Quanto custam e será que valem a pena?
“A pouca eficácia demonstrada por alguns reguladores, cuja existência nem sequer se justifica, contrasta com o custo que representam para o Estado, porque têm administrações principescamente pagas”, critica Ascenso Simões em entrevista à Renascença. O que se passa, explica, “é que a lei-quadro diz que o vencimento dos reguladores é definido por uma comissão de vencimentos que fixa, para todos os presidentes dos reguladores, vencimentos que são três vezes superiores aos do primeiro-ministro”.
Uma fonte que participou na elaboração da lei-quadro de 2013 lembra à Renascença que” se tentou que ficasse como limite o ordenado do primeiro-ministro, até porque o país estava no auge da crise e seria escandaloso que, quando estavam a ser impostos enormes custos à população, se permitisse que os administradores das novas entidades tivessem ordenados superiores ao do primeiro-ministro”. A mesma fonte refere que “as pressões foram tantas, incluindo da troika, que temia pela perda de independência dos reguladores, que o ordenado do primeiro-ministro ficou apenas como um valor de referência, entre vários outros, a ter em conta na fixação do vencimento dos administradores”.
Por regra, “as administrações dos reguladores ganham muito acima da média”, critica Ascenso Simões. “Há reguladores onde o salário de um vogal da administração é o dobro do salário do primeiro-ministro.” E isso não acontece apenas nos reguladores mais importantes, é uma realidade também em reguladores setoriais cuja razão de existir é contestada, aponta o deputado. ”No regulador dos transportes, que ninguém sabe bem o que regula, há cinco administradores”, exemplifica.
Na ANACOM, o novo presidente, de uma assentada só, decidiu recrutar em novembro 13 diretores, com salários que variam entre cerca de 5.500 e 7.090 euros brutos mensais, bem acima dos vencimentos brutos do Presidente da República (cerca de 6.700 euros mensais) e do primeiro-ministro (4.900 brutos mensais). Esta renovação nos cargos de direção do regulador das telecomunicações causou surpresa, pela escala sem precedentes em que foi feita, e, apontam fontes à Renascença, causou algum mal-estar interno, que veio somar-se ao clima de tensão que a ANACOM vive quer com o Governo quer com os regulados.
João Cadete de Matos, presidente da reguladora desde agosto, está sob fogo cruzado das empresas de telecomunicações e do ministro da área. Em causa, a instalação do 5G, a quinta geração de comunicações móveis. Por causa dos atrasos que estão a verificar-se num processo que é considerado a maior revolução digital desde o smartphone, a Vodafone e a NOS avançaram com processos judiciais contra a ANACOM. E a Altice pediu já várias vezes a demissão de João Cadete de Matos. Também o Governo mandou já vários recados ao regulador, que responsabiliza pelos atrasos no processo do 5G.
Pedro Mota Soares, secretário-geral da Associação dos Operadores de Telecomunicações, argumenta em entrevista à Renascença que “a revolução tecnológica 5G não é só mais uma oportunidade de negócio para as empresas do sector, é um desafio estratégico para o país”. O dirigente da Apritel lembra que “o processo tem de estar concluído no primeiro semestre de 2020” e destaca: “Portugal, que tem estado na linha da frente na área tecnológica, está agora a deixar-se ficar para trás.”
Mota Soares reconhece que “há uma enorme preocupação de toda a gente – operadores, agentes económicos e Governo – porque estamos todos a constatar que, a menos de sete meses do fim do processo, ainda não são sequer conhecidas efetivamente as condições em que o leilão das frequências vai acontecer, por isso tem havido um conjunto de críticas ao regulador”. Isto porque “Portugal é um dos países mais atrasados no processo de instalação da rede móvel de quinta geração”, processo esse que, refere, “começou tarde e cujas etapas muito curtas colocam dificuldades acrescidas aos operadores do mercado das telecomunicações”. “Estamos a fazer tudo com pouco tempo e pouca capacidade de diálogo”, acusa.
Fontes ligadas ao processo dizem à Renascença que o diálogo com o novo presidente da ANACOM é praticamente inexistente. João Cadete de Matos não é da área, veio de outro regulador, o Banco de Portugal, circunstância que talvez explique as dificuldades que tem enfrentado no exercício da regulação num setor que é “um tanque de tubarões”. Em declarações públicas, mantém que ”está a cumprir o calendário” e que “não se deixa condicionar e continuará a agir com rigor e total firmeza em defesa da concorrência e da proteção dos consumidores”.
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Crédito: António Cotrim/Lusa
O secretário-geral da Apritel defende que o que está a passar-se com a gestão do processo 5G pela ANACOM era uma boa razão para “seguirmos o exemplo de outros países europeus que já estão a fazer a avaliação do impacto regulatório”.
“É uma recomendação quer da OCDE quer da Comissão Europeia”, refere Mota Soares. “Em Portugal tem-se falado muito da avaliação do impacto legislativo, mas devíamos fazer também a avaliação do impacto da regulação.”
O debate já está em curso na Europa. Vários países têm estado a avaliar os custos e benefícios da regulação, analisando em particular o seu impacto para as finanças públicas. Em concreto, pretende-se conhecer os custos e os benefícios regulatórios para a sociedade, através de entidades independentes, porque os custos de funcionamento dos reguladores acabam por se repercutir nos preços que os cidadãos pagam pelos bens e serviços que são alvo das taxas e das coimas cobradas pelos “polícias do mercado”.
“A desmultiplicação de entidades reguladoras é uma forma de o Governo se desresponsabilizar” – Paulo Otero
É aquilo a que um especialista em finanças públicas chama de “custos parafiscais” e que se somam “à brutal carga de impostos paga pelos portugueses”. Mas também porque, muito embora a lei lhes atribua um estatuto de independência e alguma autonomia financeira, são entidades públicas pelo que representam um custo para o Estado, contabilizado para efeitos de apuramento da Despesa Pública e de prestação de contas a Bruxelas.
O Tribunal de Contas de Portugal não está à margem desta reflexão. A avaliação do financiamento das entidades reguladoras foi incluída entre as prioridades do tribunal para este ano. A ideia é perceber em que medida entidades que antes da lei-quadro de 2013 estavam sob a tutela direta do Governo (algumas eram institutos públicos) foram capazes de se tornar verdadeiramente independentes. Na análise desta questão, o foco está na efetiva autonomia financeira, sem descurar a forma como são nomeados os administradores dos reguladores – em que medida não estão dependentes do Orçamento do Estado e se pode de facto dizer que “se pagam” com receitas próprias. Até porque algumas dessas receitas, que os reguladores reivindicam como suas, podem estar impropriamente classificadas como próprias.
Perceber que consequências têm as decisões tomadas pelos reguladores poderia também ajudar a perceber em que medida faz sentido, num país com a dimensão de Portugal, ter tantos reguladores. Quer no caso dos transportes (AMT), quer no caso da aviação civil (ANAC), quer ainda no caso da saúde (ERSE), o deputado socialista Ascenso Simões, também ele um ex-regulador (da ERSE), considera que estamos perante “reguladores que não são reguladores”, antes “meras direções gerais”. Em entrevista à Renascença, o histórico militante socialista diz que “o país devia ponderar se efetivamente precisa de reguladores nessas áreas”.
“Temos mais entidades de regulação do que a média dos países europeus. E a troika quando veio, em vez de resolver o problema, manteve-o”. Ascenso Simões cita o caso da saúde e questiona: ”Faz sentido, num país onde o SNS tem o peso que tem, ter um regulador? Há países na Europa onde o setor privado tem um peso muito superior e que não têm qualquer regulador para a área da saúde”.
Para Paulo Otero, “é importante perceber se, de facto, todas as entidades reguladoras são verdadeiramente independentes ou se são uma ficção”, até porque esta “desmultiplicação de entidades reguladoras independentes é uma forma de desresponsabilização decisória por parte do Governo”, diz à Renascença. A par disso, é “uma forma de este não prestar contas na Assembleia da República sobre aquilo que deixou de estar na sua dependência, para passar a estar na zona de influência de uma autoridade independente”, refere. Na opinião do especialista em Direito Administrativo, “há alguma perversidade” em tudo isto, “porque dessa forma o Governo liberta-se de assumir publicamente a responsabilidade em determinadas áreas”.
“Um excessivo número de autoridades reguladoras, sem terem na sua raiz uma razão de ser, diminui o estatuto constitucional do Governo enquanto órgão superior da Administração Pública”, defende o jurista da Faculdade de Direito de Lisboa.
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