal à aquisição de participações de startups faz com que “os ganhos obtidos pelos trabalhadores sejam tributados em apenas 50% do seu valor, ficando sujeitos à taxa especial de 28% para efeitos de IRS, havendo opção pelo englobamento”, refere a Lusa.
Novo limite ao alojamento turístico
Ontem, o PS deu a mão ao Bloco de Esquerda numa medida bastante emblemática. Aprovaram um novo limite para a realização de contratos para fins turísticos. “Por cada ano civil, e relativamente a cada fração ou prédio, apenas pode ser celebrado um contrato para fins especiais transitórios de turismo”, diz a medida proposta pelo BE que teve o voto favorável de PS, PCP, BE e Livre e os votos contra do PSD, Chega e IL. O PAN absteve-se.
Estas são apenas algumas das alterações mais significativas que passaram no meio das dezenas de acertos e novas medidas que surgiram no derradeiro OE do governo de António Costa.
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