Com o terceiro Grande Corredor de Moçambique, o da Zambézia, a arrancar (depois de Beira e Nacala), o CEO da TML -Thai Mozambique Logistic, SA, consórcio tailandês liderado pelo português explica como o projeto irá revolucionar toda a zona centro do país, ajudando a escoar o carvão de Tete mais rapidamente, em maior volume e com custos inferiores. O projeto prevê um investimento de três mil milhões de dólares
Está neste momento a arrancar o terceiro Grande Corredor de Moçambique, pela mão da TML, que lidera. Pode falar-nos um pouco sobre o investimento e objetivos deste projeto?
O projeto, denominado Corredor Logístico de Macuse prevê um investimento de 2,83 mil milhões de euros que irão ser aplicados na região centro de Moçambique, mais precisamente nas províncias da Zambézia e de Tete. O projeto em si consiste na construção de um corredor ferroviário de 639 kms que irá ligar a foz do rio Macuse, onde vamos construir um porto de águas profundas, com diversos terminais, à localidade de Chitima, próxima de diversas minas de carvão, exploradas internacionalmente por importantes empresas do setor e por isso mesmo de grande importância para a economia do país. Para além de ajudar a escoar o carvão da região, com uma relação preço-quantidade mais sustentável e competitiva face aos dois corredores já existentes (Beira, mais a sul e Nacala a norte), temos também como objetivo facilitar o acesso desta região de Moçambique aos países vizinhos como Zâmbia, Zimbabué, Malawi e República Democrática do Congo, e ajudar a desenvolver todo o potencial agrícola e mineiro do Vale do Zambeze e de Tete. Temos ainda prevista uma ligação aos outros dois corredores, que irá ajudar não só a promover a mobilidade de mercadorias e pessoas naquela região do país como para todo o mercado da SADC.
África tem potencial para crescer muito e ocupar um lugar de relevo na produção de energia. Que investimentos estão em curso que podem contribuir para isso?
África, como todos sabemos, é o continente com o maior potencial de crescimento, e a criação e exploração de novas fontes de energia são essenciais para esse desenvolvimento. Contudo, temos um desafio pela frente que é pensar numa energia “limpa”/”verde”, mas também numa energia que seja “barata”, com um preço acessível para uma população que tem poucos rendimentos e com índices de pobreza elevados. Nesse sentido, a abertura de novas vias de comunicação como é o caso deste projeto que estamos a levar a cabo, com a construção do Porto em Macuse e a linha férrea que irá ligar a zonas remotas do interior do país, são importantes, não só porque irão permitir o transporte de diesel, carvão, gás, etc. a um preço muito mais competitivo para todos os sectores de atividade, como irá facilitar a criação de novas infraestruturas que por sua vez irão facilitar a implementação de investimentos, nacionais e estrangeiros, associados à produção e exploração de energias “limpas”.
A barragem de Cahora Bassa pode desempenhar aqui também um papel? Moçambique pode crescer para ser um grande exportador de energia?
Moçambique tem já um papel preponderante na produção de energia na região da SADC e Cahora Bassa sem dúvida destaca-se nessa mesma produção, o que faltam são canais (linhas de transmissão e distribuição dessa energia). A criação de infraestruturas, como referido atrás, facilitadas pela melhoria das vias de comunicação, serão obviamente fatores que poderão auxiliar o país a destacar-se como um grande produtor e distribuidor de energia, não só para o mercado interno como externo. As potencialidades são enormes e há que aproveitá-las. Por exemplo, neste momento estamos também a avaliar a possibilidade de utilizar locomotivas elétricas, mais amigas do ambiente, neste corredor ferroviário, usando energia de Cahora Bassa.
O centro de Moçambique tem sido muito maltratado, sofrendo catástrofes naturais de consequências avassaladoras, insegurança… De que forma o Corredor da Zambézia poderá ajudar a região?
Moçambique, tal como um pouco por esse mundo fora, tem vindo a sofrer nos últimos anos vários fenómenos atmosféricos extremos, e segundo alguns estudos estas situações irão acontecer cada vez mais frequentemente, fruto das alterações climáticas. O Corredor Logístico de Macuse, ao nível de Projeto de Engenharia foi já planeado numa cota relativamente elevada em relação à existente, para evitar a sua inoperabilidade em situações de cheias, algo relativamente frequente naquela região de Moçambique. Deste modo, contamos no futuro ajudar também as populações afetadas, não só na sua mobilidade como no transporte de auxílio às zonas mais remotas e que atualmente acabam por ficar totalmente isoladas em situações de catástrofes naturais. A grande vantagem deste Corredor é que tivemos a oportunidade de aprender e tirar ilações com os que foram construídos anteriormente, e isso fez que com neste projeto fossem previstas e resolvidas de raiz situações que no futuro irão sem dúvida fazer a diferença no quotidiano das populações daquela região.
Como podem estes planos revolucionar a zona centro do país, incluindo os efeitos do porto de águas profundas e da linha férrea para escoar mais rapidamente o carvão de Tete?
Na Província da Zambézia, a construção da linha férrea e do porto de águas profundas vão ser o maior projeto a acontecer desde sempre, o que irá só por si transformar completamente aquela província, com especial impacto no setor agrícola, (a Zambézia já foi considerada o Celeiro de Moçambique). Em relação à província de Tete, para além do setor mineiro, temos o acesso aos países vizinhos, sendo este Corredor o mais rápido e próximo para a circulação de mercadorias e pessoas, com a inerente diminuição dos custos.
Numa altura em que se põem grandes desafios ambientais, Moçambique está preparado para os ter em consideração neste caminho?
Sem dúvida. Este projeto está a ser pensado para os próximos 30 anos, todos os estudos de impacto ambiental já foram realizados e um conjunto de medidas já estão ser tomadas nesse sentido. A utilização de locomotivas elétricas, como mencionado atrás, está a ser equacionada, bem como a utilização de um traçado da linha com menor impacto ambiental para proteger a fauna e flora, bens e pessoas da região. Sobre a utilização de energia limpa/verde também estamos a considerar esse fator, com o desenvolvimento sustentável de pequenos agronegócios (de agricultura biológica e comércio justos), etc. A nossa preocupação é termos um projeto estruturante e sustentável para a região, já a pensar nas gerações futuras.
A condição económica e política atual do país pode dificultar de alguma forma a execução do projeto?
Obviamente estamos numa economia global e tudo afeta tudo, e quanto mais estável estiver o país a nível político e económico, mais fácil será realizar qualquer tipo de projeto. No entanto, este projeto sendo uma PPP, tem uma componente privada bastante elevada o que faz com que ande por si próprio. Acredito que o país está a sair uma crise económica e que num futuro próximo voltará a destacar-se entre os países em desenvolvimento, e por isso também considero que esta é a altura certa para investir. Contudo, temos de ter presente que quem investe em infraestruturas e logística não pode esperar um retorno num prazo de meses, mas sim a médio, longo prazo.
Tem um conhecimento profundo sobre Moçambique, onde vive e trabalha há mais de 15 anos. Quais são para si as prioridades em que se devia apostar para verdadeiramente começar a explorar o potencial incrível de um país como este?
O país cresceu bastante na última década e houve uma evolução de facto em diversas áreas. Tem um potencial enorme em termos de recursos naturais (uma fonte de riqueza incalculável), no entanto deve investir mais nas infraestruturas básicas para a população, a Educação e Saúde são essenciais para a população moçambicana. A população de Moçambique é bastante jovem, em termos de mentalidade irá demorar ainda algum tempo a adaptar-se à transição de um país pobre para um potencialmente rico, mas isso vai acabar por acontecer. Trata-se de um povo com uma atitude bastante positiva o que lhes dá uma visão otimista face ao futuro.
Em que medida pode África, nomeadamente Moçambique, pela proximidade com Portugal e a UE, ajudar e ser apoiado pela Europa
Nunca o intercâmbio nas mais diversas matérias entre os dois continentes foi tão intenso e rápido como atualmente. Chegamos a fazer viagens intercontinentais para ter uma reunião. A facilidade das comunicações, fruto das novas tecnologias, contribuiu também muito para uma maior aproximação e basta vermos a quantidade de acordos bilaterais assinados para percebermos como a cooperação com África, em geral, e com Moçambique, em particular, tem vindo a ser desenvolvida.
No entanto, é importante não termos ilusões, a Ásia tem vindo a marcar a sua posição no continente africano, e este cada vez mais se apoia na sua ajuda nos mais diversos sectores. Penso que Portugal poderá, contudo, continuar a ter um papel importante em alguns setores, nomeadamente no da Educação, não só no terreno como com as Bolsas disponibilizadas por várias Universidades portuguesas para estudantes dos PALOP. A formação destes novos quadros está a criar uma geração mais bem preparada para enfrentar os desafios que África tem pela frente, ajudando-os a capitalizar as suas riquezas naturais sem estarem dependentes de Recursos Humanos estrangeiros e isso será sem dúvida um passo importante no desenvolvimento do continente.
PERFIL: Orlando Marques
Casado e pai de duas gémeas ainda bebés, Orlando Marques tem 40 anos e vive em Moçambique há cerca de 15. Pós-graduado em Gestão de Projetos no ISG e com frequência em Gestão e Administração na Universidade Católica Portuguesa, tem um vasta experiência em Gestão, Marketing, Logística, Compras e na Implementação e Desenvolvimento de projetos internacionais em África, tendo já, como diretor-geral da Midal Cables International, coordenado a implementação da fábrica e do projeto em Moçambique. Promovido a diretor-geral do Grupo Midal Cables para o continente africano, negociando e representando em nome da empresa com governos, bancos internacionais e grandes investidores estrangeiros, Orlando Marques é hoje CEO da Thai Mozambique Logistic, S.A., consórcio tailandês que tem em mãos o projeto do terceiro Grande Corredor de Moçambique, o da Zambézia.
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