Em termos gerais, as principais linhas de orientação da Proposta do OE 2022 estão voltadas para a recuperação de rendimentos das famílias, por via de medidas de IRS. Desde logo, a revisão dos escalões, com a redução da taxa de imposto para os rendimentos mais baixos. Todavia, o desdobramento dos escalões para a classe média não é suficientemente ambicioso, já que se traduzirá numa redução máxima de IRS com pouca expressão em valor absoluto e relativo, ainda mais num contexto inflacionário.
Não obstante, a revisão dos escalões, que não ocorria desde 2018, reforça, tendencialmente, a progressividade do IRS.
Por outro lado, há um conjunto de deduções à coleta adicionais para famílias com crianças até 6 anos, que permite reduzir o imposto devido a final.
É de salientar uma preocupação com a empregabilidade jovem, atribuindo estímulos fiscais aos jovens durante cinco anos, após a conclusão dos ciclos de estudos relevantes. O alargamento desta isenção de três para cinco anos e a sua extensão aos rendimentos da categoria B traduzem-se numa efetiva poupança fiscal para quem está a entrar no mercado de trabalho.
Também aqui, a Proposta podia ter ido mais longe, fazendo do IRS Jovem uma medida de incentivo à fixação dos jovens em Portugal, evitando o êxodo de mão de obra qualificada para o estrangeiro. Para tal, era necessário que este benefício se aplicasse a todos os jovens até aos 30 anos, por exemplo, independentemente do nível de ensino e do primeiro ano de obtenção de rendimentos após a conclusão do ciclo de estudos. Ou seja, o IRS Jovem devia ser, simplesmente, uma medida abrangente para os rendimentos dos jovens.
Por sua vez, o englobamento das mais-valias mobiliárias de partes de capital detidas por prazo inferior a 1 ano (ganhos de curto prazo ou especulativos, como muitas vezes são chamados) apenas para contribuintes com rendimento coletável do último escalão de IRS, afigura-se como uma medida de agravamento da tributação, mas que afeta, tendencialmente, as pessoas com mais altos de rendimentos, pelo que aqui se manifesta mais um elemento de progressividade do IRS.
Em suma, a Proposta do OE manifesta preocupações de justiça fiscal ao nível dos rendimentos das pessoas singulares, no sentido de devolver rendimentos aos cidadãos e às famílias, reforçando a progressividade, que é um princípio constitucional do nosso sistema fiscal.
A discussão da intensidade da progressividade do IRS e o número e latitude dos escalões foi um dos temas mais debatidos no anterior ciclo político. As críticas de que os escalões estavam definidos de forma muito lata, pode ter por consequência que as taxas progressivas altas em níveis de rendimento baixos podem induzir regressividade no imposto. Com efeito, a forma de construção dos escalões pode afetar a progressividade do IRS. Por outro lado, o reduzido número de escalões e a sua amplitude conduzem a taxas efetivas de IRS altas mesmo para baixos níveis de rendimentos. Espera-se que a criação de dois novos escalões venha, agora, a mitigar esse impacto e a melhorar a justiça distributiva.
Contudo, não nos parece que este aumento da progressividade seja, no atual momento, o suficiente para fazer face ao aumento da inflação e do aumento das despesas das famílias.
Para as empresas, este é um Orçamento mais limitado na ousadia fiscal e mantém, em larga medida, as pesadas obrigações declarativas associadas à gestão dos impostos que as empresas entregam ao Estado.
No IRC, há um incentivo à recuperação, mas limitado à realização de despesas num período de apenas 6 meses, que vem na continuidade do CFEI II, não sendo evidente em que medida o mesmo é a causa ou o efeito de necessidades de investimento, sendo certo que o benefício fiscal é relativamente relevante. Por outro lado, e por comparação com o CFEI II, as regras de cálculo são mais complexas, o que seria evitável, por desnecessário.
É de notar que o PEC é revogado ao fim de 24 anos de uma existência conturbada, sendo a sua morte definitiva um processo iniciado há alguns anos e que agora tem, finalmente, o seu termo, como há muito reclamado pelas empresas. Seja como for, a extinção do mesmo acaba por ser uma boa notícia para os poucos contribuintes que ainda se encontravam obrigados ao seu pagamento.
Pela negativa, destacamos que também não foi com este Orçamento que a obrigação de preparação do ficheiro normalizado de auditoria, SAF-T foi eliminada. continua em curso o processo de construção do SAF-T, que é o repositório de todos os elementos da contabilidade, não tendo ainda sido possível ultrapassar os constrangimentos técnicos para a codificação das contas. É de notar que este ficheiro, contendo todas as transações da contabilidade, foi criado em 2008, sem que, até à data, se tivesse conseguido ainda implementar na sua plenitude. A Ordem dos Contabilistas Certificados tem acompanhado os trabalhos de melhoria deste ficheiro no sentido de garantir que o mesmo é utilizado para facilitar a vida de contabilistas e contribuintes e não para agravar a partilha e utilização de dados sensíveis dos contribuintes
Quanto ao IVA, não são de assinalar alterações significativas, sendo certo que todas as alterações estruturantes que ocorreram em 2021 foram aprovadas em leis avulsas, fora do OE, por corresponderem, no essencial, à transposição de diretivas comunitárias relativas ao comércio eletrónico.
O aspeto mais relevante para os contabilistas e para os contribuintes é a estabilização e uniformização dos prazos de entrega e pagamento do IVA para sujeitos passivos do regime mensal e trimestral.
Louvamos também o alargamento das férias fiscais ao exercício do direito de defesa em quaisquer procedimentos, direito à redução de coimas, bem como ao pagamento antecipado de coimas, as quais são diferidas para o primeiro dia útil do mês de setembro. Estas alterações completam o quadro legal das férias fiscais, pelas quais a OCC tanto se tem batido, em defesa dos interesses dos contabilistas e, por essa via, também dos contribuintes.
Como menos positivo para os empresários e podendo afetar o trabalho dos contabilistas, assinalamos a antecipação, em uma semana, do prazo para comunicação dos elementos das faturas, que passa do dia 12 para o dia 5 do mês seguinte. Deveria ter sido ponderado um período transitório, que permitisse a entrega dos dados das faturas, por exemplo, entre o dia 8 e o dia 10 do mês seguinte, e que permitisse aos empresários a adaptação a um prazo tão curto e exigente.
Trata-se, portanto, de um OE focado, a nível fiscal, na melhoria, moderada, da justiça distributiva do IRS e com alterações pouco estruturantes e sem agravamento da tributação para empresas.
É importante, para além do quadro fiscal, refletir sobre os pressupostos macroeconómicos em que assenta este Orçamento. Desde logo porque parece ignorar os factos da economia real, como a escassez estrutural de mão de obra, o aumento efetivo e contínuo dos preços das matérias-primas e da energia (a que se junta a sua escassez), além de um esforço insignificante na transição ecológica e descarbonização da economia, que são problemas concretos e efetivos e não meras hipóteses.
Já no ano passado, aquando da discussão da Proposta que acabou por ser rejeitada, antecipávamos uma taxa de inflação de 6%, que não dista muito das previsões internacionais. Ora, a atual Proposta estima uma taxa de inflação de 4% e considera que a inflação elevada será meramente temporária, o que está não só por provar como pode vir a revelar-se uma previsão imprudente.
Os tempos são de incerteza e a contenção nas previsões pode constituir um sério obstáculo à implementação flexível da política orçamental. Este Orçamento acaba por não trazer soluções estruturais nem efetivamente mitigantes dos efeitos negativos do contexto macroeconómico que se avizinha para o resto do ano.
Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas
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